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Como a Avon pretende ter 30% de negros em cargos de chefia até 2030

Gabriela dos Santos, funcionária da Avon - Divulgação
Gabriela dos Santos, funcionária da Avon Imagem: Divulgação

Felipe van Deursen

Colaboração para Ecoa, de Florianópolis (SC)

10/03/2021 04h00

Em 9 novembro de 2020, a Avon lançou uma campanha institucional de combate ao racismo, acompanhada de uma meta ousada, em que a empresa se comprometia a aumentar o número de funcionários negras e negros em suas equipes, especialmente em cargos de chefia.

Não foi uma data qualquer. Era o mês da consciência negra do ano em que o movimento "Vidas Negras Importam" ("Black Lives Matter", no original) explodiu. O ano em que George Floyd sufocou até a morte sob as pernas imobilizadoras de um policial branco.

Nesse contexto, muitas empresas lançaram campanhas pegando carona no momento. O chamado marketing de causas, em que marcas assumem bandeiras e compromissos, está em alta. Um estudo de 2019 da consultoria Cause, em parceria com ESPM, Instituto Ayrton Senna e Ipsos, mostrou que 77% dos entrevistados esperam que as empresas contribuam para mudanças positivas na sociedade.

No entanto, a Avon diz que está comprometida a implementar uma grande mudança em sua estrutura ao longo da década. "Segundo o IBGE, mulheres pretas e pardas representam em torno de 27,8% da população brasileira", diz Danielle Bibas, vice-presidente de marketing da Avon Brasil. Esse é o motivo para a companhia lançar a meta de ter, até 2030, 30% de mulheres negras em cargos de chefia.

"Sabemos que a presença na população negra no Ensino Superior ainda é mínima [negros são 38,1% do total de universitários matriculados, segundo um levantamento do site Quero Bolsa]. Sendo assim, para evitar que pessoas negras sejam minoria em nossos processos e para nos auxiliar nesse caminho de atingir a meta estipulada, contamos com parceiros que são consultorias especializadas em encontrar e selecionar talentos negros", diz Bibas.

Bibas - Divulgação - Divulgação
Danielle Bibas, vice-presidente de marketing da Avon
Imagem: Divulgação

Entre esses parceiros estão a Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo negro, e a consultoria Indique uma Preta, que conecta mulheres negras e o mercado de trabalho. Além de ajudar no processo de seleção, essa rede de apoio organiza iniciativas para ajudar esses jovens profissionais a ganharem mais visibilidade.

Mulheres negras no poder

Para o programa de estágio de 2021 na Avon, o objetivo é contratar no mínimo 50% de negros, especialmente mulheres.

Moradora do bairro de Santo Amaro, zona sul da capital paulista, Gabriela Felisberto dos Santos, 26, entrou no programa de trainee da Avon em 2019 e hoje é supervisora de comunicação de vendas. Ela é engenheira química formada pela Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais.

Para Gabriela, o racismo que já vivenciou na vida foi discreto, doloroso e opressor. "Uma vez, em um antigo emprego, coloquei tranças no cabelo e uma pessoa me disse para ter cuidado com as tranças, pois ali as pessoas ?entendiam?, mas em outros ambientes as pessoas poderiam não ?entender?", lembra.

Gabriela - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Gabriela dos Santos, supervisora de comunicação de vendas
Imagem: Acervo pessoal

Gabriela não foi aprovada em um processo de trainee reservado apenas a candidados negros (a Avon nunca fez uma seleção assim). Mas acredita que metas para contratar mais negros "são um dos caminhos para que as companhias sejam tão diversas quanto a população brasileira". Para ela "muitas empresas perdem grandes talentos por focarem apenas no nome da universidade de formação dos candidatos, nos intercâmbios que fizeram ou em quantos idiomas falam. Infelizmente, a maioria da população negra não tem essas oportunidades de educação", diz.

A Avon não revela quantos funcionários negros ocupam cargos de chefia hoje. Mas no quadro geral, em 2017, eram 23% de negros em toda a força de trabalho. No fim de 2020, eram 28%. A empresa considera o avanço tímido.

Não erre como eu

Em 2014, a Avon lançou uma campanha para promover a máscara Mega Cílios. O vídeo, criado pela agência JWT, se chamava "Quilinhos". Pelo título, já dá para captar o andar da carruagem. Ele mostrava uma mulher que, ao acordar, não gosta do que vê no espelho. Após uma noite de excessos de brigadeiros ela acordou "inchada como balão de gás hélio". Aí, a moça usa a máscara e logo fica bem.

Nas redes sociais, a campanha foi massacrada. A Avon declarou que a ideia era celebrar a confiança e a autoestima das mulheres, e não o contrário. Só que não colou, é claro. "Esse vídeo foi retirado do ar por entendermos que não carrega o propósito e os valores da Avon", reconhece Bibas. "Em todas as nossas campanhas, buscamos aprender com os nossos erros, ouvir atentamente todos os lados."

No ano seguinte, a Avon começou a dar sinais de uma nova postura ao lançar a Rede pela Diversidade, em que voluntários se dedicam a promover ações dentro e fora da empresa em quatro frentes (gênero, raça, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência). "É pela atuação da Rede que nos tornamos, por exemplo, membros da Aliança Sem Estereótipo da ONU Mulheres", lembra Bibas. Na mesma época, por meio do Instituto Avon, a empresa começou a lançar iniciativas focadas no combate à violência contra mulheres e meninas negras.

Em seguida, a Avon passou a apoiar financeiramente projetos que valorizassem mulheres negras no audiovisual e outras iniciativas voltadas à beleza e à cultura negras. Apesar de gerarem impacto positivo, essas iniciativas não vão ao centro da questão. A própria empresa de cosméticos reconhece que são mudanças meramente... Cosméticas. "Nossos esforços e progressos, embora importantes, têm sido insuficientes para representarmos a diversidade brasileira em nosso quadro", diz Bibas.

Aquarela brasileira

Não era só na estrutura e na filosofia que a Avon precisava mudar. O portfólio da marca também tem acompanhado os novos tempos. Entre 2013 e 2019, a empresa fez estudos para adequar a paleta de cores de bases, corretivos e pós à realidade cromática das peles brasileiras. Seus produtos ganharam nove tons para peles negras.

Em setembro e outubro de 2020, a empresa realizou uma pesquisa com mulheres negras. O resultado foi revelador, mas só para quem sempre esteve acostumada a se enxergar nos produtos que compra. "Descobrimos que 70% das entrevistadas não estavam satisfeitas com as opções de produtos específicos para o seu tipo de pele", conta Bibas. Além disso, "46% delas desistiam da compra por não encontrar sua cor." Em novembro, mês da Consciência Negra, a Avon lançou, exclusivamente no Brasil, 28 itens de maquiagem para peles pretas e pardas. Até o fim de 2021, serão 53 novos produtos.

Para se chegar aos nove tons, a maquiadora Daniele Da Mata, especialista em pele negra, juntou forças com a cientista americana Candice DeLeo Novack, chefe de desenvolvimento de produtos para olhos, rosto e design técnico de produtos da Avon. A dupla trabalhou mais de um ano com base em dados coletados em todo o país a fim de descobrir as necessidades não atendidas da consumidora brasileira.

Ativismo de Marca

A pecha do ativismo vazio, de puro marketing, não se encaixa na Avon, garante Bibas, porque a empresa já está nessa há alguns anos. Mesmo assim, com a dimensão dos acontecimentos de 2020, ela precisou se mexer mais. Para Gabriela dos Santos, "o trabalho da Rede pela Diversidade mostra que não estamos parados, mas sabemos que precisamos melhorar".

Bibas lembra que a célula de raça da Rede cobrou um posicionamento público e novas ações para acelerar as mudanças necessárias. "Mobilizamos os grupos e construímos um plano de ação robusto para intensificar a agenda étnico-racial dentro da empresa, em uma parceria que também envolveu a área de RH e a liderança da Avon", explica.

A companhia se compromete a prestar contas de suas ações de equidade. "O compromisso é público justamente para que sejamos cobrados por essas ações e que estimulemos outras empresas a seguir o mesmo caminho." É um longo percurso até 2030.