"Pequena Garota" é a luta real de uma criança trans por inclusão na escola
Sasha coloca um vestido de princesa. Ela é uma criança de sete anos de idade, e, em seu quarto decorado com borboletas, parece se preparar para uma brincadeira.
É dessa maneira que o espectador é apresentado à protagonista de "Pequena Garota", na cena de abertura do documentário do cineasta francês Sébastien Lifshitz, que fez sua estreia em salas de cinema e plataformas de streaming do Brasil em 24 de dezembro.
Sasha teve atribuído o gênero masculino em seu nascimento. Já por volta dos três anos de idade, porém, dizia à mãe ser uma menina. Em casa, entre seus pais e irmãos amorosos, ela é acolhida em sua identidade de gênero. Mas, na escola, professores e colegas a tratam como menino e a direção resiste em reconhecê-la tal como é.
Lifshitz acompanha os esforços da família de Sasha, em particular de sua mãe, para que a menina tenha o direito de viver sendo quem realmente é em todas as esferas — não apenas no âmbito da família, mas também em sua vida escolar e social.
O diretor captura de maneira sensível e empática momentos do cotidiano da menina, entre brincadeiras, aulas de balé e encontros da família com uma médica especializada em disforia de gênero (quando a pessoa não se identifica com o gênero atribuído no nascimento).
Em depoimentos carregados de emoção, a mãe de Sasha relata o processo que a fez ir da incompreensão e do constrangimento em relação à identidade da filha ao apoio incondicional para que a menina tivesse sua identidade respeitada e aceita. A certa altura do filme, ela diz:
"A luta é dela, mas também é minha. Sei que será a luta da minha vida".
O filme foi vencedor do prêmio de melhor longa-metragem internacional no 28º Festival Mix Brasil em 2020, festival de cinema voltado à diversidade e realizado anualmente em São Paulo, que aconteceu neste ano no formato online. O diretor Sébastien Lifshitz também já ganhou por duas vezes o Teddy - pelo longa de ficção "Wild Side" (2004) e pelo documentário "Bambi" (2013) - reconhecimento prestado por um comitê do Festival de Berlim a filmes de temática LGBTQIA+.
"Pequena Garota" ilustra quão significativas são para Sasha as batalhas vencidas: poder contar aos colegas de escola que é uma menina, ser tratada pelos pronomes certos e se vestir da maneira que deseja. Mostra também quanta luta ainda é necessária para garantir direitos básicos às pessoas transgênero e o sofrimento provocado pela intolerância e a negação de sua existência.
Recomendável a todos que estejam mais ou menos familiarizados com o tema, o filme é especialmente deveria ser mandatório para pais e educadores, figuras de autoridade em duas instâncias sociais — família e escola — que, historicamente, têm sido o ponto de partida para a exclusão da comunidade LGBTQIA+.
Para o público de um país no qual a marginalização e a violência contra pessoas trans ainda imperam, como é o caso do Brasil, assistir à relação afetuosa e protetora que os pais e irmãos têm com Sasha é especialmente tocante e inspirador. Emociona vê-la poder existir e desabrochar, encontrando a felicidade de apenas ser, libertando-se aos poucos do medo e da dor, do peso de esconder seu eu verdadeiro.
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