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Aos 5 anos, criança de Maceió ensina Libras em vídeos pela internet

Lorena começou mandando vídeos em libras para a família  - Acervo pessoal
Lorena começou mandando vídeos em libras para a família Imagem: Acervo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, em Maceió (AL)

02/10/2021 06h00

Quando a pequena Lorena Sophia, 5, nasceu com deficiência auditiva, a família descobriu que teria aprender a língua brasileira de sinais seria um caminho importante para se comunicar com ela. Ao longo do tempo, o núcleo mais próximo (pai, mãe e irmã dela) foi se adaptando e aprendendo junto com a criança o idioma, mas havia mais pessoas que a amavam e também queriam se comunicar.

Foi pensando nisso que a mãe de Lorena, Juliane Grigorio, 33, decidiu compartilhar o aprendizado, gravando vídeos dela em libras e enviando para familiares.

"Terminava a aula, eu fazia o vídeo e mandava no grupo da família para que eles aprendessem junto com ela", conta Juliane.

A ideia ganhou corpo, e Lorena passou a gravar vídeos e publicá-los em seu Instagram, ensinando libras. Para isso, ela escolhe temas importantes, como ensinar os cinco sentidos.

Os temas dos vídeos postados no canal de Lorena vêm de pesquisas da mãe. "Eu que procuro. O último que postei foi sobre as plantas, pois estamos aqui em Arapiraca [a 120 km de Maceió] e ela vê muitas árvores no sítio", diz.

Ela conta que Lorena está muito feliz com o sucesso dos vídeos. "A receptividade está muito boa. E pelos vídeos, eles se comunicam com ela. O que eles têm dúvidas, sempre olham também no app 'Hand talk'", afirma.

Lorena ama uma câmera, ama dialogar. Minha inspiração é mostrar para as pessoas sobre acessibilidade e como é bom você ser gentil com quem tem a fala nas mãos. Ela só não se sente bem quando tem pessoas só ouvintes. Eu sinto desconforto nela; quando ela fala com quem não entende, ela sai

Sobre o futuro, ela conta que gostaria que Lorena seguisse como comunicadora de libras. "Como eu queria que Lorena expandisse o mundo para mostrar para as pessoas sobre a importância da acessibilidade. Cada pessoa que vai Instagram dela, aprende esse sinal. Isso para mim já é gratificante", diz.

Aprendizado

Juliane admite que, até o nascimento de Lorena, não tinha tido contato direto com nenhuma pessoa com surdez. "Quando descobri, tive que correr atrás para que ela crescesse sem se sentir diferente", explica.

Segundo Juliane, ela tem perda de 100% bilateral severa e profunda. Por isso só se comunica por libras.

Para acompanhar a filha, ela deixou o emprego que tinha em um supermercado de Maceió, em 2018. "Hoje meu tempo é em torno da Lorena. Eu tenho que parar, muitas vezes, o que eu estou fazendo para explicar, para mostrar sinais a ela; tive que sair do trabalho porque ela tem terapias duas vezes na semana e eu não queria que ela fosse com a tia-avó. Eu quero participar de tudo dela", afirma.

Família inteira de Lorena se comunica por libras com ela - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Família inteira de Lorena se comunica por libras com ela
Imagem: Acervo pessoal

Ao lado da filha, o aprendizado de libras ocorre junto com Lorena. "Comecei a fazer o curso de libras em 2019, mas não terminei por causa da pandemia. O que eu sei foi estudando por vídeos, aprendendo e passando para ela", completa.

Mas Lorena e Juliane criaram uma didática própria. "Quando eu faço uma atividade, depois que ela aprende, vamos em um supermercado e faço o sinal na sessão de produtos para saber o que ela entendeu", diz.

Apesar da idade, ela já sabe muitas coisas. "Lorena está vivendo um processo de aquisição da primeira língua. Ela já compreende e domina muitos conceitos, mas isso é uma construção permanente. Ela não é uma criança ouvinte, que teve contato ainda no útero com o mundo sonoro e a língua portuguesa", diz.

O que ela quer saber, vou atrás do sinal correto. Então eu aprendo e ensino para ela e para os familiares. Todos aqui em casa já se comunicam bem com Lorena. A irmã dela tem 4 anos e se comunica sem problemas com ela. Os demais [familiares] eu passo tudo para o grupo para que eles aprendam também

Escola pública

Lorena estuda no Centro Municipal de Educação Infantil Doutor Antônio Mário Mafra, uma escola pública do bairro da Levada.

"Eu cheguei a colocar ela em uma escola particular, em 2018, mas que só tinha ela com deficiência. A professora não sabia libras. Ela chorava muito, falei com os terapeutas sobre isso. Hoje ela se sente bem em sala porque tem intérpretes e tem alunos surdos também", afirma.

Lorena conta que na escola atual são dois alunos na turma, que têm um intérprete em sala.

Lorena assiste aulas online com a intérprete  - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Lorena assiste aulas online com a intérprete
Imagem: Acervo pessoal

As aulas, porém, seguem remotas, e Juliane admite que não quer que Lorena volte à escola presencialmente até se vacinar. "Confesso que não me sinto preparada para que ela volte para sala de aula agora. Tenho receio pelo vírus, perdi pessoas próximas", comenta.

Segundo a técnica em Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação, Daniella Lins, a rede de Maceió hoje oferta o ensino bilíngue. "São três escolas pólo até o 9º ano do ensino fundamental. Mas temos também as escolas que não recebem não apenas surdos, que possuem intérpretes para atender esses estudantes. Para as crianças que moram distante, é ofertado transporte", diz.

Um outro serviço que Lorena vai passar a receber, diz, é atendimento educacional especializado bilíngue. "Ela vai receber já agora em 2021 na Escola Nosso Lar [um das três pólos do município]. Essa sala do serviço está sendo implantada, e Lorena irá ter aulas no contraturno da escolarização, em que terá momentos de aprendizagem em libras de libras e português escrito como segunda língua".

Por fim, Juliane dá um recado às mães que têm filhos novos com surdez:

O primeiro passo é aceitar toda a transição, dar o apoio necessário, compreender que tem muitas formas de se comunicar. A mais importante é aceitar a dificuldade e correr atrás independente de qualquer situação, independente da deficiência. O que mais acontece é os pais fecharem os olhos para realidade. Isso só atrasa a criança e o seu desenvolvimento