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Bilionários prometem doar fortuna e podem ser exemplo para brasileiros

O CEO da Nubank, David Vélez, faz parte do grupo. Ele e a esposa, a peruana Mariel Reyes, planejam usar seus recursos para combater as desigualdades entre jovens latino-americanos - Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo
O CEO da Nubank, David Vélez, faz parte do grupo. Ele e a esposa, a peruana Mariel Reyes, planejam usar seus recursos para combater as desigualdades entre jovens latino-americanos Imagem: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

22/12/2021 06h00

Um grupo de bilionários comprometidos a doar boa parte do próprio dinheiro ainda em vida. É essa a proposta do Giving Pledge, criado pelos bilionários Bill Gates e a ex-esposa, a filantropa Melinda French, em parceria com Warren Buffett, presidente da Berkshire Hathaway. Há donos de empresas bem conhecidas pelos brasileiros na lista, o que pode estimular o número cada vez maior de bilionários do Brasil a partilhar enquanto a fome e o desemprego crescem, apontam especialistas.

São 231 bilionários de 28 países com doações para pesquisas científicas, projetos de preservação ambiental e promoção de direitos humanos e justiça social. É o caso da Fundação Bill e Melinda Gates, criada pelo fundador da Microsoft, que investe na criação de vacinas na Coreia do Sul, em ONGs de promoção de direitos da mulher na Índia e no combate à mortalidade infantil em Burkina Faso, África.

O anúncio sobre doações para a "caridade" é comum e bem visto em países como Estados Unidos e Reino Unido, onde capitalistas acumularam quantias inimagináveis de dinheiro. No Brasil, essas ações não são tão corriqueiras. Na lista do Giving Pledge, há apenas um representante brasileiro: o casal Elie e Susy Horn, da incorporadora imobiliária Cyrela.

Em agosto, o CEO do banco Nubank, o colombiano David Vélez e a esposa, a peruana Mariel Reyes, entraram no grupo. Os Vélez moram há cerca de 10 anos no Brasil e, de acordo com a Bloomberg, sua fortuna chegou a US$ 10,2 bilhões, ou cerca de R$ 58 bilhões, após a abertura de capital da empresa na Bolsa de Valores de Nova York. Sua doação será usada contra as desigualdades entre jovens latino-americanos.

Concentração de renda na pandemia

O Giving Pledge não recebe dinheiro. É um compromisso público entre bilionários para doar e uma demonstração de consciência sobre o lugar ocupado pelos membros em realidades cada vez mais desiguais, como descreve Gates.

Em momentos de crise, bilionários costumam criar fortunas ou aumentar as que já mantêm, como na pandemia da covid-19. Nunca tivemos tantos bilionários: de acordo com a Forbes, em 2021 há 2.755 pessoas bilionárias no planeta, 660 a mais do que em 2020. Juntas, as fortunas são de US$ 13,1 trilhões (mais de R$ 75 trilhões). Em 2020, esse valor era de US$ 8 trilhões (R$ 46 trilhões). No Brasil, há 315 bilionários em 2021, 40 a mais do que em 2020, de acordo com a publicação.

Não é possível dizer o quanto o Giving Pledge acelerou as doações bilionárias. A Fundação Gates afirma ter doado US$ 53 bilhões (R$ 304 bilhões) entre 2000 e 2020, valor que inclui doações feitas por Warren Buffett com dinheiro próprio e ações. Segundo a Forbes, apenas Gates e Melinda já doaram US$ 29,8 bilhões (R$ 171 bilhões) durante a vida. Ainda assim, em 2020 os Gates ficaram ainda mais ricos: combinados, somam US$ 140 bilhões (R$ 804 bilhões).

Azim Premji, bilionário indiano do Giving Pledge, já doou publicamente US$ 21 bilhões (R$ 120 bilhões). O casal signatário inglês Jeremy e Hannelore Grantham afirma ter doado 98% da sua renda bilionária contra as mudanças climáticas.

Bilionários cada vez mais jovens e conhecidos integram a lista, como Elon Musk, Mark Zuckerberg e Brian Acton, criador do WhatsApp. Outros, como Jeff Bezos - o homem mais rico do mundo - e Jorge Paulo Lemann - o segundo mais rico do Brasil -, não assinaram o compromisso, mas mantêm doações filantrópicas.

Não era melhor pagar mais imposto?

Para alguns economistas, um imposto mais justo sobre heranças, grandes fortunas e ações é defendido como um meio para bancar projetos sociais públicos prestados pelo Estado, como a criação de uma renda básica.

"O ato de doar não tem, necessariamente, a ver com a tributação. Países com tributação alta fazem doações", diz João Paulo Vergueiro, diretor da Associação Brasileira de Captação de Recursos (Abcr). "As pessoas comuns, que não têm bilhões, doam. Logo, se espera que quem ganha mais, doe mais. A questão é estabelecer uma mentalidade generosa", acrescenta.

No Brasil, pessoas pobres doam mais

Segundo Paulo, a doação no Brasil começou nas instituições religiosas à frente de projetos de assistência social e saúde. Com a Constituição de 1988, explica, o terceiro setor investiu em causas gerais, como meio ambiente e combate à fome.

No país, não há dados sobre quanto os bilionários doam do próprio bolso. Mas estudos mostram que os mais pobres doam proporcionalmente três vezes mais do que os mais ricos.

Uma pesquisa de 2017 feita pela YouGov, a pedido da Fundação de Auxílio de Caridade, mostra que o brasileiro que ganhava até R$ 10 mil ao ano doava proporcionalmente mais da renda (1,2%) do que aqueles com renda de até R$ 100 mil anuais (0,4%).

De lá para cá, com a crise financeira, política e sanitária, o número de brasileiros mais pobres que doam caiu (de 32% em 2015 para 25% em 2020), segundo a Pesquisa Doação Brasil 2020, promovida pelo Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social). Por outro lado, subiu de 55% para 59% o número de pessoas com renda acima de oito salários mínimos que fazem doações.

"A confiança nas ONGs e o interesse em ajudar alguma causa aumentou entre todos os brasileiros", explica Paula Fabiani, diretora-presidente do Idis.

Segundo ela, a pandemia e a fome aumentaram a solidariedade — 91% dos mais de 2 mil entrevistados no estudo concordam que faz bem doar; mais de R$ 10 bilhões foram doados em 2020.

Paula lembra que há cerca de cinco anos o empresário Elie Horn tentou convencer os bilionários brasileiros a aderir a um compromisso público similar ao Giving Pledge, mas não deu certo. "O rico brasileiro é mais discreto, não gosta de apresentar a fortuna, e somos uma sociedade católica, onde não se deve falar sobre as próprias doações", conclui ela.

Com a crescente popularidade do pacto internacional, porém, pode ser que a coisa mude.