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Urna eletrônica ou voto impresso? Veja por que sistema atual já é auditável

TSE
Imagem: TSE

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

14/09/2021 06h00

Os 25 anos que separam o surgimento das urnas eletrônicas do voto impresso nas eleições brasileiras não foram suficientes para que a discussão sobre a confiabilidade do sistema fosse encerrada. Neste ano, o modelo voltou a ser questionado, ganhando novamente holofotes no Congresso. O tema foi resgatado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que alega — sem provas — a existência de fraude e é a favor da implantação do voto impresso. A ideia foi transformada na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, sendo rejeitada, posteriormente, na Câmara.

Apesar desse resultado, a discussão parece longe de acabar. De um lado, Bolsonaro segue criticando o sistema em vigor. De outro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem reforçado a divulgação de informações sobre a segurança e transparência das urnas atuais. No mês passado, a filósofa Djamila Ribeiro protagonizou, sem cobrar cachê, uma campanha sobre o assunto.

Com tanta fake news circulando sobre o tema, quem acaba perdendo é a população. Afinal, as urnas eletrônicas são seguras? Como é o panorama de fraudes eleitorais envolvendo os diferentes sistemas? Por que o voto impresso colocaria em risco o sigilo da votação? Ecoa ouviu especialistas para entender e explicar o assunto.

Já houve fraude envolvendo urnas eletrônicas no Brasil?

Nunca houve qualquer comprovação de fraude nas eleições através das urnas eletrônicas. "O próprio surgimento dessas urnas veio por causa do histórico de fraudes com o voto de papel. Existiam mais de 60 tipos de fraudes envolvendo o voto de papel", recorda Roney Oliveira, chefe da Seção de Urnas do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR). Ele salienta que o equipamento não é o mesmo de 1996, ano da informatização do sistema, e que está em constante atualização. Isso não significa, contudo, que não exista necessidade de aprimoramento quanto aos programas, em função do dinamismo da tecnologia. Na última eleição, o modelo de urnas usadas foi o de 2009.

Pesquisador do voto eletrônico há mais de dez anos, o professor Jean Martina, do departamento de informática e estatística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), salienta que é importante não confundir a discussão técnica, em busca de melhorias para o sistema, com o debate político. Ele diz não acreditar em fraudes nesse sistema, mas que o assunto das urnas, sob a perspectiva da tecnologia, deve ser debatido com seriedade. "As questões discutidas são da década de 1990, do ponto de vista da pesquisa. A urna eletrônica deve evoluir, mas o debate está contaminado pela política", lamenta.

O professor de ciências sociais Lindomar Wessler Boneti, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), avalia que, sem provas de fraudes, a pauta surge para desestabilizar a democracia. "Cria-se uma narrativa de que o voto eletrônico não é confiável. O que percebemos é que o foco não é o voto em si. Isso é ruim porque leva as pessoas a terem dúvidas e a deixarem de exercer o direito de votar", analisa.

Como é a segurança e transparência envolvendo as urnas eletrônicas?

A preocupação com a confiabilidade dessas máquinas, explica Oliveira, tem início ainda no projeto das urnas. A produção é feita mediante licitação, e as urnas saem da fabricante ainda sem funcionalidade, já que precisam da inserção de um certificado digital da Justiça Eleitoral. Quando os aparelhos chegam aos TREs, cada unidade é testada e recebe a inserção desse certificado. É só a partir desse momento que as urnas estarão aptas a receber outros programas, todos desenvolvidos pela Justiça Eleitoral.

Além da manutenção preventiva, o sistema passa por uma série de fiscalizações meses antes das eleições, como no desenvolvimento dos programas adotados, incluindo o código fonte. No chamado Teste Público de Segurança (TPS), para o qual são convidados instituições e profissionais da área de tecnologia da informação, especialistas se inscrevem com planos de ataque a qualquer parte do processo eleitoral. "Eles recebem as urnas e o sistema em condição fora do comum. Têm acesso à urna aberta, ao código fonte, são vários facilitadores para eles", assinala Oliveira, ao acrescentar que, após a correção de eventuais vulnerabilidades encontradas, uma nova apresentação é convocada para repetir os testes.

Ele destaca que o sistema conta com mais de 30 camadas de proteção, sendo que as urnas não são conectadas à internet, o que impossibilita a ação de hackers. A única ligação externa é com a eletricidade.

O sistema atual permite auditoria?

Sim, de várias formas, garante o chefe da seção de Gestão de Urnas do TRE-PR. Além do TPS, um dos momentos de auditoria do processo é a cerimônia de assinatura digital e lacração dos sistemas de totalização. "Nessa cerimônia, a versão final do sistema é gravada em uma mídia, assinada digitalmente por todas as instituições fiscalizadoras presentes. Isso é armazenado em um cofre, para o caso de auditoria posterior. Se alguém quiser, por exemplo, verificar códigos de 2014, é possível", pontua.

Além disso, nas zonas eleitorais, há a cerimônia de carga e lacração das urnas, que também é pública. As urnas saem do local com lacres especiais, que caso removidos, deixam uma marca d'água. As informações correspondentes a esses lacres também são incluídas na ata da cerimônia.

No dia da votação, nas seções eleitorais, ocorre ainda a impressão da zerésima, boletim que mostra que todos os candidatos estão registrados na urna, mas sem votos. Trata-se de um documento público, assinado por mesários e fiscais de partidos. As urnas recebem votos somente a partir das 8h, horário para as quais estão programadas. Posteriormente, é possível ainda conferir todas as atividades do dia retirando uma espécie de extrato da máquina. O programa não permite que a votação seja encerrada antes das 17h.

No fim da votação, é realizada a impressão do boletim de urna, que mostra a quantidade de votos recebidos por cada candidato. "A partir desse momento, o resultado já é público. Essa também é uma garantia para evitar tentativas de fraude na totalização", sustenta Oliveira. Cópias dos boletins são distribuídas aos fiscais de partido e afixadas nas seções. A divulgação também é feita no site do TSE.

Para fins de totalização centralizada no TSE, as informações das urnas são gravadas em uma mídia e remetidas ao tribunal por meio de criptografia, através de um canal exclusivo. Conforme explica Oliveira, nunca houve divergência entre as informações dos boletins de urna e a totalização divulgada.

Mesmo assim, os partidos podem pedir a recontagem automatizada dos votos até 100 dias após o pleito. Nesses casos, eles têm acesso ao Registro Digital do Voto, o RDV, que funciona como a versão digital do voto, sem vinculá-lo a seus respectivos eleitores.

Por que o voto impresso seria uma forma inadequada de auditoria?

No modelo de votação impressa, o eleitor deveria conferir visualmente as informações do candidato em um visor. Se os dados estivessem corretos, o voto seria, então, depositado em uma urna plástica, lacrada. No entanto, falhas podem ocorrer no momento da impressão do comprovante. "Se a bobina trava, por exemplo, quem precisa interceder tem contato visual com esse papelzinho. Isso quebraria o sigilo do voto", argumenta Oliveira, ao recordar que em 2002 houve uma experiência problemática com esse modelo.

Com os votos impressos podendo ser contados manualmente, também haveria mais riscos de fraude, incluindo compra de votos, e dificuldades envolvendo até o transporte e armazenamento desse material.

Hoje, se alguma função da urna eletrônica trava durante a votação, o mesário vai até a parte de trás do aparelho e o reinicia, sem visualizar o voto do eleitor. As informações da votação, por sua vez, ficam descritas no RDV, embaralhadas.

Como buscar mais informações sobre o sistema eleitoral atual?

Por meio do site do TSE. Consultar agências de checagem de fatos também pode ajudar a evitar a disseminação de fake news sobre o assunto.