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Drag rifa seus looks na pandemia para pagar contas e ajudar quem tem fome

Há 27 anos atuando como drag queen na noite de SP, Alexsander Vaz do Nascimento, quem dá vida à Lysa Bombom, encontrou em suas roupas o sustento na pandemia, e dividiu com quem tem fome - Arquivo pessoal
Há 27 anos atuando como drag queen na noite de SP, Alexsander Vaz do Nascimento, quem dá vida à Lysa Bombom, encontrou em suas roupas o sustento na pandemia, e dividiu com quem tem fome Imagem: Arquivo pessoal

Débora Rubin

Colaboração para o Ecoa, em São Paulo

28/04/2021 06h00

No dia 15 de março de 2020, Lysa Bombom fez sua última apresentação na Blue Space, casa noturna na Barra Funda, em São Paulo. No dia seguinte, como milhões de brasileiros, se viu trancada em casa e sem perspectiva de renda. Há 27 anos atuando como drag queen na noite paulistana, Alexsander Vaz do Nascimento, 47 anos, quem dá vida à Lysa Bombom, só ganha se trabalha.

E nunca faltou trabalho, "graças à Nossa Senhora de Aparecida", diz, de quem é devoto e carrega uma tatuagem no braço direito. Isso até o coronavírus aterrissar no Brasil. "Fiquei aflito: o que vai ser de mim? Vivo de arte e moro de aluguel, como vou sobreviver?".

A solução veio como um sopro divino: rifar as roupas usadas em suas quase três décadas de shows. Como parte de um olimpo de drags que conquistou seu lugar ao sol, Lysa teve sucesso imediato: colocou três looks para rifar e vendeu cem números por R$ 20 cada em apenas um dia e meio. "Fiz um acordo com Deus e Nossa Senhora; vou rifar minhas roupas de show e, se der certo, ajudar quem mais precisar".

Dos R$ 2 mil arrecadados na primeira rifa, ele pegou 20% (R$ 400) e comprou comida. Cozinhou, montou 45 marmitas e saiu, sozinho, para distribuir para as pessoas em situação de rua, no centro de São Paulo.

Alexsander Vaz do Nascimento, a Lysa Bombom - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Alexsander Vaz do Nascimento cozinha em casa e sai sozinho para distribuir marmitas para as pessoas em situação de rua, no centro de São Paulo
Imagem: Reprodução Instagram

Alexsander repetiu a experiência e, conforme a quarentena se esticava a perder de vista, as rifas se tornaram seu ganha pão - e partilhar o pão se tornou sua missão: hoje, faz o jantar solidário três vezes por semana. As rifas são feitas duas vezes por mês em lives-show em seu Instagram, uma forma de se manter financeiramente e seguir fazendo o que mais ama, performar como Lysa Bombom.

De torneiro mecânico a drag

Alexsander já passou fome. Isso foi pouco depois de descobrir o que queria fazer da vida. Ele tinha vinte anos e trabalhava como torneiro mecânico quando, certo dia, estava assistindo ao programa da Hebe, que recebia em seu sofá algumas drags famosas na época (meados dos anos 90). Uma delas em particular, Dimmy Kieer, o deixou completamente fascinado. Daí para criar sua personagem foi um pulo. Pegou o nome emprestado de Liza Minnelli, Bombom por ser seu doce favorito, aprendeu a se montar e se maquiar e foi à luta.

Conseguiu um bico em uma primeira boate, mas se manteve no emprego durante o dia porque precisava pagar as contas. Até o dia em que apareceu em uma reportagem no SBT como o rapaz torneiro mecânico que à noite se transformava em Lysa Bombom. A família viu, os vizinhos viram, os colegas de trabalho viram. E o clima em casa se tornou insustentável. Deixou a casa dos pais e passou dias dormindo aqui e ali, na casa de amigos. Quando não tinha mais a quem pedir abrigo, foi dormir em uma praça no Tucuruvi. Foram dez dias ao relento, quando passou fome e frio. A experiência o fez se reerguer e, em poucos anos, se tornou uma drag queen requisitada e premiada.

Com a família, ficou quinze anos sem contato. Até o dia em que o cunhado veio lhe contar que uma de suas irmãs estava à beira da morte, com leucemia que dependia de transplante de medula. Toda a família já havia sido testada, só faltava ele. Alexsander fez o teste e deu 100% compatível. Salvou a vida da irmã e voltou a ter a família por perto.

Sua ação durante a pandemia chamou a atenção de amigos, como a estilista Antara Gold, que Alexsander acolheu no início de carreira, que passaram a ajudar com os jantares. Algumas pessoas, bem-intencionadas, chegaram a lhe propor de fazer crescer o movimento, criar conta em banco, site etc. Mas, "libriano e cauteloso", e gato escaldado com haters e críticos de plantão, ele prefere continuar no esquema das rifas.

"Se alguém quiser me ajudar com uma feira aqui ou ali, aceito. Se quiser me dar um presente, tudo bem. Mas não vou sair pedindo dinheiro para os jantares solidários. Isso não é uma ONG, não é um projeto social, é uma promessa que fiz para Nossa Senhora", explica. "E não tenho do que me queixar, Deus me abençoa muito". No caso Lysa, promessa não é dívida. É dádiva.

Quer ajudar? Vai lá: @lysabombomoficial