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Quer aumentar a diversidade nas empresas? "Faça um preto ficar pronto"

Felipe Silva, redator publicitário e criador da Escola Rua, durante a Semana da Equidade Racial - Reprodução
Felipe Silva, redator publicitário e criador da Escola Rua, durante a Semana da Equidade Racial Imagem: Reprodução

Cléberson Santos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

10/12/2020 15h26

Como acelerar potências foi tema de um dos painéis do terceiro dia da 4ª Semana de Equidade Racial, promovida pela Wunderman Thompson em parceria com Ecoa. Para Felipe Silva, que é redator publicitário e criador da Escola Rua, o caminho é simples: tratar os profissionais negros da mesma forma como os profissionais brancos são tratados.

Usando como exemplo a publicidade, área em que atua, Felipe lembrou de quantas vezes já viu redatores brancos sendo promovidos, ainda que sem experiência, pelo simples fato de "terem talento":

"Todo dia tem isso, falam que vão treinar. Mas quando chegam nos pretos, falam que eles não estão prontos. Esse argumento não cola mais! Se um filho do cliente pode entrar sem saber nada e aprende, por que um preto não pode? Faça um preto ficar pronto!", afirmou Felipe.

Foi com esse desejo de "fazer um preto ficar pronto" que ele lançou a Escola Rua, uma escola de publicidade gratuita voltada a jovens periféricos que têm interesse no ramo criativo: "as turmas só começam com um mínimo de 50% de mulheres, um mínimo de 70% negros e um mínimo de 30% de LGBTQI+", explica.

Felipe Silva cresceu em Niterói, no Rio de Janeiro, e trabalhou como faxineiro antes de entrar na faculdade e ocupar uma cadeira numa grande agência de publicidade. Com uma trajetória diferente do "padrão" para a área, Felipe passou a se incomodar com o fato de não haver outros jovens da mesma origem que ele na criação.

"Foi essa angústia que me levou a pensar em caminhos e soluções, e a tentar buscar alguma forma de trazer mais potências periféricas para essas agências".

Este mesmo incômodo foi o que motivou a designer Karen Santos a desenvolver o projeto UX Para Minas Pretas (UX é a sigla, em inglês, para Experiência do Usuário). Karen dividiu a tela com Felipe no painel comandado pela arquiteta e escritora Joice Berth (autora de "O que é Empoderamento?") e também lembrou como a falta de representatividade mexeu com ela durante sua transição de carreira.

"Eu não me via quando eu participava dos cursos, dos eventos, das palestras, eu não enxergava outras mulheres negras como eu. Como assim, uma área que pensa na experiência das pessoas, que tá pensando na jornada dos clientes, é tão pouco diversa? Por que nós, que somos o público, não estamos à frente da solução?", questionava Karen.

O UX Para Minas Pretas nasceu de um formulário que Karen lançou para uma aula gratuita com um professor conhecido no mercado. A ideia era conseguir cinco mulheres para a aula, mas o formulário foi preenchido por mais de 300 interessadas.

"A gente não parou desde então. Temos dez mulheres na nossa equipe e a gente promove a equidade no ramo da tecnologia, a partir da formação, do empoderamento, do compartilhamento de conhecimento. Antes de técnica, a gente fala de cuidado, de afeto, de escuta".

Tanto Karen quanto Felipe reforçaram que ter representatividade, ainda mais numa área como a publicidade, não é apenas um compromisso social da empresa, mas parte do planejamento estratégico, algo capaz de gerar lucro.

"A gente cria propagandas para um público brasileiro que 80% pertencem às classes C, D e E. Por que essas pessoas não estão do meu lado , pensando nessas propagandas? Diversidade é diferencial competitivo para as agências de propaganda. Ter jovens periféricos pensando em propaganda é ter mais olhares, é chegar onde sua equipe [branca e rica] não consegue", completa Felipe.

Racismo Estrutural
Iniciativas como a Escola Rua e o UX Para Minas Pretas buscam não só gerar diversidade como também reduzir os impactos do racismo estrutural dentro do mercado de trabalho. O professor Silvio Almeida, autor de "Racismo Estrutural" (2018), abriu a programação de ontem (9) e falou sobre como essa relação é uma herança da cultura escravocrata do Brasil.

Segundo Almeida, uma prova dessa relação é a redução dos direitos dos trabalhadores, que implica em desemprego e prejudica o desenvolvimento econômico do país:

"Se as pessoas não têm política salarial e proteção ao trabalho, elas não podem se inserir no mercado como consumidor. Isso só pode ser explicado se, entre outras coisas, a gente colocar o componente da escravidão que de alguma maneira permanece presente, não apenas na construção das instituições, na maneira como nos relacionamos, mas na nossa forma de pensar, na nossa relação com o outro", explica Silvio.

Para o professor, mais que políticas de inclusão, o antirracismo precisa estar presente na política de governança das empresas, com adoção de regras que desconstruam estruturas que impedem a entrada de mais profissionais negros: "as empresas sempre têm que produzir espaços em que os conflitos raciais possam ser absorvidos, eles não serão eliminados, mas podem ser absorvidos".

Auxiliar as empresas, em especial as agências de publicidade, na entrada e permanência de profissionais negros é o trabalho da Dra. Valdirene Assis, que comanda o Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros Universitários do Ministério Público do Trabalho (MPT).

A procuradora participou do segundo painel do dia, que tratou sobre esses desafios, e falou sobre a força que a publicidade tem de quebrar estereótipos racistas ao dialogar com a sociedade:

"A publicidade forma opinião, conversa com a sociedade de uma forma muito direta. A diversidade nessa área tem o poder de afetar a autoestima de crianças, jovens e profissionais. É muito importante que as agências deem sequência ao compromisso assumido", afirma Valdirene.

A 4ª Semana de Equidade Racial continua hoje (10), a partir das 10h com transmissão ao vivo de Ecoa. Destaque para a empresária Eliane Dias, da Boogie Naipe, que conversará sobre entretenimento negro, e à Amanda Porto e Amanda Mamel, do podcast Siriricas, que falarão sobre afroempreendedorismo.