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Volta misteriosa de borboletas é celebrada na Califórnia: 'Mais de 335 mil'

As borboletas-monarca migram para o sul em toda a Califórnia no inverno - iStock
As borboletas-monarca migram para o sul em toda a Califórnia no inverno Imagem: iStock

Fernanda Ezabella

Colaboração para Ecoa, de Pismo Beach, Califórnia (EUA)

24/02/2023 06h00

O pequeno bosque de eucaliptos e ciprestes ao lado de uma estrada está cheio de visitantes. A poucos metros da praia de Pismo Beach, no centro da Califórnia, crianças e adultos circulam pela trilha com os olhos meio apertados como que em busca de algum tesouro.

Uma fotógrafa paramentada de câmeras profissionais, parada num canto do parque, dá a pista. Faz horas, ela mira o alto de uma árvore cujas folhas parecem se movimentar por conta própria. Um olhar cuidadoso revela o que todos procuram: as "folhas" são, na verdade, milhares de borboletas-monarcas migratórias, agrupadas como cachos com suas asas pretas e laranjas.

"Venho aqui todos os invernos faz quatro anos. Sou apaixonada pelas monarcas, elas são espetaculares", diz a fotógrafa Nathalie Orozco, que filmava as borboletas já fazia quatro horas, após dirigir 300 km de Los Angeles.

"Em 2020, foi horrível", ela recorda. "Contamos apenas 200 borboletas aqui neste bosque. Agora, passaram de 24 mil."

Borboletas-monarcas migratórias descansam num cipreste do bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia - Fernanda Ezabella/UOL - Fernanda Ezabella/UOL
Borboletas-monarcas migratórias descansam num cipreste do bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia
Imagem: Fernanda Ezabella/UOL

O tamanho da aparição soa como milagre. Nas últimas décadas, as monarcas no hemisfério norte diminuíram drasticamente.

As borboletas ocidentais, que hibernam em diversos pontos da costa da Califórnia, foram reduzidas em 99%, indo de 10 milhões nos anos 1980 para menos de 2 mil em 2020. Já a população oriental, que hiberna no México, caiu 84%.

Os números são da União Internacional para a Conservação da Natureza. Em julho de 2022, o grupo incluiu a espécie (Danaus plexippus plexippus) em sua Lista Vermelha de animais ameaçados de extinção.

Monarcas: as 'rainhas' das borboletas

As monarcas pairam como rainhas no universo das borboletas, um inseto essencial para a saúde de um ecossistema, responsável pela polinização de plantas e cujas larvas servem de base para a cadeia alimentar de inúmeros animais.

Elas são facilmente reconhecidas pelas cores e fascinam os estudiosos com sua resiliência excepcional: realizam uma das mais longas jornadas migratórias para um inseto, voando 4 mil km para fugir das baixas temperaturas, do sul do Canadá até o centro do México.

 As borboletas-monarca migram para o sul em toda a Califórnia no inverno - iStock - iStock
As borboletas-monarca migram para o sul em toda a Califórnia no inverno
Imagem: iStock

As monarcas fazem parte do gênero Danaus, do qual existem 12 espécies diferentes espalhadas pelo mundo. A mais popular no Brasil é a monarca-do-sul (Danaus erippus), que não realiza grandes migrações nem hiberna em agrupamentos.

"A monarca é um arroz de festa no Brasil. Lá no parque Ibirapuera, tem um monte. Não estão ameaçadas aqui, ao contrário de outras 63 espécies", alerta o biólogo André Freitas, professor do Instituto de Biologia da Unicamp

Alertas sobre o declínio da Danaus plexippus alavancaram inúmeras campanhas e estudos. No final de 2021, veio uma surpresa. Cerca de 245 mil borboletas ressurgiram na costa californiana, mais de 120 vezes o número do ano anterior, de acordo com uma contagem anual feita desde 1997.

Em novembro, a comunidade estava ansiosa à espera. "Não tínhamos ideia se elas voltariam. Ou será que sumiriam de vez?", diz Isis Howard, bióloga da Xerces Society, uma ONG de conservação de invertebrados e seus habitats.

"Quando os primeiros números começaram a chegar, bateu um grande alívio."

A contagem final foi revelada em fevereiro: mais de 335 mil monarcas foram calculadas em 22 dias entre novembro e dezembro por 250 voluntários da Xerces Society, que organiza o evento em diversos pontos da costa. Pismo Beach registrou 24 mil em seu pico, o maior número para um espaço aberto ao público.

"Você fica tão chocada e surpresa por estar cercada de tantas monarcas que é difícil se concentrar e contar cem, duzentas, trezentas. Mas, com o tempo, você se acostuma e desenvolve um olhar" Isis Howard, bióloga da Xerces, sobre sua primeira contagem

Os vilões das monarcas

Na Califórnia e no México, seus habitats de inverno são destruídos por:

  • Exploração legal ou ilegal de madeira;
  • Desmatamento para abrir espaço para agricultura e desenvolvimento urbano;
  • Incêndios florestais

No interior dos EUA e no sul do Canadá, onde elas se reproduzem:

  • Pesticidas na agricultura matam borboletas e sua planta hospedeira, as asclépias*;
  • Temperaturas extremas limitam o crescimento das plantas;
  • Calor intenso leva monarcas a migrarem antes, quando ainda não há alimento;

*Asclépias são as únicas plantas nas quais as monarcas desovam e das quais suas larvas e lagartas se alimentam. São conhecidas no Brasil como erva-de-rato, oficial-de-sala e algodãozinho-de-campo. Nos EUA, são chamadas de "milkweed".

Borboletas monarcas migratórias descansam num eucalipto do bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia - Fernanda Ezabella/UOL - Fernanda Ezabella/UOL
Borboletas monarcas migratórias descansam num eucalipto do bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia
Imagem: Fernanda Ezabella/UOL

Por que elas voltaram?

Embora as razões para o declínio das borboletas sejam bem estudadas e conhecidas, ainda é cedo para saber as causas do ressurgimento relâmpago. Apesar de motivos para celebrar, os especialistas alertam que falta muito para uma recuperação total.

"Há muitos fatores que podem ter influenciado esses aumentos de curto prazo", explica Howard. "Não há uma resposta única e simples, e sim uma combinação de temperatura, chuvas, disponibilidade de alimentos e também acaso."

Emma Pelton, sua colega bióloga da Xerces Society, diz que os números trazem esperança de que ainda dá tempo de agir para salvar as monarcas.

"Mas temos um longo caminho pela frente para alcançar a recuperação da população", diz Pelton, lembrando ainda das fortes tempestades que atingiram a costa californiana no final de dezembro e janeiro, causando inundações e quedas de árvores.

"Essas chuvas significam que começaremos a primavera com muito, muito menos monarcas do que vimos na contagem."

A Xerces Society também mapeia as plantas hospedeiras das monarcas (asclépias*) em três aplicativos nos estados do oeste dos EUA. O grupo incentiva o plantio das espécies nativas do hemisfério norte, já que alguns estudiosos acreditam que as não-nativas podem prejudicar as monarcas. O debate é intenso na comunidade, e algumas cidades até baniram a venda das não-nativas, muito mais populares por darem flores o ano inteiro.

A população do leste realiza as rotas mais extensas, desde o sul do Canadá até o México.

A população do oeste realiza rotas mais curtas, vinda do noroeste até a costa californiana.

Borboletas monarcas migratórias descansam no bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia -  Fernanda Ezabella/UOL -  Fernanda Ezabella/UOL
Borboletas monarcas migratórias descansam no bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia
Imagem: Fernanda Ezabella/UOL

Na cola das monarcas

De volta à Pismo Beach, num final de semana de janeiro, o bosque enche mais à medida que o sol esquenta. Apesar do céu azul e temperatura agradável de 17 graus, estamos no inverno, um bem mais ameno que o inverno das montanhas e outros estados.

"Monarcas gostam de temperaturas acima dos 10 graus. Se faz muito frio, elas podem congelar e morrer", explica o ativista Thomas D. Landis, de camisa pólo com uma monarca desenhada no peito. Ele veio do estado vizinho do Oregon com a mulher e o irmão para um seminário sobre as borboletas em San Luis Obispo, a 20 km do bosque.

"Quando me aposentei do Serviço Florestal, fui atrás de algo para fazer e li sobre o declínio das monarcas", conta Landis, que começou então a plantar asclépias nativas em seu quintal. "No primeiro ano, achei uma lagarta. Anos depois, vi surgir centenas."

O naturalista Thomas D. Landis, do grupo Western Monarch Advocates, veio com a família ver as borboletas monarcas migratórias no bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia - Fernanda Ezabella/UOL - Fernanda Ezabella/UOL
O naturalista Thomas D. Landis, do grupo Western Monarch Advocates, veio com a família ver as borboletas monarcas migratórias no bosque Monarch Butterfly Grove, em Pismo Beach, costa central da Califórnia
Imagem: Fernanda Ezabella/UOL

Hoje, ele dá workshops sobre como criar um espaço para as monarcas no jardim, com asclépias nativas e plantas polinizadoras cujo néctar é seu principal alimento.

De binóculos em mãos, a especialista em recursos naturais Emily Spencer também circulava atrás dos cachos de borboletas. Ela usava brincos de madeira de monarcas e vinha de Utah, onde trabalha no parque Dinosaur National Monument, que tem um programa de rastreamento de monarcas.

"Colamos um adesivo na sua asa com um número e e-mail", diz Spencer. "Quando alguém encontra um exemplar, manda uma mensagem para descobrir a origem, e nós sabemos onde ela foi parar. É sempre muito animador ter notícias delas."

Borboleta monarca 'taggueada' no estado de Utah, foto cortesia de Emily Spencer, do Dinosaur National Monument (Utah) - Cortesia / Dinosaur National Monument - Cortesia / Dinosaur National Monument
Borboleta monarca 'taggueada' no estado de Utah, foto cortesia de Emily Spencer, do Dinosaur National Monument (Utah)
Imagem: Cortesia / Dinosaur National Monument