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Freira feminista mantém um abrigo para mulheres com creche e mais serviços

A freira Judy Vaughan - Reprodução/Instagram
A freira Judy Vaughan Imagem: Reprodução/Instagram

Carolina Vellei

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

24/04/2021 06h00

Los Angeles é "a capital dos sem-teto dos Estados Unidos". Quem afirma isso é a freira Judy Vaughan, que conhece bem de perto o problema. Ela é fundadora da Alexandria House, uma casa para mulheres que abriga especialmente mães com jovens adolescentes. Nos abrigos tradicionais, essas famílias são rejeitadas ou obrigadas a se separarem por conta de limites de idade.

A falta de moradia, que já era um grande problema na cidade, se agravou com a pandemia. Segundo a Los Angeles Homeless Services Authority (LAHSA), mais de 66 mil pessoas na região viviam sem um teto em 2020, representando um aumento de 12,7% em comparação com o ano anterior.

As mulheres que procuram a Alexandria House têm histórias únicas, mas algumas razões que as levam até lá se repetem: fugir de uma situação de violência doméstica ou tráfico de pessoas, crescer em orfanato e não ter para onde ir depois, perder o emprego ou passar por uma emergência familiar sem ter dinheiro reserva para pagar o aluguel.

Judy uniu a sua carreira como freira ordenada pela Igreja Católica ao ativismo e hoje dedica a sua vida à proteção de mulheres em vulnerabilidade social. Ela defende que não ter onde morar é uma situação temporária e isso não pode definir ou mesmo impactar o valor de uma pessoa. "Pode acontecer com quase qualquer um. Existem muitas práticas e políticas que tornam praticamente impossível sair da pobreza e ter uma moradia", afirmou em uma entrevista.

Uma freira em defesa dos direitos das mulheres

Em sua trajetória, as opiniões progressistas da irmã Judy frequentemente entravam em conflito com os líderes católicos. Era constantemente orientada a se calar: "Quase fui expulsa da comunidade três vezes", conta.

Mas foi graças às constantes pressões que ela decidiu se demitir do colégio católico onde dava aulas e se tornou diretora da House of Ruth, um abrigo para mulheres no leste de Los Angeles. Ainda atuou como coordenadora do Projeto Mulheres para a Guatemala, uma organização solidária empenhada em aumentar a conscientização sobre abusos de direitos humanos. Trabalhou no local até 1996, quando viu a oportunidade de criar sua própria casa de acolhimento.

Ao contrário de outros lugares do tipo, a Alexandria House não expulsa ninguém: em vez disso, ajuda as pessoas a não precisarem mais dela. Para isso, a casa oferece diversos serviços gratuitos, como creche, programas e orientação para crianças em idade escolar, aconselhamento de saúde mental, aulas de alfabetização financeira e um programa de poupança. Judy também criou o Step Up Sisterhood LA, um programa empresarial para apoiar os sonhos das mulheres de iniciar seus próprios negócios.

O tempo para encontrar outro lar varia, mas, segundo ela, as famílias ficam em média 10 meses. Durante esse tempo, as mulheres se reúnem com a equipe de apoio para identificar necessidades, metas e estabelecer um plano de ação. "Servimos como um sistema de apoio pelo tempo que uma família quiser, mesmo depois de terem se mudado", explica.

Até agora, o programa tem sido um sucesso. Cerca de 92% das 200 famílias encontraram estabilidade financeira e moradia permanente, sem precisar retornar para lares temporários. "Tem sido incrível ver as crianças crescerem e as mães reconstruírem suas vidas. Testemunhei resiliência, coragem e atos heróicos de generosidade", disse Judy ao site Upworthy.

Da vida no convento à atuação como ativista pela habitação

Irmã Judy cresceu em Los Angeles em uma cultura católica. "Ali, as opções eram ser enfermeira, professora ou entrar para um convento", disse ao LA Times. Escolheu a terceira opção e entrou para o convento em 1963.

Judy Vaughan e os moradores da Alexandria House em gravação do clipe de Justin Bieber - Divulgação/AH - Divulgação/AH
Judy Vaughan e os moradores da Alexandria House em gravação do clipe de Justin Bieber
Imagem: Divulgação/AH

Ao mesmo tempo, as cidades estadunidenses começaram a pegar fogo com marchas pelos direitos civis e protestos contra a Guerra do Vietnã e pelos direitos das mulheres. Mas Judy conta que as noviças não acompanhavam as notícias dentro do convento, por isso não ficou sabendo desses acontecimentos: "Nós nem sabíamos quem eram os Beatles".

Sentindo vontade de conhecer mais do mundo, ela decidiu fazer um mestrado em sociologia pela San Diego State University e um doutorado em ética social pela University of Chicago. Na década de 1980, depois de entrar em contato com os movimentos sociais (principalmente o feminismo), passou a ter argumentos para questionar a Igreja.

Então saiu do campo da observação silenciosa e passou à ação. Foi, por exemplo, a única freira de Los Angeles a assinar uma declaração pública desafiando a condenação da Igreja ao aborto.

Visibilidade na música

Em fevereiro de 2020, a casa ganhou visibilidade ao virar palco para o clipe "Intentions", do cantor Justin Bieber e do rapper Quavo. O vídeo acompanha a história de mulheres e famílias contando o impacto do programa na sua vida e os sonhos que se fortaleceram depois de chegar ao local.

A freira faz uma participação no final, explicando que sua intenção é "falar sobre as injustiças e a necessidade de equidade". Além de fazer o vídeo, Bieber também criou o Fundo Intentions em parceria com a organização e doou 200 mil dólares para ajudar nas atividades em prol das mulheres abrigadas.