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Enfermeira cria "hora do colinho" para bebês longe das mães com covid-19

Mariluce Barreto percebeu que acalmava os bebês se desse meia hora de colo para eles - Divulgação/Maternidade Frei Damião
Mariluce Barreto percebeu que acalmava os bebês se desse meia hora de colo para eles Imagem: Divulgação/Maternidade Frei Damião

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, em Maceió (AL)

03/11/2021 06h00

O choro constante dos bebês isolados em UTI (unidade de terapia intensiva) por estarem sem a presença das mães - internadas ou mesmo mortas pela covid-19 - incomodava a enfermeira Mariluce Barreto, coordenadora do centro obstétrico da maternidade Frei Damião, em João Pessoa.

Ela conta que percebia que os recém-nascidos estavam mais irritados por conta da restrição de visitas. Foi nesse barulho de choro que ela pensou que poderia dar o próprio colo para acalmá-los. Daí surgiu o projeto 'hora do colinho', que já está sendo replicado em outros locais do país.

Ela conta que, na segunda onda de covid-19, houve o aumento significativo dos óbitos maternos. "Devido às restrições de visitas mesmo paternas, assim como o aumento de gestantes com covid que interromperam suas gestações, nasceram bebês necessitando de cuidados inicialmente nas UTIs neonatais e nas unidades intermediários. E o único contato que eles tinham era com a equipe", conta ela, que é especialista em UTI neonatal e mestre em ciência da saúde.

A unidade em que ela trabalha é referência para gestantes com covid-19 na Grande João Pessoa e municípios vizinhos. "É a única do estado que recebe recém-nascidos com sintomas gripais ou com covid. Tivemos, na segunda onda, 18 óbitos maternos. No total, desde o início da pandemia, foram 25 só por covid", relata.

A hora do colinho começou a ser praticada no final de abril deste ano. Durante o pior momento da pandemia, diz a enfermeira, houve momentos de ter três órfãos ao mesmo tempo na unidade. "Isso me inquietou o coração como profissional e como mãe. Então comecei a dar meu colo para eles, porque a mão que medica também tem o colo que acalenta. E comecei a observar as reações deles", afirma.

Colinho - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O bebê de Neylianne Duarte recebeu colo todos os 44 dias em que ela esteve internada com covid
Imagem: Arquivo pessoal

A terapia oferece uma série de benefícios para o bebê. "Os benefícios vão desde aumento do tempo de sono, a ganho de peso, melhor absorção da dieta e diminuição do choro. Além disso, a alta é mais rápida", explica.

Sucesso replicado

A terapia do colo é feita hoje todos os dias na maternidade em todos os bebês, com tempo mínimo de 40 minutos. "Não há uma hora específica do dia, nem um tempo determinado. Geralmente a gente faz quando eles estão inquietos ou chorosos e faz até que acalmem. Hoje estamos fazendo colo até para os bebês em ventilação mecânica", diz.

No início do projeto, o colinho era apenas feito pela enfermagem, mas hoje já há uma equipe multidisciplinar, com fonoaudiólogo e fisioterapeuta.

O projeto foi tão bem aceito que Mariluce conta que já recebeu convites para apresentar os resultados do colinho aos estados de Pernambuco, Maranhão, Piauí, Alagoas, Sergipe e Rio de Janeiro. "Devo levar também para Curitiba no próximo mês. Fico muito emocionada e feliz por poder multiplicar e estender para esses pequeninos", diz.

Ela conta que já escreveu um projeto e, posteriormente e junto com outras enfermeiras, lançaram um POP (Protocolo Operacional Padrão). "Nele consta desde o objetivo até o passo a passo para se fazer a 'hora do colinho' de forma segura para o neonato, iniciando com a avaliação do enfermeiro do plantão para a necessidade do colo, bem como a preparação do ambiente e toda técnica de retirada do bebê da incubadora com cuidado para ele não perder calor e toda paramentação do profissional que vai oferecer o colo", diz.

Um dos bebês que foram referência o atendimento foi José Vinícius, que ficou com a equipe os 44 dias em que a mãe, Neylianne Duarte, de 36 anos, ficou internada com covid-19. "Fiquei muito feliz em saber que meu filho foi tão bem acompanhado, apesar da minha ausência. Sou muito grata", diz.

Ela se tornou tão agradecida que passou a ser uma das "garotas propaganda" da hora do colinho e discursou durante a homenagem que a criadora do projeto recebeu na Câmara de João Pessoa.

"É um projeto esplêndido e humano, sei que proporcionou vários benefícios para o meu filho na minha ausência. Todos sabem das dificuldades das crianças que ficam na UTI, principalmente a privação dos estímulos externos e principalmente da presença física da mãe. E esse projeto ajuda essas crianças a terem essa oportunidade do toque e do acalanto. Isso é de uma sensibilidade e humanização muito grande", finaliza.