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Projeções de fotos de vítimas da covid ajudam famílias a lidarem com o luto

Rostos e sorrisos projetados ajudam famílias que não puderam velar seus parentes a se despedir - Divulgação
Rostos e sorrisos projetados ajudam famílias que não puderam velar seus parentes a se despedir Imagem: Divulgação

Giacomo Vicenzo

Colaboração para o Ecoa, em São Paulo

05/08/2021 06h00

Velas acesas refletem as luzes das labaredas no espelho d'água em volta do Museu Nacional da República em Brasília (DF), suas paredes brancas e curvas, que guardam obras de arte, há cerca de um mês servem de tela para a projeção de memórias da vida real de pessoas que foram vítimas da covid-19, que são exibidas com frases curtas e mensagens que emocionam.

Essas são as atividades da ação 'Amores que Perdemos', idealizada pelo Coletivo Movimenta, que recebe fotos enviadas por pessoas que perderam amigos, parentes e companheiros para a doença que mudou os processos tradicionais de luto e velórios, o que pode ter tornado o momento da última despedida mais dolorosa ou até mesmo inexistente para alguns.

"Queremos homenagear quem partiu, acolher quem fica e contribuir para que a memória coletiva sobre esse momento envolva respeito e cuidado. Estamos em uma das maiores tragédias do país e não perder a sensibilidade é fundamental", diz o sociólogo Raphael Sebba, 30 anos, um dos criadores da iniciativa.

O evento é gratuito e conta com a participação de cerca de 20 voluntários para ser realizado. Eles ajudam desde a projeção até a organização e recebimento das fotos que chegam ao grupo via e-mail.

"Tudo é absolutamente voluntário, fazemos vaquinha para comprar velas, pessoas do coletivo se dispuseram a abrir as mensagens e fotos que chegam nos e-mails e realizar a edição dos arquivos para poderem ser projetados. É um projeto quase sem custo, o mais caro é o projetor, mas o equipamento é emprestado", conta Sebba.

Amores que perdemos - Divulgação - Divulgação
Imagem de Ana Paula Santos ajudou o amigo Renan Santos a enfrentar o momento de luto
Imagem: Divulgação

"Choramos quando recebemos os relatos e as fotos. Acho que a sensação é a de estar fazendo o mínimo de justiça, de dar um abraço em alguém que precisa e, ao mesmo tempo, ser abraçado. Lembramos que temos que nos cuidar coletivamente. Que ninguém vive só e muitas vítimas não precisavam ter partido", completa.

Os organizadores têm o consentimento da direção do museu para fazer as apresentações que ocorrem uma vez por mês e são informadas com antecedência nas redes sociais do projeto.

Sebba lembra de momentos que marcaram as exibições de fotos: "Na primeira vez que projetamos, um grupo de policiais se aproximou e logo nos preparamos para apresentar os documentos de autorização do Museu, no entanto, eles vieram perguntar como poderiam encaminhar fotos, relataram o caso de colegas e familiares falecidos, estavam emocionados", conta.

Entre os homenageados também esteve a esposa de um dos operários que trabalhou na construção do Museu. Ele pode ver o rosto de sua falecida companheira projetado no prédio em que ajudou a construir. "A esposa faleceu em decorrência da covid-19 e foi homenageada nesse espaço que ele deu forma. Naquelas paredes estavam o grande amor de sua vida e uma grande obra do seu trabalho, é importante perceber o quanto isso é significativo", diz Sebba.

Uma forma de amenizar o luto a distância

Para Renan Santos da Silva, 22, analista de programas educacionais, ver a imagem de sua amiga Ana Paula Santos projetada nas paredes o ajudou a enfrentar o momento de luto. "Passar pelo luto é essencial na psicologia humana, entretanto, durante a pandemia esse processo se torna muito mais difícil, não podemos participar do velório, nem encontrar com os amigos em comum ou com a família de quem partiu", comenta.

Silva, que viveu toda a vida em São Paulo [onde Ana também vivia], e está há um ano na Bahia, não pode ir ao velório, e enviou a foto da amiga falecida aos 21 pela covid-19 ao projeto. "Conheci o projeto pela internet e decidi enviar a foto dela, não ameniza a dor, mas conforta saber que para mim e para familiares e amigos foi uma maneira muito simbólica de expor o quanto a Ana foi e é importante para nós", diz Renan.

O analista de planejamento Victor Garcia, 23, que também mora no estado de São Paulo, estava em um relacionamento com Ana havia dois anos e apesar de ter conseguido comparecer em seu velório, foi na projeção que acompanhou pelas redes sociais que pode ver o rosto dela. "Ver a foto, o sorriso que ela sempre carregava no rosto foi bom. O sentimento é complicado pois volta em flash na cabeça tudo que passamos", diz Garcia.

"Sempre vemos os números de pessoas que faleceram, mas não sabemos quem eram essas pessoas. Elas são de todas as idades e de todos os lugares. A ação ajuda a conscientizar sobre a covid-19, pois são muitos jovens, pessoas cheias de vida e energia, que tiveram seus sonhos interrompidos sem poder se despedirem", desabafa.

Para enviar fotos de pessoas para serem homenageadas na ação, basta encaminhar um e-mail com texto curto e imagens para: amoresqueperdemos@gmail.com ou entrar em contato pelo perfil do Instagram
O Coletivo Movimenta, que idealiza a ação 'Amores que Perdemos', realiza ações permanentes de solidariedade, arrecadando alimentos, agasalhos, cobertores e outros. Para doar ao movimento como um todo, entre em contato com o perfil @movimenta.df