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Desmatar a Amazônia? Nem legalmente, dizem especialistas em economia verde

Especialistas defendem diretrizes necessárias para uma economia sustentável na Amazônia - Atelopus/Getty Images/iStockphoto
Especialistas defendem diretrizes necessárias para uma economia sustentável na Amazônia Imagem: Atelopus/Getty Images/iStockphoto

Lílian Beraldo

Colaboração para Ecoa, de Brasília (DF)

10/07/2022 06h00

Não é de hoje que a palavra bioeconomia entrou no vocabulário de quem defende uma economia sustentável. O termo, entretanto, é amplo e não se aplica da mesma maneira aos diferentes locais do mundo.

Originada na Finlândia, a expressão está ligada a uma visão econômica dos países do Hemisfério Norte, onde a bioeconomia tem sido feita com grande aporte tecnológico, fontes de investimento e com foco em projetos de reflorestamento. Muito disso não se encaixa na realidade brasileira e, menos ainda, no cotidiano da Amazônia, bioma que tem tanto paisagens quanto populações bem diversas.

"Não existe uma literatura da bioeconomia tropical", afirma a diretora adjunta de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Patrícia Pinho.

Na tentativa de consolidar um conceito que se aplique às especificidades locais, Patrícia e outros pesquisadores do Ipam publicaram um estudo na revista científica Ecological Economics no qual propõem quatro princípios norteadores de uma bioeconomia para a Amazônia.

Desmatamento zero, diversificação dos métodos de produção, fortalecimento de práticas milenares amazônidas e repartição equitativa de benefícios seriam, na opinião deles, as diretrizes necessárias para uma economia sustentável no Norte do Brasil.

Na avaliação dos estudiosos, a bioeconomia da Amazônia precisa garantir proteção ambiental, justiça social e modelos econômicos sustentáveis e prósperos para a região.

A Amazônia tem um grande potencial de transformação para uma economia realmente de baixa emissão que respeite a biodiversidade, a cultura local e os modos de saberes diferentes, com repartição equitativa dos benefícios.

Patrícia Pinho, diretora adjunta de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

"A ideia é tentar fomentar e fortalecer um desenvolvimento na Amazônia que pense nas pessoas que estão na Amazônia, que seja construído coletivamente, de forma participativa, e levando em consideração as complexidades territoriais e culturais de cada local", explica Olívia Zerbini, coautora do estudo.

Desmatamento zero

Amazônia - REUTERS/Bruno Kelly/ - REUTERS/Bruno Kelly/
Reserva indígena ianomâmi, no coração da floresta amazônica
Imagem: REUTERS/Bruno Kelly/

Para uma bioeconomia que atenda os interesses da população da Amazônia, os pesquisadores acreditam na necessidade de conter a degradação florestal que vem, principalmente, de práticas ilegais, como o garimpo e a grilagem. Mas não só isso. Eles defendem, inclusive, o fim do desmatamento feito de forma legal.

"Não faz sentido ter perda de floresta em um momento histórico sem precedentes em que a gente enfrenta uma crise climática em que o mundo precisa plantar floresta. Então, globalmente, não faz sentido perder um recurso biológico, um ecossistema único como a Amazônia", destaca Patrícia.

Na avaliação dos pesquisadores, o desmatamento zero vai ajudar a garantir a integridade do ecossistema, que é o bioma mais biodiverso do mundo e tem um grande potencial econômico.

"Se garantirmos a integridade dessa biodiversidade, desses serviços ambientais, conseguimos ter uma maior segurança de que a gente vai conseguir também gerar renda ao redor disso", destaca Olívia.

Diversificação dos métodos de produção

Para os pesquisadores, a lógica a ser usada na Amazônia deve excluir a lavoura de grande escala. Na avaliação deles, a produção deve ser uma alternativa às commodities e não pode ter como base um único produto.

Mais do que ser alicerçada em produtos florestais, uma bioeconomia da região deve ser baseada em processos. Os pesquisadores criticam, por exemplo, o que eles chamam de "açaização da Amazônia", que seria, na avaliação deles, "uma forma perversa de bioeconomia", já que se utiliza de um produto típico da região, mas com um modo de produção em larga escala que foge das tradições locais.

"Com grandes cadeias como a do açaí, a gente tem a perda de florestas de várzea para plantação de um produto só por conta do boom que ele gerou. Essa bioeconomia de escala, de monoculturas, não é um interesse de uma bioeconomia tropical", avalia Patrícia.

Para diversificar os métodos produtivos, é necessário contar com o conhecimento tradicional e as técnicas ecológicas da população que já habita a floresta.

Fortalecimento de práticas milenares amazônidas

Amazônia - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Floresta Amazônica, em foto de arquivo
Imagem: GETTY IMAGES

Com o intuito de garantir uma bioeconomia genuína, os pesquisadores defendem que é preciso levar em consideração as práticas socioeconômicas milenares das populações locais. Cada parte da floresta tem vocação para um tipo diferente de produção e, por isso, é preciso considerar as complexidades territoriais e culturais e pensar como elas conseguem gerar renda verde.

"É importante trabalhar com essas populações num processo participativo. Entender como eles podem, talvez, aumentar a produção da escala. Não é todo mundo que quer escalar seus produtos, que quer exportar. Às vezes as pessoas só querem ter o mínimo para sobreviver. O mais importante é conseguir garantir uma redução das desigualdades da pobreza na região.", afirma Olívia.

Mas, afinal, o que é bioeconomia?

Não existe um único conceito de bioeconomia. Em linhas gerais, ela propõe um novo modelo de produção, focado em sistemas, produtos e serviços sustentáveis.

"A bioeconomia é uma economia derivada dos recursos naturais, baseada nessa biodiversidade, mas de uma forma sustentável, que não seja uma implementação predatória, onde a gente tem associado a ajuda de cadeias produtivas e input de tecnologias e que seja de baixa emissão de carbono. É um conjunto de atributos que se comprometem aos aspectos ambientais, de proteção da biodiversidade, que tenha abertura para um conhecimento tradicional e que seja inclusiva", define a pesquisadora sênior do Ipam, Patrícia Pinho.

Existem diferentes visões ao redor desse conceito. O Norte Global, principalmente, usa a ideia de biotecnologia, que é repensar as indústrias e o crescimento econômico cortando o uso de combustíveis fósseis e não renováveis. "É uma coisa que não se aplica, por exemplo, para a Amazônia porque não é uma região industrial", afirma Olívia.

Outra visão da bioeconomia é aquela pautada em biorrecursos, na substituição do petróleo pelo bioetanol, por exemplo, prática questionada por pesquisadores do Ipam. "Vai deixar de usar petróleo, mas vai plantar monocultura de cana pra conseguir ter combustível?", diz a pesquisadora.

Pode-se dizer que a bioeconomia é um pensamento, uma ideia, uma forma, um modelo de substituir a atual forma de produção por algo que seja mais pautado na sustentabilidade. "É tentar pensar uma economia nova que considere a tecnologia, a questão da sustentabilidade e tente seguir por caminhos diferentes, inovadores, a partir disso", define Olívia.