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Capitais precisam rever o Plano Diretor. Mas para que ele serve?

O Plano Diretor da cidade de SP reconheceu a existência de uma zona rural na capital paulista, em 2014 - Leonardo Soares/UOL
O Plano Diretor da cidade de SP reconheceu a existência de uma zona rural na capital paulista, em 2014 Imagem: Leonardo Soares/UOL

Jennifer Ann Thomas

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

18/05/2021 06h00

Para garantir o crescimento ou o desenvolvimento ordenado das cidades, o ideal é que seja formulado um conjunto de regras para definir quais ações poderão ser colocadas em prática. Chamado de Plano Diretor, o documento é, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), "o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana dos municípios brasileiros, permitindo que estes estabeleçam metas de programas que tenham como objetivo principal garantir que a cidade cumpra sua função social".

Em algumas capitais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, o Plano Diretor deve ser revisado neste ano de 2012. No entanto, entidades da sociedade civil pedem que o instrumento seja revisto após a pandemia, para que todos os setores interessados participem da discussão. Segundo a pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros (MUNIC) 2018, realizada pelo IBGE, 53,4% dos municípios com mais de 20.000 habitantes, nos quais o Plano Diretor é obrigatório para o planejamento urbano, possuíam um Plano Diretor. Ou seja, 46,6% dos municípios que deveriam ter esse planejamento ainda não o tinham.

Para que serve o plano diretor municipal?

De acordo com o arquiteto e sócio do escritório Natureza Urbana, Pedro Lira, o Plano Diretor define o desenho de uma cidade. "O instrumento acaba por moldar todo o espaço ocupado, tanto o construído com o urbano. Ele estabelece as regras sobre como as edificações serão feitas, se haverá estacionamento, se os apartamentos serão maiores ou não, entre outras características", afirmou. De acordo com o arquiteto, dentro de uma cidade, o espaço é o resultado entre as edificações, que se tornam as áreas livres. "As decisões que são tomadas na hora de escrever uma regra têm um impacto em todas as pessoas. É o que cada cidadão vai encontrar não só quando caminhar pela cidade, mas também dentro de suas próprias casas, pois elas são o resultado dessas regras", disse.

Como o Plano Diretor pode mudar o dia a dia nas cidades?

Em 2014, quando foi aprovado o último plano diretor de diversas cidades, a principal discussão em São Paulo foi sobre aproximar a população trabalhadora das regiões com maior concentração de emprego. De acordo com a especialista em planejamento urbano da Ramboll Brasil, Alejandra Devecchi, que também atuou como Diretora de Planejamento Ambiental na Prefeitura de São Paulo entre 2007 e 2020, sete anos atrás o debate foi sobre promover o maior adensamento demográfico nos locais com concentração de empregos, como nas áreas centrais e nos centros expandidos. "O deslocamento do emprego é o grande estruturador da dinâmica da cidade. A população tem que acordar todos os dias e se deslocar, às vezes por três ou quatro horas apenas para chegar ao local de trabalho", disse.

Em 2014, o plano diretor permitiu a construção de novos edifícios, e com maior concentração de moradores, ao longo de corredores de transporte público e próximos a estações de metrô e de trem. Contudo, o plano não teve o resultado esperado. "Na prática, vemos muitos estúdios de 30 metros, o que não viabiliza o adensamento demográfico. Os valores são inviáveis para famílias da classe trabalhadora e os imóveis acabaram se tornando opções de investimento", explicou Alejandra. Em 2014, o Plano Diretor também limitou o número de vagas de garagem em prédios e previu medidas para estimular o uso de transporte coletivo.

Como o Plano Diretor pode ser usado para atingir a sustentabilidade e a equidade?

A forma como as pessoas de diferentes classes sociais ocupa os territórios determina como elas terão acesso a direitos básicos e o impacto que será causado no meio ambiente. De acordo com um levantamento da Ramboll Brasil, entre as 27 capitais brasileiras, 11 cidades, 41% do total, precisam de revisão em seus planos diretores para contemplar os efeitos das mudanças climáticas. "Nas cidades, a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa é o deslocamento motorizado. Com a redução desse trajeto, a relação será positiva e imediata", afirmou Alejandra. "Promover a aproximação da população ao local de emprego é também uma medida alinhada à política de mitigação das mudanças climáticas", afirmou.

De acordo com Pedro, outra solução para promover a equidade nas cidades é abrir os espaços verdes que são privados. "Em muitos condomínios, a área verde é ociosa e usada só por moradores privilegiados. Às vezes, ela é totalmente residual. Caso essas áreas fossem abertas, teríamos inúmeras praças e parques abertos da noite para o dia", afirmou. Segundo o arquiteto, os espaços abertos já existem, o que falta é repensar o projeto urbano, que derrubaria o muro dos condomínios, e transformar os locais para que sejam acessíveis a toda a população.

De que forma a sociedade civil pode participar do processo?

No caso de São Paulo, maior cidade do país, a prefeitura afirma que "a participação social é essencial para a construção de uma proposta de revisão à altura dos desafios e pluralidades de São Paulo". Além do cadastramento por chamamento público, entidades da sociedade civil podem fazer parte de audiências públicas e conselhos participativos. De acordo com Alejandra, a sociedade civil vem se estruturando para participar dos processos. "É preciso ter representantes das comunidades que traduzam os anseios individuais", afirmou. "Em uma situação de pandemia, não há como viabilizar a participação de todos por causa da barreira que significa participar pela internet. O atual momento cria restrições para a participação popular", disse.