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Startup nordestina criada por mulheres leva pequenos produtores ao varejo

Seu Manoel, produtor rural de São Gonçalo do Amarante (CE), que vende seus produtos para o varejo através da Muda Meu Mundo - Neto da Silva/Divulgação
Seu Manoel, produtor rural de São Gonçalo do Amarante (CE), que vende seus produtos para o varejo através da Muda Meu Mundo Imagem: Neto da Silva/Divulgação

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo

10/02/2022 06h00

A cearense Priscilla Veras tinha um cargo alto em uma organização do terceiro setor quando decidiu empreender. Investiu todo o dinheiro que tinha guardado no novo negócio, voltado a melhorar a renda e apoiar o desenvolvimento de produtores rurais.

Em cerca de dois anos, no fim de 2018, o caixa estava zerado e o negócio parecia que não ia virar. Mas ela conseguiu reverter a situação, desenvolveu um novo modelo de negócio e em 2021 a Muda Meu Mundo, sua startup, permitiu que cerca de 200 agricultores familiares gerassem uma receita de R$ 1 milhão vendendo seus produtos para redes de varejo como Mercadinhos São Luiz e Pão de Açúcar.

Das feirinhas ao 'match' com supermercados

Quando Veras iniciou a Muda Meu Mundo em parceria com sua irmã em 2017, o negócio se baseava na realização de feiras e na entrega de cestas de produtos cultivados por agricultores de Fortaleza (CE) e entorno.

Com o tempo, ela percebeu que esse modelo não era suficiente nem para a continuidade do negócio nem para os produtores, que queriam uma saída regular e contínua do que cultivavam. Depois desse revés, que a deixou sozinha à frente da empresa, a empreendedora começou 2019 motivada a entender de que maneira poderia se posicionar no mercado, atendendo a essa demanda dos agricultores.

 Priscilla Veras - Divulgação - Divulgação
Priscilla Veras, CEO da startup Muda Meu Mundo
Imagem: Divulgação

"Comecei a olhar para onde ninguém estava olhando aqui no Brasil. Os produtos estavam indo para as cestas, havia várias iniciativas de feira e alguns movimentos 'Farm to Table' [da fazenda para a mesa], mas esse produtor ainda não era reconhecido no varejo. Ele depende do atravessador, assim como o varejo", disse Veras.

Ao se debruçar sobre o mercado, a conclusão foi que o melhor caminho para fazer com que pequenos produtores vendessem mais e com maior regularidade era ajudá-los a chegar aos supermercados.

A partir daí, a Muda Meu Mundo se tornou um marketplace em que redes de varejo "dão match" com produtores rurais que estejam produzindo aquilo que elas buscam, tanto em termos do tipo de produto quanto da maneira de produzir (cultivo orgânico, hidropônico ou convencional, por exemplo).

Desde 2021, a empresa começou a atuar também em São Paulo. A logística fica a cargo da startup, que retira os produtos no campo e leva até os mercados. A proximidade dos produtores em relação ao varejista também é considerada no "match", no intuito de reduzir o desperdício e a pegada de carbono.

Segundo Veras, a remuneração da Muda Meu Mundo vem do pagamento de uma taxa de comercialização pelas redes de varejo. Produtores não pagam pelo uso da plataforma. A startup afirma que o uso de sua tecnologia faz com que ganhem em média 70% a mais e também aumenta a margem dos varejistas em 10%.

Mirante do sol - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Da esquerda para a direita, os produtores Cida, Marta Vélez e Cláudio Vélez, do Sítio Mirante do Sol em Ibiúna (SP)
Imagem: Arquivo pessoal

Além de justa, a remuneração chega rápido. "A maior vantagem é o pagamento muito rápido, pagam em cerca de uma semana. Muitas vezes você vende hoje para receber daqui a 60 dias", disse a Ecoa Cláudio Vélez, produtor de orgânicos do Sítio Mirante do Sol, em Ibiúna (SP).

Assistência técnica aumenta sustentabilidade

A startup trabalhava, no início, exclusivamente com produtores de orgânicos. Mas o contato com produtores convencionais que também relatavam precisar de ajuda para escoar seus produtos fez com que abrissem para não orgânicos.

Atualmente, a Muda Meu Mundo atua junto a cerca de 214 produtores no estado de São Paulo e do Ceará. A previsão é chegar a 600 somente em SP em 2022, com a ajuda de uma parceria com o projeto Ligue os Pontos da prefeitura paulistana.

Com a chegada de um conjunto heterogêneo de produtores, a análise do nível de sustentabilidade de cada um se tornou mais necessária. Essa análise é feita com a ajuda da tecnologia: agricultores que acessam o marketplace respondem a uma série de perguntas sobre sua produção, e são então classificados por um modelo científico desenvolvido pela startup.

O objetivo não é apenas 'rankear' os produtores, mas contribuir para o seu desenvolvimento. Através da Muda Meu Mundo, eles têm acesso a uma série de benefícios, como assistência técnica gratuita, uma plataforma de aprendizagem e até apoio financeiro, com acesso a crédito e adiantamento de recebíveis.

"O que a gente quer não é que todo produtor se torne orgânico — embora esse seja o nosso sonho —, mas que ele precise usar o mínimo de químicos possível. E o que aprendemos nessa jornada é que se a gente presta assistência técnica, [o produtor] começa a entender a terra dele melhor e a reduzir o consumo de químico", disse Veras.

Desde 2019, a assistência acontece de forma totalmente remota, online. Segundo Veras, esse modelo permitiu que durante a pandemia a startup conseguisse se manter próxima aos produtores, garantindo a comercialização dos seus produtos. Em 2020, conseguiram aumentar em 107% a renda dos produtores atendidos no Ceará, que viram sua renda cair diante da impossibilidade de vender presencialmente.

Segundo Magda Ludovico, produtora de orgânicos do Sítio Ludovico em Ibiúna (SP), sua propriedade estava perdendo produtos por falta de escoamento antes de começar a fornecer pela Muda Meu Mundo, em julho de 2020. "A inserção [na MMM] trouxe uma maior visibilidade aos meus produtos, permitindo que mais pessoas conheçam a trajetória do pequeno produtor", disse a agricultora. Os produtos que chegam ao supermercado via Muda Meu Mundo tem rastreabilidade, ou seja, contam com um QR Code que leva o consumidor a uma página com informações sobre o produtor.

Fortalecendo mulheres do campo

Liderada por mulheres, a Muda Meu Mundo também busca aumentar o protagonismo das agricultoras com quem trabalha. Em parceria com o governo do Ceará, a startup já atuou na capacitação feminina em assentamentos e hoje procura firmar os contratos no nome das mulheres e direcionar o pagamento para a conta bancária delas.

"Quando a gente conhece uma família nova, sempre tentamos trazer a mulher para ser responsável pela produção também, porque às vezes ela é tida como ajudante do homem", disse Veras.