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Grafiteiro há 20 anos, Odrus quer ensinar crianças surdas e de periferia

Grafite de Odrus no Distrito Federal - Arquivo pessoal
Grafite de Odrus no Distrito Federal Imagem: Arquivo pessoal

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo (SP)

08/11/2021 06h00

Na infância em Planaltina (DF), Rafael começou a desenhar copiando personagens de gibis. Hoje, seus desenhos dão vida aos muros do Distrito Federal e de várias outras cidades no Brasil e no exterior.

Seu nome artístico, Odrus, é a inversão da palavra "surdo", em referência à deficiência com a qual convive desde o nascimento. Na juventude, sua experiência foi a mesma de muitos jovens negros de periferia: era chamado de bandido.

A Ecoa conta — em libras, traduzido pela intérprete Nzambi Brito — que a arte o salvou. "A vida era muito difícil, mas a arte traz mudança. O grafite me ajudou a me levantar, a trabalhar, a ter um salário, a viajar, expandir minha cabeça e meus horizontes", diz.

Ao levar sua vivência e das pessoas que conhece para as obras, Odrus retrata muitas figuras negras. Para ele, colocá-las em destaque é uma forma de mostrar sua importância, confrontando a discriminação.

Grafite Odrus - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Grafite de Odrus em Toronto, no Canadá
Imagem: Arquivo pessoal

Grafite mullher negra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Grafite de Odrus em Planaltina
Imagem: Arquivo pessoal

Além dos grafites, normalmente encomendados por comércios e prefeituras, ele já ministrou diversas oficinas para crianças e jovens no Brasil e em outros países, como a França. Essas atividades foram interrompidas pela pandemia de covid-19, mas ele torce pela retomada: quer muito voltar a ensinar sua arte nas comunidades.

Fico muito emocionado, muito feliz fazendo grafite. Sei que as pessoas se sentem bem quando olham pra arte, ficam emocionados como eu quando estou grafitando. É muito importante que as cidades tenham essas artes. A favela fica muito apagada quando não tem arte
Odrus, grafiteiro

Seu desejo é ensinar grafite nas periferias de todo o Brasil, com foco especial em crianças surdas e ouvintes e egressos do sistema prisional. A ideia é que possam mudar de vida através da arte, como aconteceu com ele. "É muito importante fazer esse levante", diz.

Oficina em Aracaju - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Oficina de grafite para jovens em Aracaju ministrada por Odrus
Imagem: Arquivo pessoal

Os maiores obstáculos para colocar esse plano em prática, segundo Odrus, são a falta de apoio do governo e de acessibilidade para que ele possa dar aulas. O grafiteiro lembra que a acessibilidade é um direito das pessoas com deficiência, que precisa ser garantido pelos governos.

Rumo a SP

Odrus cita como referência os trabalhos dos grafiteiros paulistanos Os Gêmeos e Kobra. Em 2022, planeja se mudar para São Paulo, onde acredita haver mais oportunidades e acessibilidade.

Grafite Odrus - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Grafite de Odrus no Distrito Federal
Imagem: Arquivo pessoal

"Já estou há 20 anos grafitando aqui, no Distrito Federal, e é muito difícil, porque falta acessibilidade. Quero mudar para São Paulo para aprender, crescer e expandir minha arte", diz. "Tenho vontade de organizar oficinas nas periferias de SP pras pessoas surdas. É muito importante levar isso porque o surdo não conhece a arte, só fica em casa e isso é muito triste. É necessário que as pessoas surdas conheçam a arte e vejam que pessoas surdas também fazem arte. Elas têm o direito de aprender sobre tudo isso".

Com muitos planos e projetos, ele dá um recado sobre a autonomia das pessoas com deficiência: "Estou longe de estar 'preso'. Sou uma pessoa surda e estou ativo".