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Como um graveto ressecado inspirou um hospital só para plantas em SP

A paisagista Marisa Carneiro, 65, dona do Hospital de Plantas; ofício começou em um dia triste, com a morte do piloto Ayrton Senna -  Adriano Vizoni/Folhapress
A paisagista Marisa Carneiro, 65, dona do Hospital de Plantas; ofício começou em um dia triste, com a morte do piloto Ayrton Senna Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

16/02/2022 06h00

No dia 1º de maio de 1994, a paisagista Marisa Carneiro estava ansiosa em frente à televisão, na casa de sua sobrinha. As notícias não eram boas. Na Itália, o piloto Ayrton Senna havia sofrido um grave acidente. Os minutos passavam e nada de notícias sobre o estado de saúde dele. Foi naquele momento que Marisa reparou em um vaso no canto da sala. Nele, apenas um graveto ressacado. Era uma árvore-da-felicidade. Marisa perguntou para a sobrinha se poderia adotar a árvore. Ela não imaginava que cuidaria de centenas de plantas como aquela no futuro.

Hoje, Marisa, 65, é dona de um hospital para plantas em São Paulo. Elas são tratadas, recuperam-se e recebem "alta" para voltar para a casa dos donos. Durante a pandemia, o negócio decolou.

Segundo Marisa, mais gente cultivou plantas nesse período de isolamento social para se conectar à natureza. Outros clientes passaram a prestar mais atenção nos vasos que já tinham em casa ao fazer home office. Há também lares que perderam para a covid os únicos familiares que sabiam como cuidar das plantas.

O Hospital de Plantas: Paraíso do Ipiranga não lembra um hospital particular convencional. O negócio fica próximo a uma avenida no bairro do Ipiranga, em um terreno com 120 metros quadrados cedido por uma companhia de energia elétrica. Na área existem torres por onde passam fios de alta tensão, o que impede a construção de casas para moradia. Por essa razão, é comum que as empresas cedam espaços como esse para que moradores ou ONGs criem hortas comunitárias e outras iniciativas ligadas à preservação da área verde na cidade.

Todos os dias, Marisa monitora a saúde dos pacientes: limoeiros, videiras, cactos, espadas-de-são-jorge, suculentas, palmeiras, bem como flores com pétalas cor-de-rosa, azuladas, vermelhas. Uma pequena trilha leva a uma composteira com incontáveis minhocas. O local é muito silencioso — a exceção são os sons dos galhos que balançam com o vento.

Na pandemia, o faturamento do negócio mais do que dobrou. Se antes eram cerca de R$ 12 mil por mês, hoje são mais de R$ 30 mil. A internação custa de R$ 30 para uma orquídea com 15 cm, e até R$ 300 para uma árvore. Há ainda um valor de estadia para hospedá-las por mais tempo, cerca de R$ 60 por mês. É cada vez mais difícil atender a todos que lhe telefonam.

Só os números não explicam o sucesso. Marisa diz que ouve e dá conselhos sobre as histórias dos clientes — e são centenas de histórias. Todo mês, ela recebe cerca de 150 novas "pacientes". "A planta é uma memória e as pessoas ficam felizes de ver a recuperação", diz.

A médica Mary Carla Esteves Diz, 51, internou uma árvore-da-felicidade no hospital em abril de 2021. Parecia impossível salvar a planta que pertencia à mãe, que morreu em 2015. Mary a mudou de lugar, deixou no sol, na sombra, se aconselhou com jardineiros. Nada. Aí, teve uma ideia. "Deve existir um hospital para plantas, igual aos hospitais para seres humanos e bichos", pensou.

Na época, a planta e a nova dona passavam por situações parecidas. Meses antes, Mary descobriu um câncer. A árvore-da-felicidade tinha cerca de 40 anos e, naqueles momentos difíceis, fazia lembrá-la da infância e dos cuidados de mãe. "Eu precisava de alguma lembrança viva", diz.

Por volta de junho de 2021, a quimioterapia foi encerrada pelos médicos. Coincidentemente, Mary recebeu um telefonema de Marisa. A árvore-da-felicidade se recuperava muito bem. Hoje, está verde como quando era criança. "Quando eu vi a planta viva, parece que ela sorriu para mim", diz. Na próxima semana, terá alta. "Já comprei até um vaso maior, um novo 'leito' para ela aqui em casa'', diz Mary.

Como é feito o tratamento e quais os sinais da doença

O tratamento no Hospital costuma ser feito com a troca e aplicação de nutrientes naturais na terra, adubagem, podas, retirada de insetos, troca de vasos e acompanhamento de acordo com a espécie. Segundo Marisa, sinais de uma planta doente são fáceis de observar: folhas cada vez mais secas, amareladas e galhos sem vida.

O público que chega até ela está ficando cada vez mais jovem: a partir dos 17 anos, ainda inexperiente ou ocupado com o trabalho e estudos. Marisa busca as plantas em casa ou as recebe no terreno, onde conta com um ajudante e um jardineiro. "[Cuidar das plantas] é uma terapia e uma academia", diz.

Graveto ganhou folhas e décadas de vida

Marisa começou a se sentir mais alegre quando investiu em um curso de paisagismo nos anos 90. Nascida em Londrina, Paraná, ela morou em muitas cidades de São Paulo. Quando a mãe se mudou para Hortolândia (SP), o pai sofreu um AVC. "Eu chorava muito", diz.

Foi na casa do interior que encontrou a primeira árvore-da-felicidade desta reportagem, em um canto da sala, enquanto assistia à televisão de forma apreensiva. A planta está viva até hoje. "Eu a plantei na terra e não é que ela pegou? Bonitinha!", lembra.

Após o sucesso pessoal, Marisa pensou em um espaço só para cuidar das plantas que aparecessem em sua vida: um hospital. "Eu digo que o Ayrton Senna se foi naquele dia, mas ele continua vivo com essa homenagem que eu fiz. É a minha planta favorita", diz. "Não é uma história legal?"