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Estes 15 projetos legislativos podem fazer o Brasil superar o racismo

A lista é o resultado da análise de 286 projetos que tramitam no Congresso e versam sobre a questão racial no país. - Getty Images
A lista é o resultado da análise de 286 projetos que tramitam no Congresso e versam sobre a questão racial no país. Imagem: Getty Images

Weudson Ribeiro

Colaboração para ECOA, em Brasília

23/11/2022 04h00

Como o Congresso Nacional pode colocar o Brasil no caminho para a superação do racismo? Para a RJC (Rede Justiça Criminal), entidade que há 10 anos acompanha o cotidiano legislativo, a resposta está na aprovação de 11 projetos de lei e quatro PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que estão em tramitação atualmente.

A lista é o resultado da análise de 286 projetos que versam sobre a questão racial no país. A seleção levou em consideração ações que permeiam a população negra nas mais variadas áreas como esporte, cultura, educação, economia e segurança pública. "São projetos que nomeiam o problema, chamam de racismo a desigualdade social e a invisibilidade da história da escravidão e oferecem um caminho legal para a superação dessa realidade", afirma nota da entidade.

A RJC é formada por nove organizações da sociedade civil, entre elas, Justiça Global, Conectas Direitos Humanos e Instituto Sou da Paz, que atuam no combate ao encarceramento em massa, por políticas de segurança pública e direitos humanos, além do enfrentamento ao racismo.

"A nossa meta é colaborar com a luta antirracista, dando destaque a boas iniciativas que existem atualmente, e oferecer ao Congresso Nacional a possibilidade de aprovar propostas que coloquem o Estado brasileiro em posição de combate à discriminação"
Monique Cruz, pesquisadora da Justiça Global

Segurança pública é uma prioridade

Segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, pessoas negras são a maioria das vítimas de uma série de crimes violentos no país. Na categoria que reúne homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial, quase 80% das vítimas são negras. No caso das mortes pela polícia, 84% são pessoas negras.

Policiais apontam fuzis durante operação militar na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Ação ocorreu em maio de 2021 e terminou com 28 mortos. - Ricardo Moraes/Reuters - Ricardo Moraes/Reuters
Policiais apontam fuzis durante operação militar na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Ação ocorreu em maio de 2021 e terminou com 28 mortos.
Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

Nesse sentido, enfrentar este problema é uma prioridade para mudar a realidade de jovens negros no país. Entre os projetos selecionados pela RJC está o PL 9796/18, que cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, que prevê a criação de políticas públicas para proteger prioritariamente a população negra e pobre. Uma das metas do plano é a redução, em todo o país, do índice de homicídios para menos de 10 por 100 mil habitantes.

A proposta foi originalmente apresentada pelo Senado (PL 240/2016) como resultado da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Assassinato de Jovens, criada em 2015. Atualmente, ela está em tramitação na Câmara, em regime de prioridade, mas sem data para apreciação em Plenário.

Três PECs que regem sobre o tema também estão na lista da RJC. Entre elas, a 128/2015, que atribui à Polícia Federal a apuração de crimes praticados por milícias e grupos de extermínio, e à Justiça Federal a competência para o julgamento desses crimes. A medida retira a condução de ações penais da esfera estadual, o que, segundo a proposta, aceleraria a resolução de crimes porque os casos seriam apurados e julgados por profissionais livres de interferências de autoridades locais.

Cultura e educação como pilares

Estudantes de ensino fundamental. - FG Trade/Getty Images - FG Trade/Getty Images
Estudantes de ensino fundamental.
Imagem: FG Trade/Getty Images

Pensando a superação do racismo de forma interseccional, as entidades da RJC selecionaram o PL 2444/2015, que torna inadimplente, de acordo com as normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, o município que deixar de aplicar os dispositivos da Lei 10.639. Criada em janeiro de 2003, a lei obriga o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental e Médio, mas tem enfrentado dificuldades na sua implementação.

"Já enfrentávamos obstáculos de gestores de escolas estaduais e municipais, mas, em alguns municípios, dependendo do governo, vínhamos avançando. Nós dependemos, na realidade, dos movimentos negros e de quem ocupa os cargos públicos [para implementar a lei]", explica o pesquisador Otair Fernandes, do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

O PL 2444/2015 também é um desdobramento de uma CPI de 2015 que apurou as causas, razões, consequências, custos sociais e econômicos da violência, morte e desaparecimento de jovens negros e pobres no Brasil.

No tocante às universidades, a Rede Justiça Criminal sugere ações para interromper a evasão de grupos vulneráveis, incluindo na lista o PL 10612/2018, da deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO).

A proposta altera o texto da Lei de Cotas e dispõe sobre a concessão de auxílio financeiro para assegurar a permanência dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas. O projeto foi anexado a outras proposições sobre temas semelhantes e aguarda análise de comissões na Câmara.

Funk como forma de manifestação cultural

Bloco de funk o Baile Todo, comandado por mulheres negras, estreia no Rio. - Luciola Villela/ UOL - Luciola Villela/ UOL
Bloco de funk o Baile Todo, comandado por mulheres negras, estreia no Rio.
Imagem: Luciola Villela/ UOL

Apresentado pelo ex-deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), em 2008, o PL 4124 busca assegurar ao movimento funk o apoio financeiro de órgãos públicos ligados à cultura. O PL está em tramitação no Senado desde 2019 sob relatoria do senador Humberto Costa (PT-PE).

No texto de sua proposição, o ex-congressista compara o ritmo oriundo da música negra norte-americana, e que se popularizou em favelas do Rio de Janeiro no fim dos anos 1980, ao samba.

"Houve época em que, no Brasil, era proibido sambar! Hoje, é o funk que enfrenta toda ordem de preconceitos e tentativas de desmobilização por parte de segmentos da sociedade que discriminam manifestações culturais das classes menos abonadas, sobretudo as ligadas à cultura negra", pontua.

Dentro das quadras

Aranha foi vítima de racismo na partida entre Santos e Grêmio em 2014 - Getty Images - Getty Images
Aranha foi vítima de racismo na partida entre Santos e Grêmio em 2014
Imagem: Getty Images

Um dos casos mais emblemáticos de racismo no futebol envolveu o ex-goleiro Mário Lúcio Duarte Costa, conhecido como Aranha. Então atleta do Santos, em 2014 ele foi chamado de "macaco" pela torcida gremista durante uma partida contra o Grêmio. O time gaúcho foi excluído da Copa do Brasil como punição pelo episódio.

Com casos racistas semelhantes se repetindo ao longo do tempo, a RJC acredita que a aprovação do PL 81/2021 é importante para mudar esta situação dentro das quadras. Apresentado pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), o texto dispõe sobre infrações administrativas por atos de racismo e homotransfobia nos estádios de futebol, pistas de atletismo, ginásios poliesportivos e demais equipamentos esportivos nos municípios e no Distrito Federal.

"Os clubes ou responsáveis legais pelo equipamento ou evento esportivo deverão fixar placas contra racismo e LGBTfobia em locais de boa circulação e serão punidos administrativamente por ação ou omissão", diz trecho da proposição.

Patrimônio e memória

As discussões sobre o uso do espaço público e suas conexões com o resgate histórico da presença negra nas cidades tem se ampliado no país. A tentativa de algumas organizações da sociedade civil, por exemplo, é pautar a escolha de monumentos e estátuas, ou mesmo nomes de praças, ruas ou prédios públicos a partir da perspectiva racial para evitar o apagamento ou distorção da presença de pessoas negras na história.

Em tramitação na Câmara, o PL 5923/2019, da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), é fruto deste debate. O projeto visa "proibir homenagens por meio da utilização de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão e/ou a pessoas notoriamente participantes do movimento eugenista brasileiro por pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito público ou privado".

Confira os PLs e PECs listados pela Rede Justiça Criminal:

Educação e cultura:

  • PL 4124/2008: define o funk como forma de manifestação cultural e dá outras providências.
  • PL 10612/2018: insere na lei que dispõe sobre a Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) a concessão de auxílio financeiro para assegurar a permanência dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas.
  • PL 304/2015: altera artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), instituindo nos currículos escolares do ensino fundamental, conhecimento sobre a língua, usos, costumes e a cultura dos povos e comunidades tradicionais e minorias étnicas formadoras dos povos brasileiro (indígenas, quilombolas, ciganos e judeus).
  • PL 2444/2015: torna inadimplente o município que deixar de aplicar os dispositivos da Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003.
  • PL 5923/2019: dispõe sobre a proibição de homenagens por meio da utilização de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionados à escravidão e/ou a pessoas notoriamente participantes do movimento eugenista brasileiro por pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito público ou privado.
  • PL 4894/2020: autoriza o Poder Executivo federal a criar o Museu da História da Escravidão e da Consciência Negra.
  • PL 2000/2021: reconhece o sítio arqueológico Cais do Valongo da região portuária no Município do Rio de Janeiro como Patrimônio da História e Cultura Afro-Brasileira.
  • PL 3268/2021: Declara feriado nacional o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Segurança Pública

  • PEC 117/2015: Separa a perícia oficial de natureza criminal das polícias civis e federal e institui a perícia criminal como órgão de segurança pública.
  • PEC126/2015: Cria o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos.
  • PEC128/2015: Dá nova redação aos artigos 109 e 144 da Constituição Federal, para atribuir à Polícia Federal a apuração de crimes praticados por milícias privadas e grupos de extermínio, bem como para conferir à Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento desses crimes.
  • PL 9796/2018: institui o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens cujas ações atendem prioritariamente a população negra.
  • PL 5477/2020: Estabelece como critérios obrigatórios para o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), a instituição e o funcionamento de corregedorias e a existência de cursos de formação de agentes integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) que contemplem educação em direitos humanos e igualdade racial.

Esporte

  • PEC 81/2021: Dispõe sobre infrações administrativas por atos de racismo e homotransfobia nos estádios de futebol, pistas de atletismo, ginásios poliesportivos e demais equipamentos esportivos, nos Municípios e no Distrito Federal.

Economia

  • PL 304/2019: institui o Programa Nacional do Afro-empreendedorismo.