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Por que amamentar é mais do que uma questão de saúde do bebê?

Por que amamentar é mais do que uma questão de saúde? - iStock
Por que amamentar é mais do que uma questão de saúde? Imagem: iStock

Marcelle Souza

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

12/05/2021 06h00

O aleitamento materno é um direito respaldado pela Constituição Federal, previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e regulamentado por publicações específicas do Ministério da Saúde. Além de trazer benefícios para a mãe e o bebê, amamentar é uma questão de política pública, com reflexos na educação, na economia e na saúde da população.

Nesse sentido, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Ministério da Saúde recomendam que bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno, sem a adição de outros líquidos, como chás, sucos ou água, até os seis meses. Após essa idade, o aleitamento deve ser mantido de forma complementar até os dois anos.

No entanto, como amamentar seu filho se você não tem um emprego formal que lhe dá direito a licença maternidade? Ou se quase metade das mulheres grávidas são demitidas dois anos depois de parirem? Isso mesmo, metade das mulheres que tiveram filhos perderam o emprego até dois anos após a licença-maternidade, diz estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com 247 mil mulheres entre 25 e 35 anos.

E quem são as pessoas que mais sofrem com a falta de empregos formais no Brasil? Segundo uma análise feita por Marilane Teixeira, economista do CESIT-Unicamp, nos dados da PNAD Contínua do IBGE , em 2018, o emprego formal caiu de 32,2% para 30,5% entre as mulheres negras, número inferior à proporção de mulheres brancas com empregos formais (36,8%)

Não é de se assustar, então que, no Brasil, segundo dados do Enani (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil), divulgado em 2020 pelo Ministério da Saúde, apenas 45,7% das crianças recebem exclusivamente leite materno até os seis meses. Entre os bebês de um ano, em 53,1% o aleitamento era feito de forma complementar à alimentação.

Por que isso acontece?

Especialistas dizem que dois são os fatores principais para o desmame precoce: a falta de informação e de uma rede de apoio.

"No pós-parto, mãe e bebê estão descobrindo a amamentação. Trata-se de um período delicado e é preciso que tenham tanto apoio profissional quanto da família", diz Bruna Alves, consultora em aleitamento materno, parteira e obstetriz na Casa Ângela, um centro de parto humanizado conveniado à Prefeitura de São Paulo, localizado na periferia da cidade, onde o tema é abordado desde o pré-natal até o pós-parto, com encontros e consultas sobre amamentação.

Para as demais, Alves diz que, em caso de dúvida, é possível procurar qualquer banco de leite humano (são mais de 200 em todo o país), que possuem profissionais capacitados para orientar as famílias de forma adequada.

Qual a importância da licença-maternidade?

A rede de apoio também é formada pela família, pela comunidade, pelas empresas e pelo Estado, que devem dar suporte emocional e material para mãe e bebê.

Segundo o Enani, aos 4 meses, quando a licença-maternidade é garantida para todas as mulheres inseridas no mercado de trabalho formal, 60% dos bebês são alimentados exclusivamente com leite materno, porcentagem que cai para 45,7% aos seis meses. "Esses dados mostram a importância da licença-maternidade estendida para seis meses, que hoje é limitada a mulheres que trabalham em Empresas Cidadãs e funcionárias púbicas", diz o médico Moisés Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

No caso das que trabalham de maneira informal, o desmame pode acontecer de forma ainda mais precoce. Segundo a pesquisa Estatísticas de Gênero do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019, menos da metade (49,7%) das mulheres negras que são mães de crianças até 3 anos de idade estavam inseridas no mercado de trabalho. O percentual de mães brancas de crianças da mesma idade, inseridas no mercado de trabalho, era de 62,6%.

Leite materno é mais nutritivo?

As fórmulas infantis disponíveis no mercado se aproximam do leite natural, mas não possuem todos os nutrientes e os anticorpos presentes no leite materno.

"Não sabemos ao certo como isso acontece, mas, se o bebê está doente, a composição do leite materno muda. Ele também se transforma com a idade, para se adequar às necessidades da criança", explica Bruna Alves.

Além disso, o leite materno está pronto para o consumo e não requer preparo. "As fórmulas precisam de manipulação, o que pode trazer riscos maiores de contaminação se não forem tomados todos os cuidados. E se a preparação não seguir critérios corretos, a composição pode não ser a mais adequada para cada criança", explica o médico da SBP.

Substituir o leite materno pelo de outros animais, por sua vez, pode causar episódios de diarreia, alergias, diminuição da absorção de minerais e problemas respiratórios, além do maior risco de desnutrição.

Isso acontece porque o leite de vaca, por exemplo, possui quantidade três vezes maior de proteínas do que humano, e o sistema digestivo do bebê ainda não está preparado para quebrar esse volume de forma eficiente.

Por que aleitamento é tema de saúde pública?

A amamentação exclusiva até os seis meses reduz em 12% o risco de mortalidade nessa faixa etária. Até o primeiro ano de vida, a queda é de 50% segundo dados do Ministério da Saúde. Isso acontece porque o leite materno protege as crianças de infecções e tem efeitos positivos especialmente entre crianças com maior vulnerabilidade social.

Ele ainda diminui os riscos de, no futuro, a criança ter doenças como obesidade, hipertensão e diabetes tipo 1. Do ponto de vista coletivo, portanto, reduz a mortalidade infantil e os gastos com doenças crônicas. Para a mulher, a amamentação reduz o risco de câncer de ovário, útero e mama, osteoporose, infarto, diabetes tipo 2, e os consequentes gastos com esses tratamentos.

"Colocar o bebê para mamar logo após o parto faz com que o corpo da mãe produza ocitocina, hormônio que gera contração uterina, o que evita riscos de hemorragia e anemia", diz Bruna Alves.

Por conta do vínculo afetivo com o bebê, também diminui a ocorrência de depressão pós-parto. A amamentação faz o corpo da mulher queimar calorias e retornar com mais facilidade ao peso de antes da gestação.

Amamentação impacta na renda e condição social da população?

De acordo com a SBP, várias pesquisas mostram que crianças que foram amamentadas têm um QI (Quociente de Inteligência) em média 3,4 pontos maior do que as que não foram.

Um estudo publicado na revista científica The Lancet em 2015 que acompanhou 3,5 bebês durante 30 anos mostra que, quanto maior o período de amamentação na infância, maiores são os níveis de inteligência, escolaridade e renda na vida adulta. O impacto, portanto, pode ser percebido tanto a nível individual quanto coletivo.

Isso acontece porque, além de garantir a nutrição adequada, a amamentação é um importante estímulo nos dois primeiros anos de vida e faz com que a criança estabeleça vínculos afetivos, fundamentais para o seu pleno desenvolvimento.

Amamentação tem a ver com economia?

Uma pesquisa realizada em 2012 mostrou que se 90% das crianças fossem amamentadas exclusivamente com leite materno até os seis meses, os Estados Unidos poderiam economizar 13 bilhões de dólares (quase R$ 70 bi) por ano, além de evitar 911 mortes.

No Brasil, uma pesquisa publicada em 2004 na Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil concluiu que alimentar o bebê com fórmulas infantis ou leite tipo C custava, à época, respectivamente 35% e 11% do salário mínimo.

"Criança amamentada tem menores índices de adoecimento, com consequente redução de faltas de mães e pais no trabalho, favorecendo, dessa forma, a economia e a produtividade de cada empresa", afirma o médico.

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