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Embalagem de milho e telhado refletor: sustentabilidade dá lucro?

No ano passado, a relação do Mercado Livre com práticas de ESG facilitou a captação de US$ 400 milhões a partir da emissão de bônus sustentáveis Imagem: Divulgação

Lígia Nogueira

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

18/08/2022 06h00

Sinônimo de sustentabilidade, a sigla ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) traduz ações voltadas a questões ambientais, sociais e de governança em empresas mundo afora. Com a urgência imposta pela crise climática e a necessidade de inclusão e diversidade no meio corporativo, essas práticas têm encontrado apoio entre interessados no assunto. Mas, do ponto de vista financeiro, ações de ESG geram mais lucro para empresas que as adotam?

A resposta é sim, ainda que indiretamente, explica Bernardo Vianna, professor convidado da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio). Segundo ele, a performance de empresas que adotam práticas ESG costuma ser melhor do que a de empresas sem esse compromisso. Isso pode ser percebido de diferentes maneiras. Uma delas é a menor possibilidade de uma companhia que adota ESG sofrer intervenções legais em possíveis auditorias, uma vez que, em busca de ações mais sustentáveis, a diretoria se antecipa às situações que podem afetar sua operação.

Um exemplo é o cuidado com a cadeia de fornecedores, para que nenhum deles tenha relação com o trabalho análogo à escravidão. "Tudo começa pelo G, de governança. Se melhoramos a governança, melhoramos a empresa como um todo. Removemos a ineficiência nas estruturas e minimizamos os riscos", analisa.

Outra forma de mensurar esses resultados positivos é através da captação de recursos junto a investidores e a retenção de talentos, acrescenta Deives Rezende Filho, CEO e fundador da Condurú Consultoria. Esses são frutos, segundo ele, de uma melhor reputação empresarial. "Para além do resultado do balanço, temos colaboradores que acabam sendo muito fiéis a essas empresas, e o mesmo acontece com o consumidor. Se todos tiverem condição de escolher, se tirarmos a inflação, é claro, as pessoas vão preferir quem age de maneira genuína com o ESG", salienta.

Bom para todo mundo

A consultoria norte-americana McKinsey afirma que empresas também podem gerar valor por meio da sustentabilidade incorporando mudanças operacionais que serão, ao mesmo tempo, benéficas para elas e para a sociedade. A FedEx, por exemplo, converteu 20% da frota de 35 mil veículos em unidades com motores elétricos ou híbridos. A mudança levou à redução no consumo de 190 milhões de litros de combustíveis fósseis. Já a 3M, ao implantar um programa de prevenção à poluição, em 1975, reformulou produtos, redesenhou equipamentos e reutilizou resíduos da produção. A economia obtida foi de US$ 2,2 bilhões.

Pelo Brasil, estratégias semelhantes também têm trazido maior competitividade para as empresas. Veja cinco exemplos de como isso vem acontecendo:

Captação de R$ 1 bilhão em recursos

Grupo Boticário: compromisso com a agenda sustentável vem facilitando a atuação junto a investidores Imagem: Divulgação

O tema de ESG é tratado pelo Grupo Boticário, segundo o diretor de ESG da companhia, Luís Meyer, desde os anos 1990, época em que a sigla ainda estava longe de ser usada. Foi nesse mesmo período que a companhia criou a Fundação Grupo Boticário. Desde então, o compromisso com a agenda sustentável teve continuidade e hoje já vem facilitando a atuação junto a investidores. Em 2020, a companhia foi pioneira no país na emissão de títulos de dívida sustentável, no setor da beleza. A captação de ordem de R$ 1 bilhão está atrelada ao compromisso de melhores práticas ambientais até 2025.

As atuais estratégias ambientais em curso também são exemplos de redução nos custos de produção. A empresa tem um índice de reciclabilidade de resíduos de 97,4%. A gestão de energia consumida em fábricas e centros de distribuição da companhia, por sua vez, é 100% proveniente de fontes renováveis e projetada para gerar menos despesas. Trata-se de um modelo de iluminação com maior eficiência, com sensores de presença e telhado branco que reflete a luz do sol e não deixa passar calor para o ambiente interno. A estrutura reduz o consumo de ar-condicionado e conta com placas solares para aquecimento de água, em vez de chuveiro elétrico.

"Em todas as instâncias, a condução dos negócios considera fatores ambientais, sociais e de governança e as oportunidades de geração de valor para o próprio grupo e stakeholders", observa Meyer.

Aumento de lucro

Com sede na Argentina, o Mercado Livre divulgou recentemente um lucro líquido de US$ 123 milhões no segundo trimestre deste ano, um aumento de 79,8% em relação ao mesmo período de 2021. No Brasil, as vendas tiveram um aumento de 18,6%. Esses resultados, avalia Laura Motta, gerente sênior de sustentabilidade da companhia no país, têm relação direta com práticas que passam pelos três eixos do ESG.

Nos últimos anos, a empresa não só incorporou a questão climática à matriz de riscos, como desenvolveu iniciativas para mitigar riscos financeiros na plataforma e junto a fornecedores, proteger dados, capacitar pequenos empreendedores e assisti-los durante a pandemia.

Uma pesquisa realizada pela companhia ano passado mostrou que 900 mil famílias na América Latina vivem de renda gerada pelo Mercado Livre.

No ano passado, a relação do Mercado Livre com práticas de ESG também facilitou a captação de US$ 400 milhões a partir da emissão de bônus sustentáveis. Os recursos devem ser investidos em energia e mobilidade limpa, inclusão de médios e pequenos empreendedores, e na conservação e regeneração de biomas. Uma dessas iniciativas é o Regenera América, cujo investimento, de R$ 24 milhões, é proporcional à pegada de carbono do Mercado Livre.

Embalagem mais barata e menos poluente

No Grupo Ferrero, detentor das marcas Nutella, Kinder e Ferrero Rocher, a adoção de práticas ESG tem resultado, principalmente, na redução de custos operacionais no país Imagem: Divulgação

No Grupo Ferrero, detentor das marcas Nutella, Kinder e Ferrero Rocher, a adoção de práticas ESG tem resultado, principalmente, na redução de custos operacionais no país, conforme analisa Fernando Careli, diretor de Sustentabilidade e Assuntos Corporativos da Ferrero para América do Sul. Ele traz como exemplo o trabalho desenvolvido na fábrica de Poços de Caldas (MG). Ali, a produção de barrinhas de chocolate Kinder ganhou uma embalagem diferente da usual, antes de papel e plástico, a fim de viabilizar a reciclagem desse resíduo. "Chegamos a um material de origem biodegradável e que gerou redução no custo de 10%", estima Careli. A mudança atinge cerca de 1 tonelada de unidades produzidas ao ano.

Paralelamente, a reorganização do fluxo de rotas, além garantir mais eficiência na distribuição, tem gerado menos emissão de poluentes e economia de combustível. "Conseguimos 11% de ganho em eficiência em logística. A redução no custo de produzir e distribuir é de 0,5%, mas quando colocamos isso nos custos anuais, a redução é na casa de milhões", pontua o diretor.

Hoje, 100% do cacau usado pela Ferrero é rastreável. Careli acredita que o consumidor da marca reconhece a responsabilidade social e ambiental da empresa e que isso pode ser percebido também por meio dos números do último balanço. O crescimento foi de 30% em relação ao ano anterior.

Redução no uso de combustíveis

Dedicada à produção de bebidas, a Ambev alcançou uma economia de 107 mil litros de diesel a partir do uso de caminhões elétricos ao longo de seis meses Imagem: Divulgação

Dedicada à produção de bebidas, a Ambev alcançou uma economia de 107 mil litros de diesel a partir do uso de caminhões elétricos ao longo de seis meses. A mudança gerou redução nos custos e evitou a emissão de 255 toneladas de poluentes na atmosfera nesse período. Nos últimos 18 anos, a empresa também conseguiu baixar em 55% o consumo de água na América do Sul, o que também gerou uma redução de custos direta na produção.

"Entendemos que nossas ações de sustentabilidade podem gerar redução de custo em diversos projetos. Trabalhar de maneira sustentável é o que vai nos fazer sobreviver a longo prazo, além de ser o que é certo", diz o vice-presidente de Sustentabilidade e Suprimentos da Ambev, Rodrigo Figueiredo.

Ao mesmo tempo, o investimento em aceleração de startups e empreendedores levou ao desenvolvimento, por meio da parceria com a GrowPack, de um biomaterial a partir da palha de milho. A tecnologia possibilita criar embalagens que consomem 80% menos água que o plástico, reduzem em 50% as emissões de gás carbônico e economizam 25% de energia elétrica. O descarte poder ser compostável ou reciclado junto à cadeia de papel. A inovação ainda está em fase de testes.

Reaproveitamento de quase 100% da água

Dona das marcas Brastemp e Consul, a Whirlpool tem gerado competitividade a partir da gestão de recursos hídricos. Segundo o vice-presidente de Assuntos Jurídicos, Compliance e Corporativos da Whirlpool América Latina, Bernardo Gallina, esse compromisso perpassa a oferta de produtos e o trabalho dentro da companhia. Hoje, 100% dos produtos da linha de lavanderia Consul, por exemplo, têm a função aproveitamento de água.

Dentro da Whirlpool no Brasil, o compromisso em poupar água é semelhante. "Nossos programas de gestão hídrica nos ajudaram a chegar a uma marca de 98% de recirculação de água utilizada no processo produtivo. Com isso, fomos reconhecidos, no ano passado, pelo Prêmio da Agência Nacional de Águas (ANA) em 1º lugar", comenta Gallina.

A Whirlpool no Brasil tem programas de gestão hídrica que ajudaram a empresa a chegar a uma marca de 98% de recirculação de água utilizada no processo produtivo Imagem: Divulgação

O sistema de recirculação de água na Whirlpool evita o desperdício de 24,8 bilhões de litros por ano. O montante é suficiente para suprir a necessidade de água de 620 mil pessoas no mesmo período. De 2015 a 2021, também houve redução de 17,5% no consumo de água por produto fabricado nas unidades brasileiras. Isso representou uma economia de 131 milhões de litros, o equivalente ao consumo de 3.280 pessoas.

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