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Cera de implante dentário reconstrói cascos de jabutis atropelados em SE

Jabuti Foguinho teve o casco revestido por cera de implantes dentários na UFS - Centro de Aprendizagem e Manejo de Animais Silvestres/UFS
Jabuti Foguinho teve o casco revestido por cera de implantes dentários na UFS Imagem: Centro de Aprendizagem e Manejo de Animais Silvestres/UFS

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, de Maceió (AL)

04/03/2021 04h00

Uma técnica que utiliza cera comum em próteses dentárias está ajudando jabutis que tiveram cascos destruídos a recuperarem a saúde no sertão de Sergipe. Quatro animais já passaram pelo procedimento, que gera bons resultados e dá esperança de salvar animais feridos com um método acessível de baixo custo.

O procedimento foi desenvolvido no Centro de Aprendizagem e Manejo de Animais Silvestres, do Departamento de Medicina Veterinária da UFS (Universidade Federal de Sergipe) em Nossa Senhora da Glória. Um artigo científico validando a técnica já está em fase de produção e deve ser publicado até junho.

Segundo o coordenador do projeto e doutor em ciência animal tropical, Victor Fernando Santana Lima, a grande vantagem da técnica sergipana é o custo. "Hoje nós temos várias alternativas para essa reconstrução, mas um dos entraves que a gente se depara é o custo para aquisição desses materiais", conta.

Em média, diz, para recuperar cada animal pela técnica tradicional era gasto em torno de R$ 1.000. "Com a nova metodologia, com essa cera, o procedimento todo gira em torno de R$ 30", diz.

O tratamento tradicional de reparação de cascos (chamadas de placas córneas) é usado há anos, a exemplo do uso da resina epóxi em fraturas parciais, e uso de parafusos associados a fios cirúrgicos na reparação de fraturas.

Animais recuperados e sob observação

A cera, que pode ser encontrada em várias cores, começou a ser empregada no tratamento dos animais em 2018, quando a equipe da UFS realizou o atendimento de uma jabuti fêmea que havia sido atropelada por um trator de três toneladas e teve o casco rachado ao meio.

Ao saber da gravidade do caso, Lima começou a buscar alternativas para recuperar o animal antes mesmo de vê-lo. "Os atendimentos aqui são pré-agendados, e a pessoa entrou em contato um dia antes dizendo que ia trazer essa paciente. Nesse intervalo de 24 horas, comecei a ver algumas alternativas, pensando quais seriam os princípios básicos para conseguir manter esse paciente vivo", explica, citando que entrou em contato com pessoas que fazem restauração odontológica para tentar alternativas.

"Entrei em contato com um grande parceiro meu, que é um dentista, e ele mostrou algumas alternativas viáveis. Uma das que eu gostei foram as ceras ortodônticas, que têm na sua composição os hidrocarbonetos. São lâminas de uso comum na odontologia, em implantes. O que fizemos foi aplicá-las ao tratamento de quelônios com lesões complexas em carapaça e plastrão", explica.

A jabuti passou pelo procedimento e hoje está recuperada. Após um monitoramento de 30 dias, foi observado aumento na movimentação, ingestão de alimentos e água, interação com outros jabutis e retorno ao comportamento reprodutivo.

Antes e depois do tratamento do jabuti Foguinho na UFS - Centro de Aprendizagem e Manejo de Animais Silvestres/UFS - Centro de Aprendizagem e Manejo de Animais Silvestres/UFS
Antes e depois do tratamento do jabuti Foguinho, quarto paciente que recebeu a técnica na UFS
Imagem: Centro de Aprendizagem e Manejo de Animais Silvestres/UFS

"Fizemos o primeiro implante, e funcionou muito bem. Fizemos no segundo, no terceiro e agora já estamos com o quarto paciente. Estamos há pelo menos dois anos acompanhando esses animais, e eles estão bem", diz. Além de fraturas, o tratamento também foi utilizado em animais vítimas de incêndio.

Após a recuperação, o professor afirma que os jabutis passam a viver em um cativeiro sob olhar dos pesquisadores da UFS.

"Quando a gente fala em recuperação e reabilitação na medicina veterinária de animais silvestres, isso varia muito. Um animal que se recupera 100% é aquele que tem condições de retornar a natureza, e esses animais que passaram pelo procedimento não têm condições porque os cascos deles não irão regenerar totalmente, esse é o processo fisiológico. O tratamento consegue fazer com que os animais recuperem sua saúde, ou seja, não morram por infecção causada por patógeno nenhum. Entretanto, é um paciente que precisa ser monitorado pelo resto da vida", explica.

Os jabutis são encontrados em diferentes regiões da América do Sul. No Brasil, a espécie silvestre se tornou um "animal de companhia", criado hoje em muitas casas. Isso se tornou um motivo de preocupação para autoridades em vigilância em saúde, devido aos riscos de transmissão de zoonoses (doenças que passam de animais para os seres humanos, como ocorreu com o novo coronavírus).

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