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Hoje fala-se muito sobre empoderamento. O que significa o conceito?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

04/01/2022 06h00

Empoderamento, empoderar-se. Não é incomum se deparar com esses termos ao navegar pela internet. Essas palavras são recorrentes em algumas peças publicitárias, em discussões de redes sociais ou até mesmo na roda de conversa com os amigos. Mas afinal, o que é empoderamento? Quando esse conceito surgiu, qual a importância dele? Com o uso frequente do termo hoje em dia, há o risco de banalizá-lo?

Para responder essas questões, Ecoa conversou com um sociólogo e consultor em diversidade e te ajudar a compreender melhor o conceito.

O que é empoderamento e quando o conceito surgiu?

A palavra "empoderamento" não existe oficialmente na língua portuguesa, ou seja, é um neologismo, um fenômeno linguístico empregado para a criação de novos sentidos ou expressões em uma língua já existente. O termo deriva diretamente da palavra de língua inglesa - empowerment, que tem entre os significados: autoridade/poder dado a alguém para fazer algo.

"O empoderamento é um processo de autoconhecimento e autoconfiança. As pessoas começam a ter orgulho de si mesmas, de suas origens e de outras características que as compõem", explica Fábio Mariano Borges, doutor em sociologia pela PUC-SP, consultor de Inclusão da Diversidade e professor visitante da Universidade de Nottingham (Reino Unido).

Borges explica que o conceito no Brasil chega entre as décadas de 1980 e 90, sendo usado mais popularmente no meio corporativo. "Se falava muito disso e vinha da ideia de empoderar os funcionários na empresa. Ou seja, fazer com que essas pessoas fossem mais proativas e partissem para a ação", lembra.

Contudo, a palavra e conceito já eram usados na década de 60 em movimentos feministas, que tratavam da importância de empoderar as mulheres e nos movimentos raciais e civis nos EUA na década de 70. "No Brasil houve dois momentos distintos em que essa palavra é mais utilizada - primeiro pelas mulheres, mas apenas nesse círculo do feminismo. Depois, na década de 80 e 90 isso chega às organizações", aponta Borges.

Para o consultor não há como precisar exatamente a origem do conceito, que faz parte essencialmente de uma visão de mundo sobre si mesmo. "Empoderar-se é quando a pessoa tem a consciência do que ela representa como indivíduo e do grupo do qual faz parte. Assim, começa a ter um entendimento de sua posição social, cultural e econômica. Há um processo de autoaceitação, que por fim transforma isso em benefício para o coletivo", esclarece sobre o conceito.

Qual a importância do empoderamento?

Uma série de direitos civis e reconhecimentos de injustiças sociais só puderem ser assim entendidos graças à luta e percepção das pessoas que passavam por essas adversidades e pressionaram a sociedade por mudanças. Sejam as mulheres exigindo direitos, do trabalho ao voto, os movimentos negros pela igualdade e contra o racismo e dos grupos LGBTQIA+ contra o preconceito, discriminação e as outras numerosas questões que os atravessam.

Nesse sentido, a própria autoaceitação e a afirmação de suas identidades, como, por exemplo, o uso do cabelo black power como um símbolo de luta antirracismo, fazem parte de ações e compreensões sobre empoderamento.

"A importância do empoderamento é trazer às pessoas a consciência de quem elas são num contexto histórico e cultural. E assim, dar força de transformação para que elas se movam e partam para a ação, movimentando mudanças para beneficiar grupos minorizados e excluídos", pontua Borges.

Nesse sentido, o trabalho e a capacidade de ocupar cargos e vagas antes negadas, são um passo importante para o empoderamento, assim acredita Adriana Carvalho, CEO da ONG Generation Brasil, que ajuda profissionais LGBTQIA+ com capacitações e na inserção no mercado de trabalho. "Ter pessoas de grupos minorizados socialmente no alto escalão de empresas, governos e organizações é fundamental para o empoderamento", afirma.

"É importante mostrar modelos de pessoas que chegaram lá para inspirar, assim como ter vozes que representam essas pessoas pensando em soluções para reduzir as desigualdades que elas enfrentam", completa Carvalho.

A CEO ainda aponta que é uma troca benéfica para os funcionários e também para as empresas. "A primeira importância é autonomia econômica que o trabalho traz para as pessoas. Além disso, trabalhar em um ambiente saudável e com grupos distintos melhora a autoconfiança e a capacidade de identificar soluções para barreiras enfrentadas", completa.

Há o risco de banalização do empoderamento?

No entanto, quando a relação entra no âmbito empresarial, Borges alerta que é preciso ter cuidado e que por vezes pode haver uma confusão no uso do termo, que pode ser originada de uma banalização do seu uso.

"Por vezes é como se estivéssemos cobrando ações nesse âmbito das empresas, quando na verdade não há organizações afirmando que estão diretamente 'empoderando' pessoas. A realidade é que as empresas não empoderam ninguém. O que podem fazer é apoiar causas sociais e dos grupos minorizados", aponta o sociólogo.

Ainda assim, o consultor explica que as organizações podem estimular o empoderamento, e cita uma marca de cosméticos, que ajudou a empoderar mulheres por meio do trabalho, principalmente no começo do século 20, possibilitando que elas tivessem uma renda, e assim maior capacidade e autonomia para enfrentar adversidades de uma possível separação, saída do lar e recursos para denunciar violências domésticas.

"É comum encontrarmos campanhas que dizem: empoderem-se, orgulhem-se. Esses são discursos de grupos feministas, mas que não foram criados por empresas. Será que tudo isso é marketing? Talvez, mas que bom que há empresas fazendo isso, e que mostram além dos corpos já estereotipados brancos e heteronormativos", acredita Borges.

Entretanto, o consultor explica que é preciso um olhar aguçado para separar a hipocrisia do discurso real. "É preciso ter olhos para as organizações que fazem ou não 'greenwashing', que dizem que estão ajudando em causas ambientais, por exemplo, mas são grandes poluidoras. Tem que ter coerência na comunicação, sejam em termos ambientais ou de luta antirracista", aponta.

Mas responsabilizar em demasiado as empresas por problemas e debates sociais também pode ser um caminho sinuoso, que retira a real necessidade de ação do Estado e da sociedade como um todo, levando o peso das respostas às organizações, que independentemente do core business, almejam o lucro como um objetivo final e não propriamente a solução de um problema da sociedade.

"Temos que reforçar e separar bem qual a função das empresas e qual é a do Estado e a da sociedade. Levar pautas da esfera pública ao setor privado é um caminho perigoso, que pode tirar a responsabilidade de quem tem que resolver o problema realmente", alerta Borges.