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Ginasta e modelo, Chelsea Werner desafia estereótipos da síndrome de Down

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Imagem: Divulgação

Carolina Vellei

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

28/05/2021 06h00

Ray e Lisa Werner, da Califórnia, nos Estados Unidos, buscavam para sua filha Chelsea uma opção de exercício físico para que ela crescesse o mais saudável possível. Tentaram primeiro o futebol, mas a menina escapava dos treinos sempre que podia. Vieram outros esportes, mas a busca só chegou ao fim quando testaram uma opção mais ousada: a ginástica olímpica.

Para a pequena Chelsea, foi amor à primeira vista. Sua paixão e dedicação renderam bons frutos: hoje com 29 anos, ela acumula quatro vitórias em campeonatos nacionais e outras duas em competições internacionais.

Essa história, por si só, já é digna de destaque. O que mais surpreende, no entanto, é que Chelsea nasceu com síndrome de Down e só se tornou ginasta porque seus pais decidiram desafiar todos os prognósticos dados pelos médicos.

Ao receberem a confirmação sobre a síndrome, os dois foram informados de que a menina teria uma série de limitações durante a vida e que, muito provavelmente, não desenvolveria a musculatura devido à sua condição genética. Atualmente sabe-se que essas informações não possuem base científica. Mas, mesmo sem saber disso na época, os pais estavam dispostos a provar que a filha poderia ter uma vida ativa e saudável.

Uma treinadora que fez toda a diferença

Tudo começou quando Chelsea fez 8 anos e seus pais a colocaram para treinar na Special Olympics, uma organização internacional criada para apoiar atletas com deficiência. Nas primeiras competições de que participou, ficou em último lugar em todas as vezes. Na época, ela não se importava muito com o resultado.

Mas, em 2006, o comitê da Special Olympics do norte da Califórnia abandonou seu programa de ginástica, deixando Chelsea sem ter como treinar e forçando sua família a pagar as contas de viagens e treinamento. O pai, Ray, decidiu então montar uma organização sem fins lucrativos para ajudar a arrecadar fundos para patrocinar os gastos nas competições.

Com o passar do tempo, a menina entendeu o que a pontuação baixa significava para a sua carreira. Ela viu que aquela atividade, na qual se divertia tanto, também era importante para a sua vida profissional e para a comunidade de pessoas com Síndrome de Down.

"Ela percebeu que teria que trabalhar duro se quisesse conquistar medalhas", disse a treinadora Dawn Pombo ao Today. A profissional, com anos de experiência na ginástica artística, passou a treinar Chelsea nessa época e foi a primeira treinadora a tratá-la como qualquer outra atleta: acreditando em seu potencial e não colocando limitações que fossem baseadas em preconceitos.

O pai relembra os primeiros momentos da parceria. "Os treinos iniciais foram muito engraçados porque os outros pais ficariam horrorizados com o fato de a treinadora estar gritando com uma atleta com Síndrome de Down", contou Ray em um programa de TV. Da arquibancada, ele encorajava: "Vá em frente, muito bom. Trate-a como qualquer outra pessoa".

Esse foi o início de uma nova jornada. Chelsea passou a dedicar 16 horas semanais ao esporte e os resultados dos treinos mais puxados vieram rápido. A garota, que antes mal conseguia ficar de pé na trave de equilíbrio, avançou para um nível que muitos pensavam ser impossível.

A família ficou surpresa com o avanço. A mãe, Lisa, explica que a filha começou a melhorar muito rapidamente ao começar a trabalhar com uma treinadora que realmente a tratava como as outras ginastas.

Dawn trabalhou pacientemente ao longo dos anos e desenvolveu seus próprios métodos de treinamento. "Chelsea tinha muita energia! Para ela, era mais sobre correr do que aprender ginástica. Ela também era muito teimosa, então tivemos que ser criativos para contornar isso. Não tenho vergonha de dizer que a subornei com coisas que sabia que ela amava para que ela tentasse novamente", relembra.

Com a profissional, a família encontrou uma defensora e motivadora especial que ajudou a filha a participar de competições para pessoas com e sem deficiência.

Inspiração para outras pessoas

Sob o treinamento de Dawn, a menina ganhou o Campeonato Nacional de Ginástica das Olimpíadas Especiais quatro vezes, o Campeonato Internacional de Síndrome de Down duas vezes. Ciente do enorme potencial de Chelsea para inspirar outras pessoas, Lisa está sempre alerta para que a filha aproveite as oportunidades de se desenvolver e contar sua história com dignidade.

Grande parte da base de fãs em sua página no Instagram (@showtimewerner) é formada por familiares de crianças com Síndrome de Down que são gratos pelo exemplo da atleta. "Recebemos e-mails e mensagens o tempo todo de pais dizendo que ela lhes dá muita esperança", diz Lisa.

"Eles pedem conselhos, mas eu sempre digo: 'Seu filho será muito mais capaz do que qualquer um acredita. Encontre o que eles amam e, em seguida, encontre uma equipe que apoie isso.' Como eu disse: basta uma pessoa", acredita a mãe.

Um encontro especial

Da esquerda para a direita: Bart Conner (medalhista de ouro olímpico), Chelsea Werner (ginasta e modelo) e Nadia Comaneci (Embaixadora Global da Special Olympics e medalhista de ouro olímpica) no set do filme Fall Out 2 - Divulgação/ Special Olympics - Divulgação/ Special Olympics
Da esquerda para a direita: Bart Conner (medalhista de ouro olímpico), Chelsea Werner (ginasta e modelo) e Nadia Comaneci (Embaixadora Global da Special Olympics e medalhista de ouro olímpica) no set do filme Fall Out 2
Imagem: Divulgação/ Special Olympics

Chelsea também fez uma aparição no cinema ao contracenar ao lado de Nadia Comaneci e seu marido Bart Conner, ambos medalhistas de ouro olímpicos e embaixadores globais da Special Olympics.

Disponível na Netflix, o filme Full Out 2 foi lançado em 2020 e traz a história de uma equipe de ginástica feminina da Universidade de Oklahoma em busca do bicampeonato nacional. Chelsea interpreta a assistente da treinadora e encoraja os membros da equipe, demonstrando suas habilidades.

Para a atleta, foi muito especial a oportunidade de estar ao lado de uma das maiores ginastas do mundo. Comaneci, tal como Chelsea, superou muitos limites antes de brilhar no esporte. Nascida na Romênia, foi a primeira atleta a receber um dez na história da ginástica artística. A façanha aconteceu nas Olimpíadas de Montreal, em 1976, competição que lhe rendeu cinco medalhas quando tinha apenas 14 anos.

Conquistando o mundo da moda

Ginasta e modelo, Chelsea Werner desafia estereótipos da síndrome de Down - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

A maior diversidade no mundo da moda, que vem crescendo nos últimos anos, tem dado chance para que pessoas que antes não se viam representadas começassem a ver tipos de corpos semelhantes aos seus nas passarelas e revistas. Chelsea também vem contribuindo para o aumento da visibilidade das pessoas com Down no mundo fashion.

A vida de modelo, no entanto, não foi planejada. Tudo começou quando a atleta recebeu um convite da marca de roupas H&M para uma campanha que seria rodada em Havana, capital de Cuba.

Felizes com a ideia de viajar e viver uma experiência completamente nova, ela e sua família aceitaram a proposta. Deu tão certo que, desde 2016, a jovem já foi capa da Teen Vogue, desfilou pela New York Fashion Week e percorreu o mundo trabalhando como modelo.

Christina Fullmer, porta-voz da marca de roupas Myra Leana, pediu que o Chelsea participasse de um de seus desfiles, em 2018. Ela explicou que a escolha foi feita porque a atleta representa o exemplo perfeito de mulher que supera desafios todos os dias. Christina elogiou a atuação profissional da modelo, pois ela "simplesmente vai lá e não tem medo". "Acho que todos nós temos muito a aprender com alguém como Chelsea", concluiu Fullmer em entrevista a um canal de TV.

Para sua mãe, o mundo da moda está se abrindo para as diferenças, mas as discussões ainda giram muito em torno de questões raciais ou relacionadas ao peso. "Quando se trata de modelos com deficiência, é muito raro. Uma grande parte da população hoje tem alguma forma de deficiência. Eles querem e merecem ser representados", defendeu Lisa em entrevista à Forbes.