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Em Piaçabuçu, artistas usam arte para tentar salvar rio São Francisco

ONG Olha em cortejo de máscaras de carrancas para "afastar o mal do rio São Francisco", como diz a artista Linete Matias - Divulgação/ONG Olha o Chico
ONG Olha em cortejo de máscaras de carrancas para "afastar o mal do rio São Francisco", como diz a artista Linete Matias Imagem: Divulgação/ONG Olha o Chico

Paula Rodrigues

De Ecoa, em São Paulo (SP)

15/10/2021 06h00

Na foz do rio São Francisco, em Piaçabuçu (AL), mensalmente, um grupo de artistas se reúne para fazer um sarau. Com o barulho das águas ao fundo, cantam músicas e contam histórias da região. Não raro, o próprio rio vira protagonista das atrações. Fazem isso porque são pessoas que possuem ligação afetiva com o velho Chico, mas também por necessidade: os saraus "Olha o Chico" servem para tentar conscientizar a população em prol da salvação do rio.

Criada em 1999, é a Associação Amigos de Piaçabuçu: Olha o Chico a responsável pela realização do evento. Quem a criou foi Dalva de Castro, a princípio como rádio comunitária, depois veio o objetivo de usar a arte para trazer aos moradores um novo olhar para a região, mais atento ao cuidado com o meio ambiente.

Também moradora da região, a contadora de histórias Linete Matias, 37, conheceu a associação quando tinha 15 anos. Entrou um dia para ser uma das atendidas pelo projeto e se envolveu tanto que virou artista associada da ONG. Passou um tempo afastada, mas retornou em 2019, e, em 2020, voltou para a diretoria da organização.

Infelizmente, a matriarca da Olha o Chico não sobreviveu, mas seu trabalho em defesa do rio, das árvores e das tradições culturais tradicionais de Piaçabuçu segue vivo na arte de pessoas da região.

ONG Olha o Chico - Divulgação/ONG Olha o Chico - Divulgação/ONG Olha o Chico
Saura as margens do rio S. Francisco realizado pela ONG Olha o Chico, que usa arte para tratar questões ambientais da região
Imagem: Divulgação/ONG Olha o Chico

Como conta Linete, a principal luta que eles vêm travando nos últimos meses é contra uma medida que aprovou a exploração de petróleo e gás natural justamente na bacia Sergipe-Alagoas. "Fiquei sabendo através da mobilização das comunidades tradicionais de Sergipe. Passei a acompanhar o processo por lá. Ainda seguimos na luta. A força maior vem das comunidades sergipanas que estão mais organizadas", conta Linete.

O medo dela é que a perfuração cause mais prejuízos à mata e à água de Piaçabuçu. "Mais" porque ela mesma já presenciou a transformação ambiental que a região vem sofrendo ao longo dos anos.

"Em 2017, a gente viu a água do mar invadir o rio de água doce. E perdemos as plantações de arroz, os peixes, coqueiros, a vegetação ia sumindo... Eu comecei a ficar muito chocada, e eu dizia com a minha arte que o rio ia virar mar, que a gente precisava fazer alguma coisa para parar isso. Era um grito de desespero", diz.

Desesperada, Linete começou a escrever contos sobre o rio, sobre o que a interferência humana ia causar na natureza, destruindo também toda uma cultura cultivada durante anos ao pé do rio.

O problema era que a estratégia já não tinha mais efeito. A arte dela "que não servia para acalentar, mas para provocar" a população não funcionava. Poucos se importavam com a questão. Assim, ela já desiludida, pediu licença da ONG Olha o Chico para se dedicar a outras coisas. Estava, na verdade, sofrendo uma crise interna: ao mesmo tempo em que queria fazer algo, usando principalmente sua arte para poder chegar nas pessoas, não sabia exatamente como e o que fazer.

Linete Matias - Arilene de Castro - Arilene de Castro
A artista Linete Matias
Imagem: Arilene de Castro

Um dia, convidada a participar Instituto Abra Palavra, de Belo Horizonte, para contar histórias em seu festival. Ali, lembrou de um texto que escreveu em 2001, em que ela conversava com o rio, mostrando a relação de proximidade que tinha criado com o velho Chico.

"Aí me deu um estalo: é isso que eu vou fazer, vou contar minhas memórias de criança na beira do rio São Francisco, as pessoas estavam perdendo a conexão com ele, a nova geração não criava afeto mais aquele afeto que a gente desenvolvia quando criança antigamente. Então, escolhi contar isso para as pessoas, todo meu repertório que vai recordando as memórias sobre o rio", diz. Assim, começou a ser conhecida por "Linete do encantado das águas".

Agora, uma vez por mês, o compromisso já está marcado. Ela organiza o sarau com a ONG Olha o Chico — uma das principais e mais constante atividade promovida pela organização — para chamar atenção para a preservação do rio São Francisco, A pandemia obrigou a parar a realização do evento nas ruas e na beira do rio, a opção agora é realizar por live. Mas o retorno da ação presencial está prevista para dia 6 de novembro.

Seja compondo e cantando músicas, tocando um instrumento, declamando uma poesia ou contando uma história, todos se juntam ali por algumas horas para tentar sensibilizar a população "por meio de uma memória afetiva". A previsão era que a exploração começasse em junho deste ano. Mas as comunidades tradicionais estão na luta para embargar a decisão.

A Curadoria de Ecoa

Toni Edson - Causadores - Amanda Bambu/ UOL - Amanda Bambu/ UOL
Imagem: Amanda Bambu/ UOL

As histórias e pessoas apresentadas todos os dias a você por Ecoa surgem em um processo que não se limita à prática jornalística tradicional. Além de encontros com especialistas de áreas fundamentais para a compreensão do nosso tempo, repórteres e editores têm uma troca diária de inspiração com um grupo de profissionais muito especial, todos com atuação de impacto no campo social, e que formam a nossa Curadoria. Esta reportagem, por exemplo, nasceu de uma conexão proposta por Toni Edson, curador de Ecoa.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O nome correto da cidade é Piaçabuçu e não Paiaçabuçu.