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Pesquisador cultiva cogumelos a partir de resíduos de cervejaria no PR

Shiitakes cultivados a partir de resíduos de cervejaria  - Arquivo pessoal
Shiitakes cultivados a partir de resíduos de cervejaria Imagem: Arquivo pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para Ecoa, do Recife

04/04/2022 06h00

As pesquisas sobre reaproveitamento de matéria-prima descartada pela indústria cervejeira para a produção de alimentos têm ganhado força no país. Um trabalho desenvolvido por um mestrando da Universidade Federal do Paraná (UFPR) utiliza esses resíduos para produzir shiitakes, um tipo de cogumelo comestível. O estudante Gabriel Dias está à frente do estudo, que pretende minimizar impactos ambientais com uma proposta de agricultura sustentável por reutilização de biomassa (matéria orgânica), reciclagem de nutrientes e geração de novos produtos.

A Ecoa, o mestrando explicou que a ideia surgiu em conjunto com um proprietário de fazenda de cogumelos. O primeiro contato foi realizado informalmente em um curso em Curitiba (PR), onde o produtor relatou alguns problemas e dores presentes em seu cultivo.

Chamou a atenção de Gabriel o relato sobre a alta disponibilidade de uma possível matéria-prima — o resíduo da produção de cervejas artesanais. É que a fazenda fica em Gaspar, próxima a Blumenau (SC), região de destaque no setor cervejeiro.

"Entrei em contato com uma cervejaria para entender a situação e as características desse resíduo gerado. Na época, em 2018, o gerente relatou que o resíduo mais abundante era o produzido após a etapa de mosturação das cervejas [fase em que se mistura o malte moído à água aquecida], e que ele era de difícil descarte. Por isso, costuma-se doar o material para alimentação animal, principalmente de gado, ou pagar os custos para que a prefeitura local fizesse a destinação adequada em aterro sanitário", disse.

O pesquisador, então, realizou uma análise do resíduo para saber se ele possuía as características necessárias para inseri-lo na formulação de substratos para o cultivo de shiitake. A partir daí seria possível aprofundar mais os estudos quanto a proporções e misturas ideais.

Após análise do resíduo, a pesquisa descobriu que ele possui em sua composição a característica básica, que é a presença de compostos lignocelulósicos (hemicelulose, celulose e lignina), além de outros elementos minerais. "Por ser o resíduo mais bruto do processo de produção das cervejas, ele não sofreu a adição de químicos ou quaisquer agentes conservantes, sendo basicamente composto por água, malte e cevada — o que o torna um material em potencial. O processo de pesquisa partiu da ideia de usá-lo em substituição às matérias-primas suplementares que comumente são usadas pelos produtores de cogumelo", continuou.

cogumelo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Processo permite que produção leve em torno de quatro meses, enquanto no cultivo tradicional o tempo é de 14 meses
Imagem: Arquivo pessoal

O cultivo ocorre em blocos compostos por serragem de eucalipto e farelos de grãos (milho, soja, trigo e arroz). Inicialmente, o trabalho substituiu os farelos pelo resíduo cervejeiro, para compreender como o fungo iria se comportar e responder a essa nova matéria-prima.

O estudante adverte que, mesmo sendo de baixo custo e com apelo de conservação ambiental, o material precisa mostrar uma produtividade igual ou superior aos farelos para que os produtores possam utilizá-lo. "Então, testamos diferentes misturas e proporções para tentar encontrar a fórmula ideal. E conseguimos. Da formulação do bloco até a colheita leva-se em torno de quatro meses, enquanto no cultivo tradicional em toras isso dura em torno de 14 meses. No Brasil, a eficiência produtiva ainda é inferior quando comparada aos países tradicionais. Mas estamos evoluindo bastante, aumentando ano a ano nossa produtividade", destacou Gabriel Dias.

Questionado sobre a possibilidade de uma produção mais robusta, ele ressaltou que o mais abundante resíduo da produção cervejeira é o bagaço do malte de cevada. Segundo o mestrando, esse material corresponde a 85% de todos os resíduos gerados. Na fabricação de 100 litros de cerveja são gerados 20 quilos do bagaço com 70% a 80% de umidade. Isso corresponde a uma produção média de 2,82 milhões de toneladas do material por ano no Brasil.

Oportunidades e desafios na produção de cogumelos

A professora Francine Cuquel foi a orientadora da pesquisa, que pertence ao núcleo de mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-graduação em Agronomia da UFPR. A docente explicou que o cogumelo pode ser produzido em diversos resíduos agrícolas disponíveis na região, e que isso propicia a reciclagem de resíduos potencialmente poluentes.

"Mas o ciclo não termina por aí. Temos pesquisas em andamento para estudar a possibilidade de retornar o resíduo da produção de shiitake para o sistema de produção de outro cogumelo, o shimeji. Sabe-se também da utilização na nossa região de resíduos de produção de cogumelos para produção de hortaliças e morango com sucesso", adiantou.

A docente relatou que uma das maiores dificuldades na inserção de novos materiais no sistema de produção de cogumelos é o desconhecimento do produtor de como efetuar as misturas para que a eficiência seja elevada e o remunere adequadamente.

"Infelizmente, o nosso país investe pouco em pesquisa, da mesma forma que poucas empresas têm condições e a cultura de investir. A produção de cogumelos, frequentemente efetuada dentro de câmaras frias, tem seu custo fixo e seu custo de produção elevados. Se o produtor não estiver capacitado para o que vai enfrentar, facilmente terá prejuízos", alertou.

"A situação fica pior quando se constata que existem muito poucos engenheiros capacitados para dar assessoria nesta área. Nosso grupo está tentando suprir a demanda por profissionais capacitados desenvolvendo trabalhos de pesquisa e extensão em temas relativos à produção de cogumelos", completou.