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Agrônoma cria projeto para pequenos produtores do NE vencerem crise hídrica

Coleta de solo para o projeto ZonBarragem - Arquivo pessoal
Coleta de solo para o projeto ZonBarragem Imagem: Arquivo pessoal

Danilo Casaletti

Da República.org

11/11/2021 06h00

O semiárido nordestino sempre sofreu com a falta de água. Neste ano, a estiagem voltou a castigar a região. Em outubro passado, 537 municípios nordestinos estavam em estado de emergência por conta da crise hídrica. Com açudes secos, os caminhões-pipa costumam ser a salvação dos moradores, principalmente nos pequenos municípios.

Funcionária da Embrapa Solos - divisão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - em Recife (PE), a alagoana Maria Sonia Lopes da Silva desenvolveu um projeto que promete melhorar a vida de parcela importante dessa população, os pequenos agricultores. Batizado de ZonBarragem, ele mapeia as áreas com potencial de construção de barragens subterrâneas.

As barragens subterrâneas são paredes impermeáveis fixadas dentro da terra, construídas no ponto do terreno onde escorre o maior volume de água durante as chuvas. Feitas de plástico polietileno, com até 100 metros de comprimento, elas conseguem reter e armazenar a água no solo por vários meses. Com a umidade garantida, a plantação pode ser feita nos períodos de estiagem.

A Embrapa trabalha com essa tecnologia desde os anos 1980. A novidade do projeto de Maria Sonia é indicar onde elas devem ser construídas, um passo fundamental para acelerar sua implementação. O mapeamento feito pelo ZonBarragem leva em conta o tipo de solo, o relevo — o terreno não pode ser muito acidentado, o ideal é que seja suave e ondulado - e o clima da região - é preciso haver chuva suficiente para acumular água.

Outro fator fundamental é o tipo de rocha. Uma barragem não pode, por exemplo, ser construída sobre rocha sedimentar ou porosa, pois a água armazenada se perderia em poucos dias. O ideal, então, é procurar um terreno com rocha cristalina e dura, que favoreça a retenção da água.

Agrônoma Maria Sonia Lopes da Silva - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Agrônoma Maria Sonia Lopes da Silva participa de capacitação com agricultores sobre o ZonBarragem
Imagem: Arquivo pessoal

A Embrapa Solos já trabalhava com o zoneamento agroecológico para investigar a aptidão dos solos para diferentes culturas, como feijão, mandioca e milho. A etapa seguinte foi usar esse estudo como base para identificar os locais mais adequados para as barragens. As áreas são classificadas como tendo como alto, médio ou baixo potencial para essas estruturas.

A primeira etapa do projeto acontecerá em Alagoas, com a construção de 200 barragens - o estado foi escolhido por já ter um mapeamento de solo amplo e atualizado. A expectativa é que as primeiras estejam prontas até março. Cerca de mil pessoas devem ser beneficiadas no semiárido alagoano. Cada uma barragem custará, em média, de R$ 15 a R$ 20 mil. Paraíba e Sergipe estão em fase de negociação para serem os próximos estados beneficiados.

Com o ZonBarragem, as ações de governos municipais, estaduais ou federal contra a escassez hídrica se tornarão mais certeiras, reduzindo o desperdício de dinheiro público, avalia Maria Sonia. E as barragens subterrâneas ganharão eficiência por serem feitas em locais adequados. O período de chuvas em Alagoas costuma durar três meses, além de pequenos veranicos ao longo dos anos. Com uma barragem subterrânea, é possível armazenar água de 3 a 5 meses. As que ficam próximas de leitos de rio, podem ter água durante o ano todo.

Com isso, o agricultor consegue produzir mais em sua propriedade. Tira o alimento para sua família, provê para os animais e vende o excedente, obtendo renda. "O agricultor ganha a soberania e a segurança de decidir o que plantar, o que ele vai comer. A qualidade de nutrição dele melhora. Em dois anos, eles se tornam independentes", afirma Maria Sonia, que destaca a participação de ONGs e cooperativas nesse processo.

Segundo a agrônoma, para além das questões técnicas, burocráticas e políticas, o importante é também envolver os agricultores na discussão. São eles que, mesmo sem formação científica, conhecem a terra em que vivem. "Tem agricultor que seleciona áreas da maneira correta. A gente chega lá e não tem o que corrigir. Ele não sabe o que é rocha sedimentar. Diz: a rocha chupadora de água. É a linguagem dele. E está certa", comenta.

O ZonBarragem coroa um sonho de infância de Maria Sonia. Ainda menina, quando morava à beira da Lagoa de Mundaú, em Maceió, corria todo domingo pela manhã para a casa de um vizinho que tinha televisão. Seu objetivo era assistir ao programa Globo Rural, da TV Globo. Foi dessa forma que surgiu a vontade de se formar em agronomia e, depois, de trabalhar na Embrapa, se possível, para ajudar a vida dos agricultores do semiárido.

Apesar das dificuldades - estudava de manhã e, à noite, acompanhava o pai na pescaria na lagoa, atividade que sustentava a família —, conseguiu completar os estudos. Em 1984, obteve o título de agrônoma pela Universidade Federal de Alagoas. Em 1990, passou no concurso para ser funcionária da Embrapa, onde atualmente atua como pesquisadora na área de Manejo do Solo e da Água, em Recife (PE).

Maria Sonia Lopes da Silva (centro) durante projeto ZonBarragem - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maria Sonia Lopes da Silva (centro) durante projeto ZonBarragem
Imagem: Arquivo pessoal

Depois do ZonBarragem - criado em 2019, mas cuja execução foi prejudicada pela pandemia da covid-19 -, Maria Sonia investe contra outro problema importante para a região: o desperdício de água. Para isso, ela e sua equipe já trabalham em um novo projeto, batizado de GuardÁgua. O objetivo é trabalhar nas próprias barragens que serão construídas em Alagoas.

"Em uma região em que a água é escassa, é preciso haver o manejo racional desse recurso. O agricultor não pode jogar um monte de água na plantação. É preciso otimizar. Vamos ensinar como cultivar, irrigar, adubar e dar manutenção para a barragem, potencializando-a. Ou seja, GuardÁgua é o passo seguinte da construção", explica.

Maria Sonia diz que o objetivo é transformar os agricultores e moradores da região em "guardiões da água". Segundo ela, esse novo projeto tem uma visão socioambiental, que reflete na interculturalidade - busca respeitar as peculiaridades e desejos de todas as famílias, o que inclui quilombolas e indígenas. "É com elas e para elas. Tem produtor, por exemplo, que quer plantar capim para alimentar seus animais e daí tirar seu sustento", afirma.

O GuardÁgua está em fase de assinatura de acordos de cooperação técnica e deve ser implementado no próximo ano, com recursos do governo federal - isso, se nada mudar até lá, já que o corte e contingenciamento de verbas tem sido constantes e prejudicado a aplicação de projetos até mesmo já aprovados. O orçamento inicial é de R$ 750 mil em quatro anos.

Ela avalia que essas iniciativas, ainda que caminhem lentamente, ajudam a melhorar as condições de vida dos jovens e das mulheres que vivem no semiárido e a promover uma transformação social. Pessoas que perdiam horas em caminhadas para buscar água para uso doméstico passam a dedicar esse tempo ao estudo ou à solução de outros problemas da comunidade, como a melhoria das estradas ou a instalação de pontos com internet.

Sua maior satisfação, além dos projetos que desenvolve com seus colegas da Embrapa, é, aos 65 anos, continuar a passar seu conhecimento para frente e a multiplicar o propósito de vida que a trouxe até aqui. "É dar atenção aos estudantes orientandos. Formar profissionais que abracem a missão de trabalhar pelos agricultores, do bem viver deles."

Esta reportagem foi desenvolvida em parceria com a Republica.org, organização social apartidária e não corporativa que se dedica a contribuir para a melhoria do serviço público no Brasil, em todas as esferas de governo.