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Instituto oferece consultoria gratuita a ONGs e programa social a jovens

Natalie Melaré, fundadora do Instituto Devolver - Divulgação
Natalie Melaré, fundadora do Instituto Devolver Imagem: Divulgação

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

16/10/2021 06h00

Depois que se tornou mãe, a paulistana Natalie Melaré, hoje com 35 anos, decidiu trocar uma carreira bem-sucedida como executiva para abrir uma instituição sem fins lucrativos de apoio a outras crianças e suas famílias. Criado há três anos, o seu Instituto Devolver já arrecadou mais de R$ 1,2 milhão em doações, valor que foi revertido em cestas básicas, kits de higiene e limpeza e material escolar.

O instituto também oferece consultoria gratuita a outras ONGs e promove programas como o Jovem Aprendiz Social, que prepara e insere pessoas com idade entre 14 e 17 anos no mercado de trabalho. Ao todo, quase 15 mil jovens já foram impactados em 11 estados brasileiros. E o plano é expandir a atuação ainda mais.

Repensando a vida

Natalie mergulhou no voluntariado ainda adolescente. Quando estava no ensino médio, sua escola promovia visitas periódicas a projetos sociais e ela se encantou pelo trabalho. "Eu me encontrei ali. Vi como uma chance de devolver para a sociedade um pouco das oportunidades que eu tive", conta.

Desde então, passou a nutrir o sonho de ajudar a melhorar a educação e transformar a realidade de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Quando foi para a faculdade e começou a vida profissional, no entanto, isso acabou ficando em segundo plano.

Estudiosa, Natalie emendou um curso de relações internacionais com um mestrado em marketing e outro em administração e um MBA em empreendedorismo. Enquanto isso, crescia na carreira e chegou a ocupar altos cargos em times de marketing de grandes empresas.

Mas quando seu primeiro filho nasceu, há oito anos, ela começou a reavaliar a vida e voltou a se perguntar de que forma poderia ajudar outras crianças. "Eu não conseguia encontrar um motivo para voltar ao trabalho depois da licença-maternidade. Não via sentido ou impacto no que eu fazia, achava que não fazia diferença na vida das pessoas", lembra.

Deixar uma carreira bem-sucedida no mundo corporativo para se dedicar ao voluntariado, no entanto, não foi fácil. "Embora meu marido tenha me apoiado desde o início, muita gente achou que eu estava fazendo uma loucura e que depois de um ano iria desistir. Mas eu não poderia estar mais feliz por ter feito essa escolha", garante.

Ouvindo quem entende

Natalie e a equipe do Instituto Devolver - Divulgação - Divulgação
Natalie e a equipe do Instituto Devolver
Imagem: Divulgação

Natalie decidiu não retornar ao antigo emprego e começou um trabalho extenso de pesquisa e conversas com instituições que já conhecia. "Eu tinha uma boa bagagem no mundo corporativo, mas não no terceiro setor. Então achei muito importante ouvir", conta.

Sua ideia não era criar um novo projeto do zero, mas sim apoiar outros que já existiam para ampliar seu alcance. "Quem realmente conhece as necessidades da comunidade são as pessoas que vivem lá, e uma é muito diferente da outra", explica.

Nesse processo, ela percebeu que a maioria das instituições precisava de coisas básicas, como comida e produtos de higiene e limpeza. Por outro lado, muitas pessoas gostariam de fazer doações, mas tinham medo porque não sabiam como o dinheiro seria realmente aplicado. Foi aí que surgiu, em 2018, a ideia de criar o Devolver como uma plataforma de e-commerce social.

Para doar, o usuário só precisa entrar no site, escolher o produto (que pode ser uma cesta básica ou kit de limpeza, por exemplo), a região e, se quiser, a instituição, e finalizar a "compra". O instituto se responsabiliza pela compra e entrega do produto escolhido, e envia um comprovante para a pessoa que reflete 100% do valor doado.

O doador tem ainda a opção de pagar as taxas cobradas pelos meios de pagamento, mas isso não é obrigatório. Para manter os custos fixos (incluindo taxas, salários e frete), há o apoio de mantenedores, como empresas, escritórios de advocacia e pessoas que fazem doações mensais especificamente para isso. Atualmente, o Devolver apoia quase 60 instituições e conta com 15 empresas parceiras e 6 colaboradores. Natalie não recebe salário, mas todos os outros funcionários têm um contrato CLT.

Consultoria gratuita

Para que uma ONG se torne parceira do instituto, é preciso cumprir dois requisitos principais: atuar em prol da criança e do adolescente (seja por meio de reforço escolar, promoção de saúde ou serviços de acolhimento, por exemplo) e estar com os documentos em ordem. Mas Natalie logo percebeu que muitos projetos nascidos dentro das comunidades não tinham estrutura para providenciar essa documentação. Para endereçar o problema, o Devolver começou a oferecer um programa gratuito de consultoria.

Além de ajuda para construir um plano de negócios bem estruturado, há um apoio jurídico para a regularização do CNPJ e, ainda, uma consultoria financeira e de marketing, em um processo que dura cerca de um ano. "O resultado tem sido ótimo: muitas organizações percebem que podem ter um impacto ainda maior, e isso realmente acontece", explica a fundadora.

Jovem Aprendiz Social

Participantes do programa Jovem Aprendiz Social - Divulgação - Divulgação
Participantes do programa Jovem Aprendiz Social
Imagem: Divulgação

Outro projeto entre os mais importantes do Devolver é o Jovem Aprendiz Social, voltado para adolescentes de 14 a 17 anos inseridos em serviços de acolhimento institucional ou em situação de vulnerabilidade social. O programa oferece reforço escolar e ajuda na conquista de uma oportunidade como Jovem Aprendiz em uma das empresas parceiras do instituto.

"No fim de 2019, conversamos com educadores e coordenadores das casas de acolhimento e vimos que, quando esses jovens completam 17 anos e 11 meses, precisam ser desacolhidos e deixar aquele local. Nossa pesquisa identificou que 25% vão para serviços de acolhimento de adultos ou vão morar na rua. E 70% deles apresentam um atraso escolar muito grande", conta Natalie.

Os primeiros seis meses do programa, em média, são voltados para o reforço escolar, com foco em português e matemática. O semestre seguinte tem aulas de informática e o último módulo, de dois meses, trabalha a empregabilidade, com preparação para entrevistas e apoio na busca por uma vaga. Nesse tempo, o jovem conta com um mentor escolhido por um psicólogo especialmente para ele.

Além disso, todos os participantes são acompanhados por cinco anos. "Por mais que a gente faça um exame cuidadoso para que cada um seja encaminhado para uma vaga que tenha a ver com ele, sabemos que nem sempre é simples se adaptar ao mundo corporativo ou àquela empresa específica. Se isso acontecer, eles podem voltar e nós trabalhamos juntos para colocá-los em outro lugar", explica ela.

Os alunos são divididos em pequenas turmas para que possam receber atenção personalizada. Hoje, há quatro turmas com um total de 28 pessoas. Outros 10 jovens já estão formados.

"O programa é uma forma de mudar a narrativa da história de vida desses adolescentes, mudar a forma com que eles vão enxergar o futuro daqui para a frente", explica Gabriel Santos, educador do projeto.

Os jovens aprovam. "O programa me ensina a ser mais produtiva, organizada, e me prepara não só para o mercado de trabalho, mas para a vida", disse uma aluna. "Ele me ajuda a planejar melhor meu futuro e como eu devo enfrentar cada etapa da minha vida profissional e pessoal", acrescenta outro.