Em nova carta, presidência da COP30 segue aposta em inovações inofensivas

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Enquanto as guerras se expandem e afastam o entendimento entre os países, o Brasil vem dobrando a aposta na mais suave das diplomacias: a da criatividade. Uma série de inovações dá corpo à quarta carta lançada pela presidência da COP30. No entanto, as investidas passam longe dos impasses das negociações do clima.
A principal delas faz alusão ao coração do Acordo de Paris ao sugerir que o Balanço Global (GST), aprovado na COP28, seja levado adiante como uma meta global - em uma referência complementar às metas nacionais do acordo climático (as NDCs, na sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas).
O Balanço Global atualiza o Acordo de Paris e traz consensos auspiciosos, como manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC e diminuir a dependência de combustíveis fósseis, além de triplicar as energias renováveis e combater o desmatamento até o final desta década.
"Usando o Balanço Global como referência, seremos capazes de transformar a ação climática de uma cacofonia em uma sinfonia orquestrada - onde as negociações multilaterais definem o placar, e as NDCs [metas nacionais] e a Agenda de Ação
fornecem os instrumentos", afirma a carta publicada hoje.
A ideia pode parecer audaciosa por dois motivos. Primeiro, porque reconhece a importância do Balanço Global e se propõe a levá-lo adiante para uma fase de implementação.
O segundo é que a visão proposta na carta brasileira não apenas brinca com a linguagem, mas toca a arquitetura do Acordo de Paris. Ali, os franceses só viabilizaram um entendimento ao substituir a busca de uma lei global pela lógica da 'vaquinha': cada país diz o quanto pode contribuir para resolver o problema.
Ou seja, voltar a falar em uma meta global cria, minimamente, um redirecionamento das atenções, convidando os negociadores a pensar em compromissos comuns, ao tempo em que apenas 22 países renovaram suas metas nacionais do Acordo de Paris para os próximos dez anos.
Um dos perigos dessa retórica seria discutir uma tarefa concluída na COP28, sob o novo apelido de meta global, e esquecer a lição de casa inacabada: as metas nacionais, onde finalmente a negociação se transforma em política pública e ação concreta.
No entanto, antes que alguém se preocupe, a presidência brasileira tratou de fazer ressalvas. "É só uma inspiração, não é de forma alguma um roteiro para a negociação", afirmou a jornalistas a diretora-executiva da COP30, Ana Toni, ao ser questionada sobre o significado da proposta.
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirmou que a conferência dará ênfase à agenda de ação dos temas já aprovados no Balanço Global, fazendo uma ponte para a implementação.
Como o Brasil é querido por todos os lados e seus negociadores esbanjam carisma, pode até parecer que está tudo certo. Afinal, quem seria contra partir para a ação? O problema é que, embora a ação esteja mesmo atrasada, nem sequer estamos prontos para ela. O financiamento empacou, as novas metas nacionais não estão na mesa e os últimos dois anos dificultaram o diálogo sobre o nó central da crise climática - a troca dos combustíveis fósseis para energias renováveis.
Outro detalhe que atrapalha a narrativa de uma 'COP da ação' - marca que diversas edições da conferência já tentaram emplacar - é que os diplomatas não têm mandato para implementar nada, mas para negociar acordos.
A negociação diplomática não é menor ou menos importante que a dita implementação; é indutora dela. Afinal, trata da única instância de uma COP que produz documentos legalmente vinculantes, responsáveis por pautar a política e a economia dos países.
Nas três cartas anteriores, publicadas ao longo deste ano, a presidência brasileira da COP30 já vinha propondo uma série de inovações inofensivas, como a ideia dos círculos de lideranças (haverá um círculo para os ministros de finanças, outro para os povos indígenas e um dedicado a reunir as presidências anteriores das COPs).
Para além das cirandas, a COP30 ainda nomeou 30 enviados especiais, reunindo desde especialistas até a primeira-dama, Janja Lula da Silva, na missão de mobilizar atores para a agenda do clima.
Ainda nesta semana, a ministra Marina Silva encabeçou o lançamento do Balanço Ético Global, outro círculo que deve reunir lideranças de todo o mundo para dialogar em mais um 'chamado à ação'.
Não menos redundante, há também a ideia do mutirão, palavra que o Brasil tenta emplacar lá fora para refrescar a velha proposta da mobilização dos diversos setores da sociedade global.
A receita para criar uma aparente participação social sem perder o controle da narrativa já vem sendo testada pelo governo federal nos últimos eventos internacionais que o Brasil sediou, como a Cúpula da Amazônia, em 2023, e o G20, no ano passado. Ambos contaram com amplos fóruns dedicados a dar voz ao povo.
Sem envolver um processo de escutas, devolutivas e conexões com as negociações formais, a abertura dos microfones em eventos paralelos produz, em vez de voz, ruído. Ou, como critica a própria carta da presidência, cacofonia.
O país reconhecido por conversar com todo o mundo agora é posto à prova diante de um planeta despedaçado pelas guerras, crises e falta de perspectivas. Caso se furte de usar a criatividade para encontrar soluções que circulem pelas salas de negociações diplomáticas, o Brasil pode até escapar da terrível criação de expectativas que pesa sobre cada COP, mas ficará marcado como o país que quis reinventar a roda e acabou andando em círculos
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