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Recém descoberta, plantinha em risco é pista para origem da Mata Atlântica

Dryades concinna de Itacaré, na Bahia - Milton Groppo/Divulgação
Dryades concinna de Itacaré, na Bahia Imagem: Milton Groppo/Divulgação

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo (SP)

02/06/2021 06h00

O mundo ficou sabendo no ano passado, mas a pesquisa vinha desde 2009: cientistas identificaram um novo tipo de planta que pode revelar como surgiu a vegetação da Mata Atlântica há milhares de anos, mas é preciso correr contra o tempo. A pequena espécie encontrada entre as regiões Sudeste e Nordeste sofre risco de desaparecer para sempre na natureza.

As plantas do novo gênero Dryades estão em cidades como Ilhéus, na Bahia, mas não são tão fáceis de achar e podem ser confundidas com folhas de laranjeiras e goiabeiras. A interpretação não é tão incorreta assim: as Dryades são da mesma família das laranjas, limões e tangerinas.

Acontece que botânicos a colocavam dentro do gênero Conchocarpus. Com isso, acreditava-se na existência de milhares de "parentes" diretos da plantinha espalhados pela América Latina. Mas após análise genética em laboratório, os cientistas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, descobriram que as Dryades são parte de um gênero completamente novo.

Quando uma nova espécie é identificada, os cientistas precisam batizá-la com um termo ainda não utilizado para descrever outra espécie. Assim, foi escolhido Dryades.

Na mitologia grega, as Dríades são ninfas associadas à preservação das árvores e florestas. O nome faz sentido.

Com a ajuda da planta, é possível mapear quando houve mutações que as diferenciam das outras presentes no bioma. É o chamado "relógio molecular". Por este 'relógio', que cruza informações genéticas semelhantes e diferentes entre plantas, é possível "escrever" a história de milhões de anos da Mata Atlântica e descobrir a trajetória ao longo dos séculos. E essa é só uma das possibilidades oferecidas pela dríade.

Já nascem extintas

As Dryades são pequenas arvorezinhas, que dão sempre próximo ao chão, não chamam muita atenção e não dão frutos. Os botânicos a dividiram em cinco espécies dentro do gênero, e entre elas costuma haver uma folhinha esbranquiçada com pontinhos.

Para encontrá-las, os cientistas dirigiram por estradas de terra em Ilhéus e Itacaré que já estavam ocupadas pela agricultura ou por moradias. "É capaz que muitas já não estejam mais lá", afirma o professor Milton Groppo. Com o novo gênero, algumas espécies de Dryades já constam como ameaçadas de extinção.

Mata Atlântica

A Mata Atlântica já foi um dos maiores biomas brasileiros, indo do norte do Rio Grande do Sul, subindo pelo litoral do Sudeste e expandindo-se a estados do Nordeste, como Bahia e Maranhão. Por se espalhar por 17 estados brasileiros densamente povoados, também foi bruscamente reduzida. Segundo a Fundação SOS, hoje restam apenas 12% da vegetação original da região.

Um número incontável de espécies animais e vegetais dependem exclusivamente das áreas verdes que sobraram deste bioma. É o caso do famoso mico-leão-dourado, que só existe na Mata Atlântica fluminense, e é o caso das recém-descobertas Dryades. São as chamadas espécies endêmicas que só existem ali.

Não à toa, o nome Dryades é uma homenagem aos estudos do botânico alemão Carl Friederich von Martius (1840-1869). Em uma expedição pelo Brasil há 200 anos, ele batizou a Mata Atlântica de Dríades, como uma espécie de protetora na linha de frente dos outros biomas brasileiros, como a Caatinga e a Amazônia.

Segundo o professor Groppo, há plantas que continuam a desaparecer sem que sejam identificadas e aproveitadas para contar a história natural do nosso país. Ou mesmo para objetivos mais práticos, como a criação de remédios.

As conclusões foram publicadas em janeiro na revista Molecular Phylogenetics and Evolution e fazem parte de um estudo que busca mapear toda a história natural da Mata Atlântica — um projeto que, literalmente, corresponde a décadas da vida de um cientista.

Dryades gaudichaudiana encontrada por pesquisador - Milton Groppo/Divulgação - Milton Groppo/Divulgação
Dryades gaudichaudiana encontrada por pesquisador
Imagem: Milton Groppo/Divulgação

A descoberta das Dryades pode estimular a criação de uma área de proteção ambiental, ou ao menos de determinadas espécies. O próprio professor Groppo não bota muita fé que uma plantinha tão pequena consiga um espaço protegido só seu, mas agora sabemos como ela carrega uma história importante sobre como as plantas chegaram até aqui conosco.