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Francês cria 'floresta' em topo de prédio mais alto de SP para educar

O artista francês Charly, à frente do Andar43, espaço usado como hospedagem e oficina ambiental para crianças - Vincent Catala/Divulgação
O artista francês Charly, à frente do Andar43, espaço usado como hospedagem e oficina ambiental para crianças Imagem: Vincent Catala/Divulgação

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

14/03/2022 06h00

No 43º andar do prédio mais alto de São Paulo, há uma pequena "floresta" com mais de 100 espécies de plantas, a maioria nativas da Mata Atlântica, como samambaias, bromélias e pitangueiras. O chamado Andar43 leva educação ambiental para alunos de escolas públicas e de ocupações da região central e é aberto para hospedagens e eventos. Lá de cima, do alto dos 170 metros de altura do edifício Mirante do Vale, é possível ver quase toda a cidade. Dá vertigem olhar para baixo e os ouvidos são tapados pela pressão na subida feita por dois elevadores antigos. Ao entrar na sala, em um corredor, a impressão é de chegar a um pequeno bosque.

A ideia é do francês Charly Andral, artista e comunicador que trabalhou como guia turístico, pesquisador e organizador de eventos desde a mudança para São Paulo, em 2017. Ele já morou em países como Tunísia e Costa do Marfim, mas se apaixonou pela vida intensa, sofrida e divertida da capital paulista.

Na visita feita por Ecoa, Charly procurava joaninhas espalhadas para fortalecer a terra nos vasos. Uma delas, em preto e branco, caminhava próxima ao parapeito da janela. Segundo ele, as plantas não recebem produtos químicos sintéticos e são tratadas com soluções como caldo de cebola e óleo vegetal.

Andar43, "floresta" no topo de prédio mais alto da cidade, chama atenção em meio ao cinza da Metrópole - Tuca Vieira/Divulgação - Tuca Vieira/Divulgação
Vista do Andar43, em São Paulo, permite ver o Banespão, um dos arranha-céus mais famosos da cidade
Imagem: Tuca Vieira/Divulgação

Para impedir que o apartamento de 70 m² seja consumido pela umidade característica da Mata Atlântica, usou-se tinta antimofo - a ventilação é feita pelas largas janelas do arranha-céu construído nos anos 1960 próximo ao Viaduto Santa Ifigênia e do Vale do Anhangabaú, no centro. O resgate das plantas foi feito em canteiros de obras, terrenos e com dicas de amigos. Há até mesmo um Pau-Brasil, que cresce discreto em um vaso. "Muita gente vê Pau-Brasil na rua e nem sabe", diz.

As crianças e adolescentes recebem aulas de observação de espécies, plantio de sementes e mudas, além de conhecer um cardápio novo de plantas não convencionais, as famosas PANCs. Os eventos e sessões de fotografia ajudam a pagar as contas do negócio. Cerca de 15 reservas de hospedagem são feitas por mês, diz o organizador.

Segundo ele, os hóspedes têm interesse em explorar a arquitetura do município e ter mais contato com algo verde na cidade cinza. (A prefeitura estima que São Paulo tenha 30% de Mata Atlântica preservada, mas em áreas concentradas nos extremos, como Parelheiros).

Há cerca de dois anos, Charly não tinha a menor habilidade com plantas. A inspiração veio de um livro chamado "O cogumelo do fim do mundo", no qual a antropóloga norte-americana Anna Tsing demonstra a resistência dos cogumelos em áreas desmatadas e terrenos baldios.

"É uma metáfora sobre criar um mundo mais amigável e novas conexões em lugares que parecem abandonados", diz. Dali em diante, aproximou-se da obra do paisagista Burle Marx, conhecido pela ornamentação feita com plantas nativas e de livros sobre o reino vegetal.

Andar43, "floresta" no topo de prédio mais alto da cidade, chama atenção em meio ao cinza da Metrópole - Rob Attili/Reprodução Instagram - Rob Attili/Reprodução Instagram
Evento em espaço no Andar43, no prédio mais alto de São Paulo
Imagem: Rob Attili/Reprodução Instagram

O Mirante do Vale caiu como uma luva. O prédio não é abandonado, mas é ocupado por escritórios, depósitos de lojistas e pequenos negócios. Sem visitas de um grande público, o prédio mais alto da cidade não costuma ser o mais lembrado entre os arranha-céus paulistanos, como o Edifício Altino Arantes "Banespão", o Edifício Martinelli ou o Copan.

"O engenheiro Waldomiro Zarzur era um especialista em concreto armado e não pensou em ornamentação ou impacto possível, como o [Niemeyer] no Copan. Ele queria fazer o mais eficiente possível dentro do seu orçamento", diz Charly. "O Mirante do Vale é uma monocultura de escritórios e a gente é meio como uma erva daninha no meio".

Fotografia de "Andar43", onde artista instalou uma pequena "selva" com plantas da Mata Atlântica para levar educação ambiental para crianças - Tuca Vieira/Divulgação - Tuca Vieira/Divulgação
Fotografia de "Andar43", onde artista instalou uma pequena "selva" com plantas da Mata Atlântica para levar educação ambiental para crianças
Imagem: Tuca Vieira/Divulgação

Há um novo prédio comercial e residencial com 172 metros em construção, que será inaugurado em 2022 no Tatuapé, região na zona leste de São Paulo, e tirará o título de mais alto do Mirante do Vale. No ano passado, a instalação de uma casa de vidro no Mirante fez sucesso (fica no andar abaixo do Andar43; o prédio tem 50 andares).

Para Charly, abrir o espaço para educação ambiental e misturá-lo a hóspedes que bancam até R$ 600 por noite evita que só os mais ricos possam acessá-lo, algo comum em São Paulo. "Aqui, as coisas costumam ser privatizadas por uma elite. Por isso, é importante haver a diversidade dessa cidade aqui dentro", acrescenta.

Andar43, "floresta" no topo de prédio mais alto da cidade, chama atenção em meio ao cinza da Metrópole - Rony Jr/Divulgação - Rony Jr/Divulgação
Andar43, "floresta" no topo de prédio mais alto da cidade, chama atenção em meio ao cinza da Metrópole
Imagem: Rony Jr/Divulgação

Nascido no "mato" dos Alpes franceses, Charly diz que se apaixonou pela cidade quando a visitou, em 2007. Quando veio para ficar, não foi fácil: com tanta gente, demorou para se conectar. "É a maior cidade da América do Sul e agrega muita gente diferente. É como um vulcão que não se deixa explodir, o que traz dificuldades imensas e também muita intensidade", diz.

"Infelizmente, morar em São Paulo não é uma escolha para muitas pessoas. Há problemas urbanísticos, pessoas abandonadas, quem precisa atravessar distâncias grandes. Mas é humanamente muito rico", conclui.