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Eliane Dias: "Gastar seu dinheiro suado com marca racista não é racional"

Eliane Dias, advogada e empresária dos Racionais Mc"s, durante a Semana da Equidade Racial - Reprodução
Eliane Dias, advogada e empresária dos Racionais Mc's, durante a Semana da Equidade Racial Imagem: Reprodução

Cléberson Santos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

11/12/2020 04h00

O Racionais MC's, maior grupo de rap do Brasil, consolidou-se nas últimas três décadas mesmo sem aparições na TV aberta e sem lançar discos por gravadoras tradicionais. O grupo liderado por Mano Brown é uma das principais referências quando o assunto é conteúdo feito pela população negra e para a população negra.

Este conteúdo esteve em pauta nas conversas de ontem (10) da 4ª Semana de Equidade Racial. O evento realizado pela Wunderman Thompson em parceria com Ecoa recebeu Eliane Dias, advogada de formação e empresária do Racionais, para discutir entretenimento e afroempreendedorismo.

Em entrevista à Ecoa, Eliane contou que atualmente é bem mais fácil não depender da mídia tradicional do que em 1997, quando o grupo lançou "Sobrevivendo no Inferno", um dos álbuns mais importantes da música brasileira.

"Existem muitos grupos que potencializam os eventos que promovem via aplicativos, existem ações coordenadas com grupos negros que dão excelentes resultados. Um videozinho avisa todo mundo. Hoje qualquer pessoa tem sua própria TV, consegue fazer sua própria publicidade, basta achar seu nicho, sua linguagem e pronto: sucesso", diz a empresária.

Criar seu próprio canal foi um dos trabalhos feitos pelo rapper Emicida durante o ano de 2020. Ele lançou na Twitch o canal da Lab Fantasma, que é também sua gravadora e sua marca de roupas.

Para Eliane, iniciativas como a Lab ou a Boogie Naipe, empresa que cuida dos produtos relacionados ao Racionais, podem ser independentes e coexistir em parceria com a publicidade tradicional: "uma coisa não impede a outra, podemos trabalhar com outras agências tranquilamente".

A ideia de uma emissora de TV voltada à cultura afrourbana já existe na França há quase 20 anos e desembarcou no Brasil no ano passado sob o comando do influenciador AD Júnior. Ele está à frente da Trace Brasil e abriu a programação de ontem comentando que nosso país caminha para normalizar a presença de negros nos bastidores da mídia e da publicidade.

"Nós ainda estamos acostumados a viver numa sociedade com pessoas negras em alguns lugares. A minha experiência tem sido de muita adversidade, das pessoas olharem com muita desconfiança, mas também com muita curiosidade", afirma AD, que já trabalhou em países como Alemanha e Estados Unidos, onde é mais comum ver negros liderando projetos:

"Todo mundo observava o Brasil como uma coisa esquisita. Como pode só ter pessoas brancas trabalhando? A Coca-Cola, nos EUA, se posicionou pelo antirracismo na década de 1960, na época do Martin Luther King. A sede dela em Atlanta tem várias pessoas negras em diversos cargos. Essas marcas que vieram de fora precisam entender que elas têm que apoiar a diversidade dentro do Brasil".

No painel que fechou a programação do dia, a discussão focou mais no afroempreendedorismo, mas sem deixar a importância da representatividade na produção de conteúdo e publicidade.

Sócio-investidor da Afro.tv, outra iniciativa de entretenimento voltada ao público negro, com previsão de lançamento para 2021, Paulo Rogério Nunes disse que a população brasileira está começando a entender sua racialidade e a dar preferência por produtos que a represente.

"Eu tenho percebido há uns anos, principalmente na grandes cidades, o fortalecimento do black money, de negócios se apresentarem como negócios negros, com pessoas querendo consumir produtos com esse perfil. Os próximos dez anos serão marcados pelo empoderamento ainda mais forte da comunidade negra na área econômica", prevê Paulo, que também atua como consultor de diversidade.

Eliane aponta para a mesma direção ao observar que a população negra está cansada de ser vigiada durante suas compras em shoppings e que isso fortalecerá a lógica do "nós por nós".

"Priorizar quem faz as coisas para nós já está se tornando um hábito, pela leveza, pelo prazer que a pessoa tem em atender outro preto, sem carão, sem maus tratos. Espero que o movimento cresça, porque gastar seu dinheiro suado com uma marca racista não é nada racional", afirma a empresária.

O último dia da programação da 4ª Semana de Equidade Racial aconteceu hoje (11) com discussões sobre a formação de novos líderes negros, com Vivi Duarte, CEO do Buzzfeed Brasil, e o ativismo das mulheres negras, com Ezinne Okoro, líder global de diversidade da Wunderman Thompson.