Topo

Pessoas

"É um tabu", diz ginecologista que receita medicamentos à base de cannabis

A médica ginecologista e obstetra Mariana Lemos Prado. - Lucas Veloso/Acervo pessoal
A médica ginecologista e obstetra Mariana Lemos Prado. Imagem: Lucas Veloso/Acervo pessoal

Lucas Veloso

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

04/03/2023 06h00

No consultório da médica ginecologista e obstetra Mariana Lemos Prado, 30, as questões raciais e de gênero são prioritárias na conversa com seus pacientes. Uma das poucas profissionais negras do seu campo em São Paulo, Mariana tornou-se conhecida por ser a única que prescreve medicamentos à base de cannabis.

Tudo começou numa conversa com sua amiga de infância, também médica, que atua com medicina canábica desde formada. Após ouvir sobre estudos na área de ginecologia envolvendo a cannabis, Mariana decidiu se aprofundar. Defensora de uma medicina baseada em evidências, ela mergulhou nas pesquisas sobre o tema e, além de fazer cursos de prescrição, buscou todas as documentações científicas para tratamentos que estavam disponíveis.

Cannabis no consultório

Graduada em Medicina em Araguari (MG), pelo Instituto Master de Ensino Presidente Antônio Carlos (Imepac), e em Ginecologia e Obstetrícia pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS), Mariana atua em prol da descriminalização e regulamentação do uso da cannabis com foco nos sintomas da menopausa, do ciclo menstrual e dores pélvicas crônicas, uma pauta que, como ela mesma admite, ainda enfrenta muita resistência na sociedade.

"É um tabu. Fala-se muito sobre o uso recreativo, mas pouco sobre o uso da planta na medicina", comenta. Segundo Mariana, boa parte da classe médica ainda não endossa a chamada medicina alternativa, ou melhor, a medicina tratativa, que pode ser a primeira escolha no caso de muitas doenças. "Parece que, no Brasil, estamos batendo na porta quando atuamos em algo inovador, que na verdade já existe há muito tempo em outros lugares", destaca.

Mas há esperanças. Com a evolução das pesquisas científicas, o cenário está mudando gradativamente, rumo a uma atuação com segurança, tanto para os médicos quanto para os pacientes que buscam tratamento para diversas doenças. É uma questão de tempo, lembra ela, para as pessoas perceberem que os benefícios são muito maiores do que os riscos e que, sim, cannabis medicinal também é medicina. Neste sentido, a regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é importante para dar credibilidade ao uso clínico dos medicamentos.

Alto custo ainda é um desafio

Além de atender pacientes na rede privada, Mariana conhece de perto os desafios de acesso a medicamentos na rede pública, já que ela também atua no Sistema Único de Saúde (SUS), em Cidade Tiradentes, bairro no extremo leste de São Paulo.

"Infelizmente, a realidade é oposta, e o tratamento ainda é um pouco caro", pontua, destacando também o componente racial dessa exclusão, que acaba atingindo, majoritariamente, mulheres pretas como ela.

"Ainda é um tabu. Fala-se muito sobre o uso recreativo, mas pouco sobre o uso da cannabis na medicina" - Lucas Veloso/Arquivo pessoal - Lucas Veloso/Arquivo pessoal
"Ainda é um tabu. Fala-se muito sobre o uso recreativo, mas pouco sobre o uso da cannabis na medicina"
Imagem: Lucas Veloso/Arquivo pessoal

O óleo de canabidiol, por exemplo, é requisitado por muitas famílias em busca de tratamento para diabetes, Parkinson, Alzheimer, epilepsia, esquizofrenia, dentre outras condições de saúde.

Apesar da batalha de associações em busca de preços mais acessíveis, o medicamento nem sempre é fácil de conseguir. Para Mariana, isso só serve de combustível para sua luta diária. "É importante saber que estamos investindo em um tratamento que tem evidências e realmente funciona", finaliza.

Pessoas