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Projeto de universitários ajuda jovens de todo o país a entrar na faculdade

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Imagem: Reprodução

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

23/06/2021 06h00

Assim como muitos estudantes que desejam cursar medicina, Renata Silva Faria, de Goiânia (GO), passou quatro anos tentando passar no vestibular - até que, no fim do ano passado, conseguiu. Aos 21 anos, ela está esperando as aulas da Universidade Federal de Goiás (UFG) começarem.

Renata já queria ser médica desde criança, mas o plano ganhou força quando, aos 15 anos, foi diagnosticada com esclerose múltipla. "Por ter demorado a receber o diagnóstico, acabei perdendo a visão de um olho", conta. "Mas depois conheci meu atual médico, que é um exemplo de ser humano e profissional. Ele me inspirou ainda mais a estudar para que, no futuro, eu ajude a evitar que isso aconteça com outras crianças".

O caminho até aqui exigiu muito esforço e persistência, e a chegada da covid-19 no começo de 2020 foi um desafio a mais. "Eu estava meio desesperada, porque a pandemia havia começado e eu estava desempregada, então não tinha dinheiro para pagar curso nenhum. Estava prestes a desistir", lembra. Foi então que ela viu um anúncio nas redes sociais de um pré-vestibular gratuito. "Fiquei empolgada porque essa seria a minha oportunidade de estudar".

O curso era o explicaENEM, um projeto criado naquele ano por um grupo de universitários. Gratuito, online e destinado a estudantes de baixa renda, o curso oferece aulas e materiais voltados ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Incômodo que levou à ação

Maria Eduarda Marszalek, uma carioca de 22 anos, foi quem teve a ideia. Por causa do trabalho do pai, que é militar, ela se mudou muitas vezes ao longo da vida e estudou em diversas escolas pelo Brasil até se estabelecer em Manaus (AM), onde fez faculdade de direito.

Maria Eduarda Marszalek, fundadora e presidente do explicaENEM - Divulgação - Divulgação
Maria Eduarda Marszalek, fundadora e presidente do explicaENEM
Imagem: Divulgação

Em maio de 2020, tudo estava planejado para que pudesse se formar na universidade - faltava apenas uma matéria para pegar o diploma. Com o coronavírus, as aulas foram paralisadas e ela decidiu passar um tempo na casa dos pais, que estavam morando em Brasília.

Ali, voltou a conviver com o irmão mais novo, que estava se preparando para o vestibular. "Ele estudava em um bom colégio, mas estava sofrendo para conseguir acompanhar as aulas remotas. Aquilo me incomodou, porque comecei a pensar em como estava sendo para quem não tem os mesmos privilégios e não dispõe das ferramentas necessárias para o ensino a distância", lembra.

Disposta a fazer algo, ela procurou amigos interessados em pautas de educação e propôs começar uma iniciativa que ajudasse alunos de escola pública a entrar na universidade. Para ajudar a custear o projeto, falou com a embaixada dos Estados Unidos, com quem já tinha contato por ter sido bolsista em um programa de intercâmbio. A ideia foi bem aceita e rendeu um aporte inicial de R$ 2 mil.

O passo seguinte foi conseguir mais voluntários, o que foi alcançado com rapidez. Só no boca a boca, a primeira reunião oficial do explicaENEM já contava com 30 pessoas dispostas a ajudar. Hoje, pouco mais de um ano depois, são 500 voluntários de todo o Brasil - incluindo alguns brasileiros que moram no exterior. "Reuni pessoas que conheci em várias fases da vida, e cada um foi convidando mais gente, que convidou mais gente", conta.

Vídeos curtos e mentoria

Na hora de tirar o projeto do papel, Maria Eduarda e os outros voluntários procuraram se antecipar às possíveis dificuldades que seus alunos enfrentariam. "Com a pandemia, é claro, as atividades não poderiam ser presenciais. Mas também não queríamos acabar com a franquia de internet de todo mundo com vídeos muito longos", explica.

A saída foi gravar vídeos mais curtos, de até 15 minutos, e disponibilizá-los no YouTube e WhatsApp. Considerando que muitos vestibulandos precisam trabalhar e não conseguem se dedicar em tempo integral aos estudos, as apostilas também são mais curtas e diretas. Há também plantões de dúvida online todos os dias e simulados periódicos para testar os conhecimentos.

O treino para a prova de redação recebe atenção especial: "Conseguimos reunir uma equipe de tecnologia muito forte, que desenvolveu uma plataforma capaz de distribuir os textos para três corretores diferentes. Isso evita correções 'viciadas', pois a nota é uma média de todas as recebidas", afirma a fundadora. O método tem dado certo: segundo ela, vários alunos conseguiram nota acima de 900 na redação do Enem, e muitos dobraram sua pontuação desde que começaram o curso.

Além disso, alguns alunos são acompanhados de perto por mentores para ajudar nos estudos e em seu desenvolvimento pessoal, como foi o caso de Renata e de outros 269 jovens. "Para mim, a mentoria personalizada e as redações corrigidas foram com toda certeza a maior vantagem", afirma a estudante.

Há no projeto, hoje, cerca de 1.200 alunos assíduos, que fazem todos os simulados e atividades propostas. São pessoas de todas as unidades federativas do país, especialmente da região Nordeste. Já os inscritos que "vão e voltam" são cerca de 3 mil.

Organização e gestão de pessoas

O explicaENEM funciona quase como uma empresa. Além dos professores e mentores, há um time de marketing, programadores, editores de vídeo, um comitê de qualidade e até uma equipe de gestão de pessoas - todos voluntários.

Reunião online entre os participantes do projeto explicaENEM - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Reunião online entre os participantes do projeto explicaENEM
Imagem: Arquivo Pessoal

"A experiência do voluntário é muito importante para a gente. Como não tem retorno financeiro, precisamos nos preocupar em como deixá-los satisfeitos e envolvidos", explica Maria Eduarda.

Uma das soluções encontradas foi criar um canal de comunicação na ferramenta Slack só para o compartilhamento de relatos dos estudantes, já que muitos não têm contato direto com eles. "Todos queriam ver o impacto do seu trabalho. O mentor conhece bem a história do aluno, mas a pessoa que faz a apostila, não", conta. Também há um canal para a divulgação de oportunidades de trabalho aos voluntários.

Hoje, existe até lista de espera para quem deseja colaborar. Há também um processo seletivo e algumas exigências, dependendo do trabalho a ser executado. Para ser professor de redação, por exemplo, o ideal é que a pessoa tenha tirado nota acima de 900 no Enem.

No fim de 2020, o projeto virou uma associação sem fins lucrativos para conseguir receber doações de empresas. Para 2021, o plano é desenvolver a área de captação de recursos e parcerias e atrair empresas para patrocinar turmas, algo que já foi feito no passado.

"Além de ajudar o projeto financeiramente, é algo muito legal para a empresa, pois os funcionários se envolvem e ficam felizes em acompanhar a evolução dos alunos. E, no fim das contas, estamos ajudando a qualificar novos profissionais que poderão querer trabalhar ali no futuro", explica Maria Eduarda.

Em tempo: ela conseguiu se formar em direito e passou em um mestrado numa universidade dos Estados Unidos, para onde deve se mudar no segundo semestre. "Vou continuar tocando tudo de lá!", promete.