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Projeto muda vidas ao ensinar programação para mulheres da periferia

Projeto muda vidas ao ensinar programação para mulheres da periferia  - Reprodução/Instagram
Projeto muda vidas ao ensinar programação para mulheres da periferia Imagem: Reprodução/Instagram

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

26/04/2021 06h00

Em 2008, aos 20 anos, Amanda Priscila da Silva começou o seu primeiro emprego com registro em carteira na antiga Telefônica, em São Paulo. "Mas trabalho informalmente desde os 14 anos: já segurei bandeira no farol, vendi bala, vendi assinatura de revista...", conta.

Ela trabalhava como assistente técnica de telecomunicações, mas ficou de olho no setor de tecnologia da informação, com quem dividia a sala. "Eu achava o máximo ver os rapazes trabalhando lá, sempre perguntava sobre a área e achava um desaforo não ter nenhuma mulher. Eu não entendia o porquê, e sempre pensava 'um dia eu quero ser uma analista de sistemas'", lembra.

Os primeiros passos para alcançar esse sonho foram dados em 2013, quando ela entrou na faculdade de gestão de tecnologia da informação. Com uma filha de 5 anos, conciliava os estudos e as responsabilidades em casa com um emprego em telemarketing. Após a morte da avó, que ajudava a cuidar da criança, Amanda passou a levá-la para o curso todos os dias. "Chegava do trabalho, pegava ela da escola e íamos juntas. Enquanto eu estudava, ela fazia a lição de casa", conta.

Mesmo com todas as tarefas, ela sempre esteve bem ativa nas comunidades de tecnologia voltadas para mulheres - e encontrou muito suporte nelas. "Hoje eu tenho convicção do privilégio que tenho de, mesmo sendo mãe solo, ter uma boa rede de apoio. Sempre fui bem recebida com a minha filha, já participei de maratonas de programação que duravam um fim de semana inteiro com ela e todo mundo sempre ajuda", reflete.

A aluna Amanda, que fez o curso de programação em 2017 e hoje trabalha em uma grande empresa de tecnologia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A aluna Amanda, que fez o curso de programação em 2017 e hoje trabalha em uma grande empresa de tecnologia
Imagem: Arquivo pessoal

Depois de se formar, Amanda teve dificuldade para conseguir um emprego na área. Sem desistir, resolveu voltar à faculdade em 2017 para cursar, desta vez, análise e desenvolvimento de sistemas. Quando estava no primeiro semestre, ficou sabendo do projeto Minas Programam, uma iniciativa que oferece cursos e oficinas de programação para mulheres da periferia.

"Eu me inscrevi no curso que estavam oferecendo mesmo sem entender muito do que se tratava. Lembro que pensei: 'Se eu não sair programando, vou desistir da área'''. Ela conseguiu aprender o básico, mas o maior aprendizado foi outro: "Estive em contato pela primeira vez com outras mulheres com histórias e realidades semelhantes à minha, e aprendi o empoderamento como uma mulher negra que é capaz sim e tem direito de ocupar os espaços", lembra.

O nascimento do projeto

A ideia do Minas Programam surgiu em 2015, quando as jovens Bárbara Paes e Fernanda Balbino trabalhavam em uma organização não-governamental de direitos humanos e começaram a se incomodar com a falta de mulheres na tecnologia. "Nós trabalhávamos com o tema de dados e transparência, e queríamos nos aprofundar no lado mais técnico da questão. Mas sentíamos que havia poucas oportunidades para as mulheres aprenderem sobre tecnologia, enquanto as coisas pareciam ser bem diferentes para os homens", conta Bárbara.

Desse incômodo veio a vontade de promover mais espaços para as mulheres aprenderem a programar - mas ninguém sabia por onde começar. A ajuda veio da designer Ariane Cor. Na época, ela trabalhava em uma ONG que estava realizando oficinas de comunicação e feminismo em praças de São Paulo. Bárbara foi a um desses encontros e compartilhou sua ideia, que foi aceita com entusiasmo.

As três passaram a trabalhar juntas no projeto e algumas semanas depois já começaram a divulgá-lo nas redes sociais. Uma primeira versão do curso de introdução à programação foi oferecida na sede da ONG onde Ariane trabalhava. "Nós não tínhamos recursos, então permitimos que as alunas pagassem como pudessem para cobrirmos os custos do local", conta a designer.

Mas elas logo conseguiram o apoio financeiro do Frida - Young Feminist Fund, um fundo internacional que apoia projetos de ativistas feministas jovens em todo o mundo. Isso deu mais fôlego para estruturar o projeto e criar cursos mais completos - e gratuitos.

Além disso, graças a esse e outros financiamentos, todas as pessoas que trabalham no projeto são remuneradas. "As mulheres trabalham de graça durante boa parte da vida e não faz sentido a gente querer mudar o mundo trabalhando de graça ainda mais. A gente não acredita em trabalho voluntário dessa forma", explica Ariane.

Em 2017, elas lançaram um curso robusto com foco em mulheres negras, indígenas e periféricas. Haviam percebido que, além de a tecnologia ser um espaço pouco inclusivo para as mulheres em geral, era ainda mais difícil para esse público.

Amanda sentiu isso na pele: para ela, um dos maiores desafios na área é a falta de oportunidades. "Muitas vezes não temos uma segunda língua ou acesso a uma graduação. A sensação de pertencer aos espaços é algo que pode atrapalhar também. Hoje muitas empresas têm programas de contratação para mulheres, mas a gente nunca sabe se elas prepararam um ambiente de trabalho seguro para recebê-las e se vão proporcionar oportunidades de realmente evoluir na carreira", desabafa.

Rompendo barreiras

Para garantir a participação das mulheres antes da pandemia, o Minas Programam destinava parte dos subsídios obtidos de fundos como o Frida ou de empresas parceiras para pagar o vale-transporte das alunas, a maioria vinda da Zona Leste e da região metropolitana de São Paulo. "Sem isso, muitas delas não teriam condições. O preço da passagem é um dos maiores custos que se tem em um curso gratuito. Algumas pessoas chegam a gastar 20 reais por dia para ir e voltar, e isso é muita coisa", explica Ariane.

Além disso, não é só o aspecto financeiro que pesa. Segundo ela, muitas meninas precisam cuidar dos filhos, irmãos ou sobrinhos pequenos, e acabam abandonando o curso para dar conta das já numerosas obrigações. Por isso, as aulas não discutem apenas programação: há conversas sobre temas como software livre, empregabilidade e empreendedorismo, sempre sob a ótica da mulher da periferia.

Em 2020, com a pandemia, foi preciso repensar o formato dos cursos para que pudessem ser feitos de forma remota. Por um lado, isso permite que se inscrevam alunas de outros estados e cidades: já participaram mulheres do Amazonas, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, por exemplo. Mas a falta de recursos tecnológicos é um desafio. "Muitas pessoas não têm computador em casa e precisam fazer o curso no celular, o que dificulta. Outras não têm uma boa internet", nota Ariane. É por isso que, nesta edição, elas já previram uma verba para fornecer esses recursos técnicos a quem precisar.

Tecnologia para empoderar

Os cursos oferecidos pelo projeto não servem necessariamente para formar profissionais de tecnologia, embora muitas alunas decidam seguir esse caminho. "A gente acredita em tecnologia para autonomia, para ser usado como uma ferramenta para facilitar a vida e o trabalho. Já tivemos muitas alunas que, depois de aprender como criar uma loja virtual, abriram ou fizeram crescer seu próprio negócio", diz Ariane.

Mas as alunas que decidem seguir a carreira em tecnologia são, é claro, muito incentivadas. É o caso de Amanda. Hoje, ela está se preparando para começar um emprego dos sonhos em uma grande empresa de tecnologia. Além disso, tem participado como professora e palestrante do Minas Programam. "Já fiz vídeos e participei de conversas contando como é trabalhar com desenvolvimento, e fui convidada para participar do grupo técnico que formulou o curso deste ano. Para completar, serei uma das professoras da turma de 2021. Eu não consigo mensurar o quanto toda essa parceria me faz feliz", conta.