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Gari cria vassoura reciclável, controla alcoolismo e ganha milhares de fãs

Gari Ecológico controlou vício e pretende ajudar catadores a reciclar lixo coletado das ruas - ReproduçãoQ/Instagram
Gari Ecológico controlou vício e pretende ajudar catadores a reciclar lixo coletado das ruas Imagem: ReproduçãoQ/Instagram

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

04/03/2021 04h00

O gari Giorggio Abrantes, 38, tem o sonho de criar uma cooperativa para ensinar catadores sobre meio-ambiente e a incentivar a coleta seletiva em Aparecida, cidade com 8 mil habitantes no sertão da Paraíba. Ele não está sozinho.

Giorggio tem mais de 125 mil seguidores no YouTube e 100 mil no TikTok. Em 2020, uma vaquinha online doou R$ 15 mil para ajudá-lo na produção de mais vídeos. Nas imagens com milhares de visualizações, ele ensina a criar vassouras e objetos feitos de garrafas pet reutilizadas.

A reciclagem ajudou a tirar parte das garrafas plásticas que iriam para os rios da cidade, mas teve papel importante na vida pessoal do gari e no combate a um vício. Mas ele prefere contar a história do começo.

O começo

Gari 1 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Gari ecológico com varal feito de pet
Imagem: Reprodução/Instagram

Antes da fama nas redes, o gari fez até a oitava série do ensino fundamental. Trabalhou aqui e ali, no mesmo improviso de milhares de brasileiros antes de se tornar gari na cidade onde mora.

Por quatro anos, Giorggio viajou em um caminhão pelo país para vender redes. Uma das viagens foi de Aparecida da Paraíba até Campinas, no interior de São Paulo. São mais de 2,500 km, ou 36 horas de carro. Apesar das redes na bagagem, dormia em postos de gasolina onde dava.

O dinheiro com o emprego seria usado para o casamento. Ele e a esposa se conheceram no rala-coxa, um forró, durante a juventude.

O nome Giorggio foi dado pelo pai. "Eu nunca ouvi a história dita pelo meu pai, mas foi o que me disseram", diz. "É um nome que não se encontra todo dia, com dois 'gês' no meio. Antes, eu só via italiano chamado assim".

Após se casar, Giorggio voltou para a cidade para trabalhar como "faz tudo" na prefeitura da região. A avó deu R$ 30 para ele prestar um concurso público e trabalhar como gari da cidade. "Foram os trinta reais mais bem investidos da minha vida inteira", diz.

O vício

Gari 2 - Reprodução - Reprodução
Giorggio Abrantes recicla pet e as transforma em objetos no canal Gari Ecológico
Imagem: Reprodução

A vida seguia e, apesar dela, Giorggio era tímido e ainda se considera ansioso. Desde a adolescência, caras como ele costumavam beber contra a timidez e ansiedade. O hábito o acompanhou até a vida adulta, tonando-se um vício.

Para enfrentar o dia de trabalho, ele tomava um gole de álcool pela manhã. Depois do almoço, outro. No final da tarde, mais um. "Foi virando uma rotina, que gera mais preocupação e arrependimento. Gerou um desconforto em casa", diz Giorggio.

A esposa pediu a separação e o vício piorou. Em uma cidade tão pequena também era possível encontrá-la e incomodá-la. Por isso, pediu uma licença para passar seis meses em uma clínica de reabilitação na cidade vizinha de Sousa. Durante o tratamento, Giorggio prestou atenção em um item que passa batido para muitas pessoas: vassouras. Os funcionários do local usavam um modelo feito com garrafa pet, produzido ali mesmo. Ele se interessou. "Eu precisava mostrar para minha esposa que eu tinha mudado de vida", lembra. "Então, coloquei a nova vida em prática"

Além de vassouras, Giorggio começou a produzir outros itens. Com uma garrafa e certa habilidade, ele criou um amplificador (paredão) feito com garrafas pet. Um amigo publicou o vídeo da invenção que viralizou na internet.

Mas ele queria aprender mais. No YouTube, porém, não encontrou tutoriais para produzir com garrafas pet. Foi quando ele começou a produzir os próprios vídeos para ensinar a como fazer traquitanas de plástico reciclável. Além da vassoura, começou a explicar sobre a elaboração de varal, papa-moscas e amplificadores.

Tornou-se, então, o "Gari ecológico". Os vídeos são produzidos e editados por ele mesmo.

Giorggio foi além e ensinou como construir máquinas apropriadas para a produção de vassouras. Afinal, seria muito demorado cortar e "filetar", ou picar as garrafas.

A popularidade cresceu. Além das garrafas coletadas no trabalho, ele compra material de uma cooperativa na cidade vizinha de Sousa. São 2 mil garrafas por R$ 200. Cada vassoura é vendida por R$ 15 na versão doméstica e R$ 35 no "vassourão" reforçado para a limpeza de calçadas.

Em 2020, ele afirma que a prefeitura de Aparecida da Paraíba comprou 35 vassouras por meio de um edital. Giorggio também vende por unidade para todo Brasil e diz que, recentemente, fez uma venda da Paraíba até Manaus. "O frete saiu mais caro do que a vassoura, mas o cliente quis muito me ajudar", diz.

A companhia

No ano passado, uma página de doações descobriu o trabalho de Giorggio e promoveu uma vaquinha. O dinheiro foi investido em mais máquinas e na compra de uma oficina para operá-las e gravar os vídeos.

No futuro, o sonho de Giorggio é fundar uma cooperativa com catadores da região. Ele já se disponibilizou a entregar máquinas e oferecer treinamento para a produção de novos produtos recicláveis. Da prefeitura, também tem cobrado maior investimento em coleta seletiva.

"As vassouras e o YouTube são um complemento importante de renda, mas o mais importante é passar o conhecimento a outras pessoas sobre a importância da reciclagem", diz.

Giorggio controlou seu vício. A esposa o aceitou de volta e, como Giorggio, ela também prestou o concurso público na cidade. Hoje, os dois são garis e varrem as ruas na companhia um do outro.