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Oportunidade de emprego mudou a vida de Ariel; "encontrei meu lugar ao sol"

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

22/04/2021 06h00

Ariel Luz Rodrigues costuma dizer que viveu os primeiros 40 anos da sua vida do jeito que a família e a sociedade queriam que ela vivesse. Os próximos 40, promete, vão ser vividos do jeito que ela nasceu para viver.

Quem a vê hoje, aos 42 anos, feliz em um emprego como analista de comunicação em uma startup e fazendo uma pós-graduação em marketing, provavelmente não imagina a reviravolta que aconteceu recentemente em sua vida.

Ariel teve o gênero masculino atribuído no nascimento, mas conta que sempre soube que era trans. "Lembro que, na escola, quando tinha uns 3 anos, as crianças me perguntavam 'você é menino ou menina?' e eu queria dizer menina", relata. Aos 18, teve de sair de casa após uma briga feia com o pai.

Muitos anos se passaram até que, em outubro de 2019 e já com uma carreira bem-sucedida no mercado de corretores imobiliários, Ariel entendeu que estava na hora de dar os primeiros passos em sua transição.

O ponta-pé inicial aconteceu ao passar em frente a uma loja de roupas e um vestido chamar a sua atenção. "Eu queria vivenciar isso pela primeira vez, mas ainda estava insegura. A dona da loja me chamou para entrar, me fez experimentar a loja toda", conta.

A experiência a deixou animada para se abrir com o mundo sobre o fato de ser transgênero. "Comecei a contar para as pessoas, mesmo antes de começar o processo", explica. A resposta foi tão positiva que ela resolveu criar um canal no YouTube para compartilhar o que estava vivendo.

Mas a leveza inicial deu lugar a violências provocadas pela intolerância. Ariel nasceu em Goiânia, mas na época estava morando com um amigo em uma estância turística próxima à capital goiana. Os vídeos se espalharam pela cidade, e vizinhos, clientes e desconhecidos começaram a fazer ofensas e até ameaças. Ela conta que a história chegou aos ouvidos do proprietário do apartamento em que moravam, e ele pediu o imóvel de volta.

O começo da pandemia no Brasil foi também o período mais crítico para Ariel: ela não conseguia mais trabalhar, vivia com medo e o dinheiro estava acabando. A saída encontrada foi voltar com o amigo para a cidade natal, o que fez com que pudesse se sentir mais segura e viver plenamente sua identidade de gênero.

Uma nova carreira

"Eu gostava muito de trabalhar como corretora e estava crescendo profissionalmente. Mas o mercado é muito machista e competitivo, então achei melhor me fechar para me proteger enquanto fazia a transição", conta.

Paralelamente, tentou lançar uma marca própria de cosméticos artesanais. Ela montou um plano de marketing - outra de suas paixões, junto com vendas - e abriu uma vaquinha virtual para começar a produção, mas só conseguiu arrecadar 10% do que precisava.

As dificuldades continuaram até que no final do ano Ariel ganhou uma oportunidade profissional de um colega. "Contei que gostava de marketing e sabia fazer peças publicitárias. Então, ele me contratou para dois trabalhos como freelancer, além de me recomendar para outras pessoas", diz. A relação profissional virou uma grande amizade. "Ele salvou minha vida em um momento em que eu pensava que nunca mais conseguiria trabalhar com algo de que gostasse".

O ponto de virada

A partir daí, as coisas começaram a avançar a passos largos. E uma peça fundamental nesse processo foi o trabalho da TransEmpregos, um portal que oferece oportunidades profissionais para pessoas trans. A plataforma tem hoje 850 empresas parceiras e ajudou 794 profissionais a encontrar trabalho só no ano passado.

Segundo a fundadora Maite Schneider, 40% dos mais de 25 mil currículos cadastrados têm graduação, mestrado ou doutorado. "A sociedade gosta de dizer que é meritocrática, mas não dá chance para esses talentos que têm tantos méritos e habilidades técnicas e sociocomportamentais. A gente luta para que essa situação mude", afirma.

Foi por lá que Ariel conseguiu uma bolsa de estudos para estudar inglês e outra para fazer uma pós-graduação em marketing. Ela também sempre ficava atenta às vagas divulgadas, mas ainda não havia encontrado algo em que realmente se encaixasse. Até que no começo de 2021 viu uma vaga para ser redatora em uma startup. Participou do processo seletivo e, embora não tenha sido contratada logo de cara, o recrutador da empresa gostou do seu perfil.

Algumas semanas depois, voltou com outra proposta: uma posição como analista de comunicação. "Agarrei com unhas e dentes e acabei de completar um mês na empresa!", comemora. "Fui muito bem recebida por todos, o CEO me mandou mensagem quando cheguei. Estou me sentindo acolhida e aprendendo muito".

Aceitação da família

Hoje, Ariel já conseguiu tirar uma nova certidão com seu nome social. Também está conseguindo reconstruir suas relações familiares com uma ajuda inesperada: a reprise da novela "A Força do Querer", que conta a história da transição de gênero do personagem Ivan.

"Eles assistiam e me faziam perguntas. Isso ajudou muito a abrir a discussão, e agora estão se esforçando mais para me entender", conta. O avanço tem sido notável especialmente da parte materna. "Minha mãe já elogiou minha foto do WhatsApp e até já me deu algumas de suas roupas de presente. Essa camisa que estou usando agora é dela".

Apesar de ainda sentir medo - afinal, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans -, Ariel finalmente sente que encontrou seu lugar ao sol. "Ainda estou machucada, mas estou muito feliz. Não esperava que iria conseguir tudo isso. Só falta um príncipe encantado agora", conclui.