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Irmãs Klink cruzaram mar bravo na Antártica e hoje ajudam a preservá-lo

Amyr e Marina Klink com as filhas Laura (à esq.), Tamara e Nina (à dir.) - Acervo pessoal
Amyr e Marina Klink com as filhas Laura (à esq.), Tamara e Nina (à dir.) Imagem: Acervo pessoal

Marcos Candido

De Ecoa, de São Paulo

09/12/2020 04h00

As irmãs Klink exploram o mundo desde a infância. Antes dos dez anos, as três foram com os pais para a Antártica para aproveitar as férias escolares. A viagem era a materialização das histórias ouvidas antes de dormir e, embora não soassem oníricas como histórias de ninar, as narrativas preenchiam o imaginário delas como o de qualquer criança.

Os pais Amyr e Marina Klink contavam sobre uma natureza com paisagens lindas, vastas mas também desafiadores que existem ao redor do planeta. Não era preciso inventar: o casal é formado por uns dos exploradores mais famosos do mundo e tinha visto tudo aquilo com os próprios olhos, e era natural o desejo de que as filhas as vissem também.

Hoje as gêmeas Tamara e Laura Klink, 23, e Nina Klink, 20, cresceram e são educadoras ambientais. Juntas, dão palestras a estudantes sobre temas como a emergência climática, a preservação do meio ambiente, o respeito às espécies animais e dão relatos das próprias explorações em livros e diários.

Enquanto se preparavam para um debate ontem (8) na Bienal do Livro de São Paulo, realizada pela primeira vez virtualmente pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) devido à pandemia da Covid-19, as três irmãs conversaram com Ecoa. Na ligação por Zoom, elas alternam as falas para compartilhar sua experiência e visão de mundo.

Tamara criou poemas a partir de experiência sozinha no barco

Não à toa, os livros são comuns a elas. Fazem vezes de inspiração, referência e companhia.

Tamara mora em Paris e é descrita pela irmã Laura como o andarilho Knulp, personagem criado pelo escritor Herman Hesse. Na história, o protagonista vai de cidade em cidade e vive experiências intensas, mas passageiras.

Tamara Klink navega sozinha pela primeira vez; viagem durou um mês - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tamara Klink navega sozinha pela primeira vez; viagem durou um mês
Imagem: Arquivo pessoal

Em setembro, Tamara velejou completamente sozinha pela primeira vez e transformou o que viveu por lá em poemas. Em livro, vai versar sobre a viagem e também um outro tipo de travessia, marcada pelo caminho da infância à vida adulta, quando decide ser velejadora como o pai.

Há 36 anos, Amyr Klink cruzou o Oceano Atlântico em um barco, mas o que realmente o deixou tenso foi ver a própria filha em alto mar. Já a mãe, Marina, foi mais pragmática. "Que moral e direito eu teria de impedi-la se os pais são referência para os filhos?", disse ao UOL durante a travessia da filha.

O barco foi comprado pela filha com dinheiro emprestado por um amigo. Tamara enfrentou um mar alto ao sair da Noruega e chegou um mês depois na França, país onde estuda arquitetura naval.

As ondas invadiam o barco e a água salgava os objetos pessoais. Sozinha, ela sentia medo de que um veleiro estranho a encurralasse em alto mar. Durante o trajeto, era mais ou menos acompanhada de maneira remota pela família, e cronometrava as poucas horas de sono para se manter atenta à viagem.

No Instagram, ela narrou a aflição e a ansiedade com o isolamento ao velejar em vídeos e textos. A solidão da travessia e o isolamento diz terem sido acentuados pela distância do Brasil, pela pandemia e ainda intensificadas com as exigências e riscos do oceano. "Eu parti com uma dúvida se seria capaz de velejar sozinha, e cheguei com a certeza de que era capaz", diz.

O risco que se risca não se desfaz
Como quando se escolhe
partir para o alto mar

Os poemas sobre a experiência foram primeiro publicados nas redes sociais.

A comparação com o personagem que viaja de local em local não a desagrada, e talvez seja parte de um diagnóstico sobre a decisão de navegar e construir embarcações.
"Tem uma parte ingrata em navegar, pois na navegação estamos sempre partindo. Paramos em um porto, conhecemos gente legal, temos encontros incríveis, e sabemos que nada vai ser eterno", diz Tamara a Ecoa.

"Os barcos afundam, aquele terreno não é nosso, a nós não pertencerá".

Quem são as Klink

As irmãs são paradoxalmente parecidas e diferentes. No Brasil, Laura estuda design gráfico e parece ser a mais apegada à manutenção dos valores e vínculos familiares.

"Nossa mãe nos ensinou a não terminar uma viagem quando se chega em casa e se desfaz as malas. Quando você compartilha uma história, elas tornam-se do mundo, de quem quiser tê-las. É curioso quando se surpreendem que a gente cresceu, mas nossas histórias continuam vivas, como se as bagagens não tivessem sido desfeitas", diz.

Os Klink na Antártica, em 2006, com Nina Klink, mais nova, ao centro - Marina Klink/Arquivo pessoal - Marina Klink/Arquivo pessoal
Os Klink na Antártica, em 2006, com Nina Klink, mais nova, ao centro
Imagem: Marina Klink/Arquivo pessoal

Já Nina estuda administração de empresas e prefere diários ou histórias sobre grandes exploradores e expedições. São registros que para ela servem como inspiração de como gerir equipes, construir valores conjuntos e cultivar as funções e equilíbrio exigidos de um líder. Aos poucos, Nina e a família abandonam o diminutivo "Marininha", apelido de infância usado para distingui-la da mãe, sua xará.

Laura lembra que Nina, por ser a mais nova, não entendia o que eram as "aves" das quais os pais falavam antes da viagem para a Antártica. Para ela, o som da palavra era confundido com "árvore". A Nina de seis anos sasbia o que eram passarinhos e árvores, mas não aves. "Ela acreditava que lá existiam árvores voadoras", diz Laura. "Eu acreditava que tinha uma floresta Amazônica na Antártica!", lembra.

Quando chegou ao local das "árvores voadoras" que existia em sua imaginação, Nina encontrou com uma água tão limpa que parecia como uma sopa transparente e por onde mergulhava e sobrevoava dezenas de albatrozes e pinguins - enfim, as aves que dali em diante fariam parte de seu repertório. Apesar do apreço com a fauna, havia uma regra no barco: era proibido chamar os animais ali avistados de "fofos".

"Não adianta chamar o animal de fofo e não entender onde ele está ou como ele vive. Era uma maneira dos nossos pais tornarem a viagem mais proveitosa", explica Laura. "Todas achávamos fofos, especialmente a Tamara", diz Nina. "É interessante a riqueza da precisão. O 'fofo' de certa forma objetifica os elementos e esvazia de qualidade e impede que conheçamos as várias camadas de uma espécie", acrescenta Tamara.

É preciso salvar o mundo!

Na infância, as três cruzaram a barco o Mar de Drake, um trecho localizado entre a América do Sul e a Antártica. No passado, embarcações e até aviões já desapareceram na região onde a temperatura pode chegar a - 25ºC e é preciso se atentar às tempestades e icebergs.

"Nossos pais nos mostraram que o estreito de Drake não é um vilão ou um mal necessário, mas um caminho. Por ser muito difícil e duro, também é cheio de histórias que nos fazem valorizar ainda mais quando chegamos na Antártica", afirma Nina.

O pai exigia precisão das filhas para ensiná-las.

Não bastava entender que o Drake era "perigoso". Elas deveriam conhecer as formações geológicas, as correntes marítimas, as espécies naturais e toda a importância da região para o balanceamento do meio ambiente global. Segundo elas, era uma forma de respeito e compreensão sobre a complexa história natural do ambiente onde navegavam, e dos animais que viam enquanto viajavam por sobre as águas.

Ao todo, Tamara foi nove vezes para a Antártica; Nina e Laura, sete. A família também viajava para conhecer biomas brasileiros, como o Pantanal, e navegava por vários mares pelo mundo.

Por isso, tornou-se fácil observar as mudanças causadas pelo homem no planeta. "Por a gente ter tido contato com a natureza desde cedo, e conhecer fisicamente pelo som, a cor e a forma, a gente tem um vínculo muito mais fácil de afeto", explica Laura.

"O que a gente faz no planeta — e já vimos pessoas obrigadas a migrar devido ao aumento na temperatura, e destruição dos oceanos, diminuição dos peixes — é como se estivéssemos queimando um grande livro escrito por ecossistemas a milhões de anos e com diversas respostas para vencer os desafios climáticos", explica Tamara.

Paratii-2. embarcação de Amyr Klink, atraca na Antártica com as filhas - Marina Klink/Acervo pessoal - Marina Klink/Acervo pessoal
Paratii-2. embarcação de Amyr Klink, atraca na Antártica com as filhas
Imagem: Marina Klink/Acervo pessoal

A ONU estima que 1,2 bilhão de empregos no mundo dependem de recursos diretos da natureza, como a pesca ou a mineração. Em dez anos, 72 milhões de empregos serão perdidos no mundo devido às mudanças climáticas. Estima-se que 25 milhões a 1 bilhão de pessoas poderão migrar devido aos efeitos do aquecimento global até 2050.

Para elas, os números nem sempre assustam quem vive nas grandes cidades, distantes da natureza e sem percepção de quanta riqueza desaparece junto com as florestas, rios e oceanos.

"Existe uma inversão de valores", acrescenta Laura. "Meu avô morava no Líbano, um lugar seco, e dizia que se sentiria rico se morasse perto da água. Mas hoje, mesmo morando perto de tantos bens naturais, é muito mais fácil na cidade valorizar somente os bens materiais". Tamara faz um adendo. "Somos privilegiadas. Na pandemia ficou evidente que tem quem busca por água e não encontra".

Nina acrescenta. "Hoje em dia, as instituições precisam entender que suas condutas de governança corporativa não devem ver um programa de meio ambiente só como um diferencial. [Ter esta consciência] vai ser um pré-requisito que as organizações vão precisar incorporar para sobreviver no mundo".

Futuro em sintonia

As três escolheram áreas diferentes de trabalho, mas acreditam que o conhecimento sobre a natureza desde a infância vai acompanhá-las.

"Às vezes perguntam porque não fomos biólogas ou da vela. Sou designer, mas o contato que tive com a natureza muda completamente a forma de ver as coisas e interpretá-las. É bom termos personalidades distintas inclusive para agregar e criar um projeto juntas", diz Laura.

"Se a gente tivesse vivido experiências mais passivas, como ficar em casa vendo televisão, não teríamos trabalhado a capacidade sensorial de interpretar e perceber o mundo como a gente faz", diz Tamara. Ela nutre planos de ir sozinha para a Antártica, velejando e ajudando a repensar o mundo onde vivemos.

"A gente precisa criar e contar histórias em cima dos números e dados sobre as mudanças climáticas para fazer as pessoas se movimentarem em prol de uma causa ambiental", conclui Nina, amarrando os desejos das irmãs Klink.