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Focados em gestão territorial, povo Sateré-Mawé exporta guaraná para Europa

Obadias e integrantes do Nusoken, consórcio Sateré-Mawé - Divulgação
Obadias e integrantes do Nusoken, consórcio Sateré-Mawé Imagem: Divulgação

Gabriel Ferreira

Colaboração para Ecoa, em Manaus (AM)

30/06/2021 06h00

"A política do comércio justo é complicada de entender por ser diferente do convencional", diz Obadias Batista Garcia, 60, da etnia Sateré-Mawé. "No convencional você compra, dá o dinheiro pro produtor e não está nem aí mais. Nós temos compromisso de fazer gestão territorial, para isso precisamos de treinamento. Então a gente investe nesse sentido da formação intelectual dos produtores. Custa muito caro, porque aqui só se viaja por rio mesmo".

Como explica Obadias, muito além da ideia de negócio lucrativo no ramo empresarial, o Nusoken, consórcio dos produtores Sateré-Mawé, que significa lugar das pedras, surgiu a partir de um projeto de gestão territorial indígena na região do Baixo Amazonas.

Uma luta iniciada pela demarcação da Terra Indígena Andirá Marau, de 788 mil hectares, ainda no ano de 1978, que se estendeu até a homologação do território, em 1986, foi o estopim para criação do projeto que desenvolveria o consórcio anos mais tarde.

Ordem na casa

Primeiramente, em 1987, as lideranças indígenas da etnia criaram o Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), com objetivo de manter a ordem no território demarcado, após saída de uma petrolífera francesa que realizava prospecção de petróleo na região na década de 80. Além disso, a organização institucional serviu para lutar contra a exploração indígena pelos regatões ["comerciantes que vendem seus produtos, de município em município, num barco"], que também realizavam um busca desenfreada por recursos naturais no território.

Dessa forma, surgiram as organizações dos professores e de agentes de saúde no ano de 1993, com o Projeto Guaraná, que contemplava a ideia do consórcio. Com a certificação do projeto, em 2006 foi constituído o Consórcio de produtores Sateré-Mawé dentro do estatuto do conselho geral, formado por Tuxauas [liderança semelhante ao cacique] e demais lideranças indígenas. A ideia era exportar produtos naturais, desenvolvidos pelo conceito agroflorestal, que é uma prática milenar dos povos indígenas.

Segundo Obadias Garcia, idealizador do projeto, em 2008 iniciou-se o desenvolvimento do consórcio como prática comercial, sobretudo como meio de transformação do Waraná, o guaraná nativo como negócio, e que tem, à frente da iniciativa, o seu filho Sergio Wara Garcia, como presidente.

O modelo de comércio seguido na iniciativa é do preço justo, criado em 1960 na Holanda. Nesse processo, fazem parte 336 famílias produtoras, sobretudo do guaraná, tratado como carro chefe dos produtos vendidos pelo consórcio.

"Cada produtor fica atrás do produto para trabalhar que eles estão certificados. Nós temos guaraná, carro chefe, depois vem copaíba, óleo de andiroba, ipê roxo, folhas de guajiru, mel de abelha, urucu, jenipapo. Esses são produtos que comercializamos. As famílias produtoras vão trabalhar na produção de acordo com os pedidos cadastrados", disse Obadias.

Atualmente, o escritório do consórcio Nusoken está sediado no município de Parintins, situado a 369 km, em linha reta, de Manaus. Nesse espaço, ocupa parte da linha de produção dos itens para venda, onde são preparados e embalados para exportação, que é feita para Manaus, e depois distribuída para países da Europa.

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Produtos do consórcio Sateré-Mawé Nusoken prontos para serem despachados
Imagem: Divulgação

Compradores internacionais e impacto da pandemia

O consórcio trabalha com a venda dos produtos para dois compradores. Uma cooperativa na Itália e uma pequena empresa familiar, na França, que faz distribuição dos produtos para mais de três mil lojas no país, além de 22 países, que engloba os continentes da África, Ásia e Europa.

Não há parceria de órgãos públicos, ou demais poderes. O Consórcio realiza empréstimo na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para antecipação de estoque das compras. Por se tratar de negociação do comércio justo, Obadias explica que "os compradores não pagam adiantado, eles pagam uma parte no pedido, e outra metade na entrega.".

O valor de arrecadação do consórcio varia de R$ 800 mil a R$ 1, 2 milhão, de acordo com o líder indígena. Outro fator apresentado por ele é que a compra é feita a partir do projeto de gestão territorial Guaraná, onde está integrado o consórcio.

"A gente faz reuniões, articulações, seminários, treinamentos dos produtores para que a gente possa ser autossustentável, e os produtores entenderem a política, que é muito difícil".

Efeitos da pandemia

Obadias Garcia afirma que a pandemia do novo coronavírus não atrapalhou os negócios do consórcio indígena: "porque o pedido continuou. Como é exportação, não afetou em nada, aí, a gente mandava para Europa sem problema nenhum", disse. O trabalho era feito de portas fechadas, e por não ter comércio local, os pedidos eram atendidos por delivery.

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Elaíze Farias
Imagem: Juliana Pesqueira

Elaíze Farias
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