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Autistas terão acesso a tratamentos que planos se recusavam a pagar em PE

Os gêmeos Ângelo e Pedro Fittipaldi com a mãe, a relações públicas Polly Fittipaldi - Arquivo Pessoal
Os gêmeos Ângelo e Pedro Fittipaldi com a mãe, a relações públicas Polly Fittipaldi Imagem: Arquivo Pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para Ecoa, do Recife (PE)

29/07/2022 06h00

Os gêmeos Ângelo e Pedro Fittipaldi, 14 anos, estão dentro do TEA (Transtorno do Espectro Autista) e necessitam de terapias especializadas para terem autonomia e qualidade de vida. Segundo a relações públicas Polly Fittipaldi, 43, mãe dos adolescentes, eles só tiveram acesso ao tratamento integral fiel ao laudo do diagnóstico após uma cansativa luta judicial. Isso porque as avaliações dos juízes quanto a esse pleito não tinham um entendimento padrão, o que levou muitas famílias a terem negativas ou tratamentos parciais.

Na última terça-feira (26), no entanto, Polly, os filhos e centenas de famílias de autistas comemoraram uma decisão inédita, que abre jurisprudência no país todo. O TJPE (Tribunal de Justiça de Pernambuco), em sessão on-line, por unanimidade, firmou entendimento que, no estado, é de responsabilidade dos planos de saúde as "despesas com tratamento multidisciplinar e terapias especiais aplicadas a pessoas com TEA".

Polly Fittipaldi lembra do sofrimento que foi conseguir que os filhos tivessem acesso às terapias efetivas. Ângelo Rafael e Pedro Augusto são gêmeos autistas univitelinos. Ângelo tem TEA nível 2 de suporte e Pedro, TEA nível 1 de suporte mais Tdah (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

"Eu precisei fazer todas as tentativas administrativas possíveis com o plano. Liguei, passei e-mail para o SAC e para a Ouvidoria. Quando foi negado, disseram que não cobriam porque as terapias não constavam no rol da ANS. Aí, com essas provas em mãos, todos os protocolos anotados, nome dos atendentes, horários etc., eu fui em busca do advogado. Já cheguei com 50% do trabalho pronto e organizado em uma pastinha, todos os documentos das crianças, meus, laudo etc.", explicou a Ecoa.

Com uma liminar de um filho e uma decisão do outro, os meninos passaram a frequentar as terapias ideais e a evolução foi impressionante.

"Em seis meses de terapias adequadas, com os profissionais que eu escolhi a dedo e verifiquei as certificações, tudo de acordo com que a neuropediatra prescreveu, Ângelo teve uma evolução meteórica. Coisa que ele não havia evoluído em seis anos de psicanálise", lembrou.

"Para as famílias que já têm plano de saúde, para o próprio autista, essa decisão é um divisor de águas. Saímos de quase sem esperança para a esperança de um mundo digno, com autonomia e independência", acrescentou.

Os gêmeos Ângelo e Pedro Fittipaldi com a mãe, a relações públicas Polly Fittipaldi - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Os gêmeos Ângelo e Pedro Fittipaldi com a mãe, a relações públicas Polly Fittipaldi
Imagem: Arquivo Pessoal

Em seu voto, o desembargador Tenório dos Santos explicou que caberá ao médico que acompanha o paciente definir quais métodos e terapias especiais serão usados no tratamento multidisciplinar.

Santos explicou ainda que o plano de saúde deverá acatar a recomendação médica e oferecer esse tratamento em sua rede credenciada ou custeá-lo em rede particular, sempre atentando para a qualificação dos profissionais envolvidos no tratamento.

Ainda durante a sessão, o relator enfatizou que se a rede credenciada do plano não tiver profissionais qualificados, a família poderá recorrer a clínicas particulares e obter o ressarcimento da operadora. "Caso haja negativa por parte do plano sobre a cobertura das despesas, poderá ocorrer a obrigação de indenizar o paciente e a família, a título de danos morais", disse.

Com um entendimento fechado em Pernambuco, famílias que tiveram os tratamentos negados na justiça, ou liberados apenas parcialmente, poderão recorrer e ter os direitos integralmente garantidos.

O que fazer agora?

Especialista em defender os direitos dos autistas, o advogado Robson Menezes avalia que o TJPE fez história e que se tornou pioneiro ao decidir essa matéria. O jurista ressalta que há a possibilidade grande de outros advogados pegarem a notícia da decisão e usarem em seu estado, uma vez que agora há jurisprudência.

"É uma grande luta que vínhamos travando pela cobertura integral do tratamento conforme a prescrição médica. O tratamento deve ser obedecido de acordo com a prescrição médica. Acontece um fingimento dos planos em cumprir e não fornecem com profissionais especiais, na escola, na casa. Tinha juiz que indeferia, que mandava cumprir parcialmente. Agora, a decisão vai ser pela totalidade", explicou.

Menezes, que é secretário geral da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Autistas do Conselho Federal da OAB e fundador da LIGATEA (Liga dos Advogados que Defendem Autistas), explica que, mesmo com a decisão, provavelmente, os planos poderão tentar complicar o processo ou sugerir terapias ineficazes. No entanto, com o novo entendimento jurídico, as ações que cobrem a totalidade no tratamento terão decisões favoráveis e mais rápidas, baseadas na decisão do TJPE.

"A gente percebe que cerca de 20% apenas chegam a judicializar. Os outros 80% não o fazem por falta de conhecimento. Acham que estão fazendo tratamento integral, mas não estão. Por isso, os planos não oferecem logo e aguardam as ações. A gente já está lutando por uma lei federal e temos um projeto que vai ser votado no congresso", disse.

O advogado detalhou o que os pais de crianças com características de autismo, que tenham plano de saúde, devem fazer assim que perceberem os traços.

  1. Procurar um neuropediatra especialista em autismo. Isso é imprescindível para ter um diagnóstico correto, com o tratamento correto e com acesso ao laudo médico e prescrição integral do tratamento;
  2. Procurar o plano para saber o meio para enviar o laudo e pedir o tratamento integral do laudo. A pessoa deve exigir o cumprimento da prescrição. Não sendo fornecido na integralidade, abre reclamação no plano detalhando o que não está sendo cumprido;
  3. Ajuizar ação para que o tratamento integral seja cumprido pelo plano.