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Servidora criou sistema para apoiar vítimas de desastres e outras violações

Bárbara Amelize é coordenadora do Sistema Estadual de Redes em Direitos Humanos (SER-DH) - Arquivo pessoal
Bárbara Amelize é coordenadora do Sistema Estadual de Redes em Direitos Humanos (SER-DH) Imagem: Arquivo pessoal

Danilo Casaletti

Da Republica.org

28/01/2022 06h00

Quando trabalhava na Casa de Direitos Humanos, no centro de Belo Horizonte (MG), entre 2015 e 2018, a servidora pública Bárbara Amelize percebeu que os casos que chegavam por lá iam muito além de violações a grupos vulneráveis como mulheres, pessoas negras, idosas, com deficiência e LGBTQIA+.

Um caso emblemático foi o de um rapaz que ia muito bem em processos seletivos de empresas, mas, no momento em que entregava os documentos finais para a contratação, era dispensado da vaga. Bárbara e sua equipe identificaram que ele respondia a um processo penal, mas sem qualquer sentença condenatória expedida. Ou seja, sua presunção de inocência era violada.

Bárbara é advogada, especialista em tecnologias voltadas à educação, mestra em teoria e filosofia do direito, e, a partir de histórias como a descrita acima, identificou junto a sua equipe 34 grupos temáticos e idealizou, em 2020, o Sistema Estadual de Redes em Direitos Humanos (SER-DH), um projeto em Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social do Governo do Estado de Minas Gerais (Sedese).

Outros grupos passaram a integrar o SER-DH, como jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, pessoas refugiadas, moradores de ocupação, familiares de pessoas com privação de liberdade, portadores de sofrimento psíquico e seus familiares, pacientes de doenças crônicas, ateístas ou agnósticos, trabalhadores do sexo, participantes de manifestações populares, entre outros. "São grupos historicamente invisibilizados em sua existência ou que são desqualificados em discursos pela sociedade", explica Bárbara, que é coordenadora do SER-DH.

Após a tragédia de Brumadinho, surgiu outro grupo, próprio de Minas Gerais, o de pessoas afetadas por desastres naturais. "Existem desastres que são provocados por intervenção humana que geram grande sofrimento à população. É preciso dar atendimento com equipamentos da rede da justiça para essas vítimas. Elas possuem perdas muito significativas que são, na verdade, violações de direitos humanos", afirma. "Nesses casos, temos que trabalhar em duas frentes: na individual, que é para conseguir dar o apoio necessário às vítimas, e na coletiva, para evitar que outros desastres aconteçam."

Hoje esse é um dos principais grupos do SER-DH. Isso, graças a outra ferramenta implementada, o Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação em Direitos Humanos (SIMA). Sua tarefa é colher, monitorar e acompanhar a resolução de casos de violações em direitos humanos.

Cada pessoa que é atendida pelos equipamentos do governo tem seus dados inseridos no sistema, com o tipo de violência sofrida classificada entre os 34 grupos. Com isso, é possível pautar o governo, a partir de evidências, sobre como agir para solucionar e minimizar os casos de violação aos direitos humanos.

Há 120 instituições aderentes ao SIMA. Elas fazem o primeiro atendimento e encaminham os casos de violações de direitos humanos para os órgãos competentes, por exemplo, de saúde, educação, justiça ou assistência social - são mais de 22 mil instituições, governamentais e não governamentais listadas no sistema -, que são notificados e precisam reportar a elas qual o tratamento dado em cada caso.

Os órgãos têm, em casos não urgentes, 60 dias para dar uma resposta. Os atendimentos não finalizados entram numa metodologia chamada de pendência de integração. Nessas situações, o gestor do técnico que cadastrou a violação entra em contato com o gestor do órgão não responsivo para uma reunião de articulação de rede para fazer um pacto de fluxo de respostas.

De março de 2020, quando foi implementado, até dezembro de 2021, o SIMA teve 7.160 casos registrados. Desse total, 1.143 casos foram de pessoas atingidas por desastres naturais.

SIMA auxilia atuação de entidades

O Centro de Referência de Direitos Humanos do Vale do Mucuri (CRDH), uma parceria entre o estado de Minas Gerais e a Associação dos Bairros de Teófilo Otoni, entidade que funciona desde 1981, é um dos que utilizam o SIMA para realizar seus atendimentos.

Entre as principais ações do centro, estão a promoção dos direitos humanos por meio de palestras, rodas de conversa e capacitações - antes da pandemia eles percorreram quase todas as 29 cidades que compõem o Vale do Mucuri - de acordo com as demandas apresentadas por cada localidade. "É preciso romper com o processo de violação de direitos", afirma Valdeir da Silva Pereira, assistente social que há três meses trabalha na coordenação do equipamento.

Reunião no CDHR Macuri - Divulgação - Divulgação
Reunião no CDHR Macuri
Imagem: Divulgação

O centro, que conta com sete colaboradores, ao receber o cidadão, faz um primeiro atendimento com uma equipe multidisciplinar — constituída por advogado, assistente social e psicóloga — que realiza um encaminhamento básico e, posteriormente, o acompanhamento no sistema do SIMA, ferramenta classificada por Pereira como fundamental.

"Ele unificou o sistema e nos ajudou a analisar dados e a necessidade de grupos temáticos. Isso nos auxilia no planejamento das ações necessárias junto às entidades. Além disso, é uma garantia de que a questão irá chegar ao órgão responsável. Nossa expectativa é a de que o SIMA se torne uma política pública", diz a coordenadora.

As violações mais comuns atendidas no CRDH de Mucuri são os de dignidade da pessoa humana e acesso ao trabalho, que inclui desemprego e cidadãos em situação de rua; dificuldade de acesso a benefícios socioassistenciais, como o Auxílio Brasil, por exemplo; a insegurança alimentar, que aumentou com a pandemia; direito à saúde física, que inclui tratamento de comorbidades e questões de saúde mental; direitos da mulher; e direitos das comunidades e povos tradicionais, sobretudo no que se refere à alimentação e mediação de conflitos em assentamentos e agrupamentos indígenas e quilombolas.

Para as questões de violação dos direitos das mulheres, há, inclusive, um grupo (Grupo Organizado das Mulheres do Mucuri - GMOM) exclusivamente dedicado ao tema, que trabalha em parceria com a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) no desenvolvimento de ações de prevenção e conscientização. As agressões e ameaças contra a mulher, segundo Pereira, aumentaram bastante com a mudança na rotina imposta pelas restrições necessárias para o combate à pandemia de coronavírus.

Conteúdos e parcerias

O SER-DH tem um portal (www.serdh.mg.gov.br) que disponibiliza conteúdo voltado a esclarecer a população em relação às pautas de direitos humanos. Nele, há cartilhas, textos, podcasts e infográficos que explicam mais sobre cada grupo temático.

Além da equipe comandada por Bárbara Amelize, constituída por nove pessoas, os conteúdos também são preparados por parceiros, como os alunos de direito da PUC de Minas Gerais, e o Observatório da Linguagem e Inclusão, que garante a acessibilidade voltada à inclusão. De março de 2020 a dezembro de 2021, o site recebeu 288.549 acessos.

Segundo Bárbara, o SER-DH está em processo de fortificação para se tornar uma política pública que garanta sua continuidade. "Estamos trabalhando para institucionalizá-lo. O ideal seria um projeto de lei. Eu espero que isso aconteça. Hoje, eu o considero como um modelo de gestão em políticas públicas."

Como aliados, o projeto tem a primeira colocação no 6º Prêmio Inova, promovido pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) e pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), conquistado recentemente, em dezembro de 2021, e o projeto da Secretaria de Educação de Minas de levar o SIMA para mais de 3.600 escolas, além de uma tratativa de formato semelhante com a Secretaria de Saúde.

Esta reportagem foi desenvolvida em parceria com a Republica.org, organização social apartidária e não corporativa que se dedica a contribuir para a melhoria do serviço público no Brasil, em todas as esferas de governo.