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Projeto de formação quer mais jovens de periferia em museus no Recife

Oficina de iluminação cênica e exposições do Paço Criativo  - Divulgação
Oficina de iluminação cênica e exposições do Paço Criativo Imagem: Divulgação

Lílian Beraldo

Colaboração para Ecoa, de Brasília (DF)

17/05/2022 06h00

Um projeto realizado no Recife (PE) atraiu quase 2 mil jovens de periferia para os museus ao longo dos últimos dois anos. A iniciativa do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), em parceria com a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), também ofereceu a eles atividades formativas na área de empreendedorismo cultural.

Responsável, desde 2013, pela gestão do Paço do Frevo —um centro de referência dedicado a difusão, pesquisa, lazer e formação nas áreas da dança e música do frevo—, o IDG promoveu uma ação de empreendedorismo voltada para jovens de 16 a 29 anos buscando o desenvolvimento de conhecimentos culturais e profissionais.

Nesse período, a iniciativa conhecida como Paço Criativo ofereceu ações formativas gratuitas sobre temas como economia criativa, cultura empreendedora sustentável, noções básicas de elaborações de projetos, comunicação e marketing digital.

"Frevo e Recife já se confundem. O frevo é uma manifestação cultural que é da cidade, que é da periferia. Começamos a pensar, junto com a OEI, em um projeto de formação que abarcasse essa relação do frevo, da cidade, da periferia", explica a diretora executiva do Paço do Frevo, Maria Garibaldi.

Oficina - Carol Santino/ Divulgação - Carol Santino/ Divulgação
Oficina realizada no Paço Criativo, no Recife
Imagem: Carol Santino/ Divulgação

Segundo ela, a cooperação veio de um entendimento mútuo da cultura como um elemento transformador da sociedade e também da necessidade de que os espaços culturais sejam frequentados por pessoas de diferentes classes sociais, formações e idades. "Sabemos que há um distanciamento do museu - e do entretenimento, de forma mais ampla. Se a gente ainda faz o recorte de jovens periféricos, eu acho que essa distância se acentua ainda mais", avalia.

No projeto, a OEI atuou por meio da cooperação técnica. "Apoiamos com investimento de recursos o desenvolvimento de ações e de projetos que visem o desenvolvimento da economia criativa. Com o Paço Criativo, oferecemos formação gratuita a jovens das periferias do Grande Recife. Nada melhor que ter como apoio local o Paço do Frevo, que é uma instituição de referência na região", afirma a coordenadora de Projetos Especiais da OEI, Sandra Sérgio.

Neste período de dois anos, a iniciativa promoveu 84 ações formativas, incluindo cursos, oficinas, palestras, workshops e vivências de frevo. No total, 1.966 jovens foram certificados e passaram pela instrução de 49 professores e profissionais.

'Infância e religiosidade'

Um dos alunos a frequentar as oficinas do Paço Criativo foi Dodô Trajano, 30 anos. Morador de Paulista, na região metropolitana do Recife, Dodô conta que ficou sabendo da iniciativa por causa do coletivo Fruto de Favela, do qual faz parte.

Técnico em artes visuais pelo Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), ele já tinha feito estágio no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam Recife) e tinha interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre a área cultural. Durante o Paço Criativo, ele cursou uma oficina de curadoria e foi convidado para atuar na exposição de encerramento, chamada "Patrimônios Periféricos".

Dodo - Divulgação - Divulgação
Dodô Trajano, um dos alunos a frequentar as oficinas do Paço Criativo
Imagem: Divulgação

"Participar de uma curadoria, ter essa experiência, ainda mais falando da minha realidade, falando das minhas vivências enquanto pessoa periférica, foi o que me estimulou a participar desse projeto", explica Dodô.

Segundo ele, foram dois meses de trabalho intenso para a montagem da exposição. "As obras foram montadas a partir de ideias e objetos das próprias pessoas da exposição. Não só da curadoria, mas também o pessoal da iluminação, do mobiliário, da montagem, que também são pessoas de periferias e participaram das oficinas do Paço do Frevo", explica.

Vinte jovens que estiveram nas oficinas e workshops de formação participaram da montagem da exposição, que conta com nove obras.

Um exemplo é o Altar dos Erês, uma obra que fala de infância e religiosidade. "É uma penteadeira, dessas de vó, com vários santos, Preto Velho, Jesus, Nossa Senhora, tem bíblia, tem figa. Nela, também tem fotos de infância do pessoal da curadoria. Para a montagem e a iluminação, a gente priorizou uma forma mais geométrica e proporcional. Para remeter, exatamente, a essa ideia de altar", diz Dodô.

Inaugurada no final de novembro, a mostra recebeu até o momento mais de 30,5 mil visitantes e segue em cartaz até o dia 22 de maio.

"Uma das preocupações, quando a gente começou a fazer a curadoria, era: 'tá, a gente vai falar sobre periferia dentro desse espaço, mas como é que as pessoas da periferia vão acessar?'", relembra Dodô.

Patrimonios - Rennan Peixe/ Divulgação - Rennan Peixe/ Divulgação
Exposição 'Patrimônios Periféricos'
Imagem: Rennan Peixe/ Divulgação

Para isso, eles contaram com alguns mecanismos, entre eles, a gratuidade da entrada às terças. "A gente também conseguiu que as pessoas que estivessem acompanhadas de alguém que participou da confecção da exposição pudessem entrar de graça. Para poder promover esse acesso, para que essa exposição não ficasse só para as pessoas que têm condições de acessar esse espaço, têm condições de bancar a entrada."

'Fila dava voltas no quarteirão'

Dodô classifica a abertura da exposição, ocorrida no dia 27 de novembro, como histórica. Com ingresso gratuito, a fila para entrada no espaço cultural dava voltas no quarteirão.

A diretora executiva do equipamento cultural confirma. "Eu estava aqui, no Paço do Frevo, no dia da inauguração da exposição e foi muito lindo ver a realização dos participantes sendo curadores, mas não só, ver também toda a mobilização de público nesse dia, de jovens da periferia vindo visitar a exposição", afirma.

"No dia que eu presenciei essa fila em volta do museu, na calçada, com tantos jovens, eu diria que, ali, a gente superou qualquer expectativa", revela Maria Garibaldi afirmando que tem interesse em renovar a parceria.

"A gente está em um museu [o Paço do Frevo], mas o trabalho vai muito além do espaço físico. Com esse tipo de projeto, quando a gente vai às comunidades, quando a gente vai aos bairros, quando a gente consegue alcançar novos públicos, a gente fortalece as nossas ações enquanto instituição irradiadora de potências", destaca a gestora.