Recuperação ambiental movimenta economia e promove inclusão social

Francisca Edna Parente, de 61 anos, tem uma propriedade, em Santana do Cariri, no Vale dos Buritis, no Ceará. A área, hoje uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), já foi bastante degradada. O antigo dono usava o espaço para a criação de gado e, com o pisoteio constante, o solo perdeu a capacidade de absorver água e nutrir a vegetação.

Foi preciso um olhar cuidadoso e persistente para reverter esse cenário. No início, Edna não acreditou na proposta, até receber caminhões com 5 mil mudas e, então, começar o desafio do reflorestamento. Com o passar dos dias, viu os sinais da recuperação: a vegetação brotando, os animais retornando e o solo recuperando sua vitalidade.

A transformação não foi apenas ambiental, mas também cultural e econômica.

"Já fizemos um corredor ecológico, já estão chegando animais [pássaros, como Viana, pica-pau, guinguiru] que não vinham mais aqui", celebra.

Além dos pássaros, a melhora aconteceu também na água e nos frutos. "O volume da água aumentou muito. Antes, a piscina natural da RPPN mal chegava na minha cintura. Hoje, se eu entro, a água me cobre", conta.

A recuperação do solo também trouxe fartura. "No começo, plantamos só para o nosso consumo. Mas a agrofloresta cresceu tanto que começamos a vender banana, limão e coco. Tudo isso veio com o reflorestamento", aponta.

Edna aderiu a um dos projetos do Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste), que oferece ações de recuperação de áreas degradadas em propriedade rurais de forma gratuita. Já foram restaurados 242 hectares no bioma Caatinga.

Aproveitando o período chuvoso que, em geral, segue até fevereiro nos biomas Caatinga e Mata Atlântica, o Centro está realizando uma restauração em larga escala. O coordenador Geral do Cepan, Joaquim Freitas, explica que "a restauração florestal utiliza o período de chuvas, ideal para o plantio em larga escala, como oportunidade para recuperar áreas degradadas, diminuindo a necessidade de irrigação."

As ações envolvem 500 hectares de 33 municípios dos estados de Pernambuco, Piauí e Ceará, na Chapada do Araripe, além de 43 hectares na cidade de Presidente Epitácio, Oeste do estado de São Paulo, que receberá 3,9 toneladas de sementes de 50 espécies diferentes. Também estão previstas atividades nos municípios de Pinheiros (ES) e Lajes (RN). A iniciativa conta com o apoio do Fundo Socioambiental da Caixa.

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O processo de restauração utiliza diversas técnicas, como o plantio de mudas nativas florestais, semeadura direta (utilização de sementes para plantio), Safs (sistemas agroflorestais) e a condução da regeneração natural, por meio do adensamento e enriquecimento da área.

"O trabalho abrangerá uma região de 212 hectares entre 2024 e 2025, envolvendo uma extensa equipe técnica de campo distribuída por diferentes núcleos", complementa Freitas.

Economia e inclusão social

Um dos biomas alvos da ação é a Caatinga, com quase 300 mil hectares passíveis de restauração, sendo que cerca de 25% do bioma apresenta forte suscetibilidade a processos de desertificação. Investir na restauração desse ecossistema é urgente e pode movimentar a economia.

O estudo "Os bons frutos da recuperação de florestas: do investimento aos benefícios", do Instituto Escolhas, mostra que restaurar 1 milhão de hectares em áreas de preservação permanente e reserva legal na Caatinga resultaria em uma receita líquida de R$ 29,7 bilhões - o dobro do valor investido na recuperação.

Os benefícios vão além: a operação pode gerar 465,8 mil empregos e remover 702 milhões de toneladas de carbono da atmosfera. Além disso, um bioma preservado pode viabilizar a produção de 7,4 milhões de toneladas de frutas, verduras e hortaliças em assentamentos rurais, afirma o estudo.

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Conhecimento ancestral

No Brasil, há estimativas de que, caso o Código Florestal fosse plenamente aplicado, existiriam aproximadamente 19 milhões de hectares a serem restaurados, considerando-se áreas de preservação permanente e reservas legais.

Parte dessa renda vai parar nas mãos de atores locais. "Agricultores familiares e coletivos indígenas têm papel importante no fornecimento de mudas e sementes, gerando renda e valorizando saberes tradicionais", destaca Freitas.

É o caso de Danila Moraes, indígena Tupiniquim, coletora de sementes de aldeia homônima, em Aracruz, no Espírito Santo. Para ela, que sempre se viu como parte da natureza, a possibilidade de complementar a renda enquanto cuida da comunidade, da cultura e do meio ambiente foi uma alegria.

Danila coleta cada semente cuidadosamente
Danila coleta cada semente cuidadosamente Imagem: Arquivo Pessoal Danila Moraes

Ela integra a Rede de Coletores Indígenas Tupyguá, formada por 54 coletores, que trabalham com 15 tipos de sementes diferentes. "A nossa rede esse ano fez uma tonelada e uns quebradinhos de sementes", diz, orgulhosa.

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A coleta de sementes envolve conhecimento ancestral rebuscado e meticuloso. Danila acumula séculos de observação e escuta dos mais velhos, uma sabedoria que lhe permite coletar manualmente as sementes, preservando o fruto e o ciclo de colheita. "Cada árvore tem sua delicadeza", explica. "E são várias: maracujá nativo, aroeira, cajuzinho, araçá amarelo", pontua, com firmeza.

Ver suas mudas saindo da comunidade, ainda mais destinadas ao reflorestamento, representa o conhecimento passado de geração em geração se espalhando e retornando a quem sempre as serviu: a natureza. "Só de a gente ver as áreas plantadas, como que tá o clima, e poder contribuir para mudar um pouquinho, tá sendo excelente", celebra.

Sementes reunidas para restauração
Sementes reunidas para restauração Imagem: Arquivo Cepan

Segundo Danila, a renda das sementes varia muito, pois depende da demanda dos compradores e do ciclo de cada espécie, por exemplo, há sementes que só podem ser colhidas a cada dois anos. "Nem todo mundo consegue sobreviver disso, porque a gente depende de saída, a gente depende de projetos. Mas posso garantir que está sendo ótimo, principalmente para quem gosta dessa parte de preservação e já trabalha com isso desde que nasceu", diz.

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