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Exigir inglês fluente e superqualificação reforça racismo institucional

Cléberson Santos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

08/12/2020 04h00

Como é a representatividade racial que as empresas querem promover? Uma presença negra real, em todos os cargos possíveis, ou apenas nos cargos menores? Esses foram alguns dos questionamentos levantados pela psicóloga Lia Vainer Schucman no primeiro dia de palestras da 4ª Semana da Equidade Racial, promovida pela agência Wunderman Thompson em parceria com Ecoa.

Lia, que estuda relações raciais e branquitude, abordou o conceito do racismo institucional ao falar sobre o interesse das empresas em engajar-se na luta antirracista. O racismo institucional trata da desigualdade baseada em raça (privilegiando brancos) que ocorre em instituições tais como empresas privadas e órgãos públicos.

"Uma empresa que tenha 56% de funcionários negros tem uma taxa equivalente à população brasileira. Mas tem que ser em todos os cargos, porque se for 80% dos negros nos serviços gerais e 100% de brancos na liderança, continua existindo o racismo institucional".

Foi justamente tratando desse assunto que o CEO da Wunderman Thompson deu início às atividades do evento na manhã de ontem (7). Pedro Reiss falou do compromisso assumido pela agência em ter 20% do seu quadro de funcionários formados por profissionais negros - meta já alcançada pela empresa, mas que ainda não é representativa da população brasileira, como apontou Lia.

"Não vamos comemorar a vanguarda do atraso. Agora queremos ter 56% de profissionais negros na agência e aumentando a presença de negros também nos cargos de liderança. Nós queremos chegar até o primeiro trimestre do ano que vem com metas e colocar a empresa inteira para alcançar essa meta, de transformar nossa liderança", disse o CEO da Wunderman Thompson.

O racismo institucional não se resume à falta de representatividade no quadro de funcionários da empresa, mas também nos serviços oferecidos por ela. Lia usou como exemplo o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro morto por um segurança terceirizado de uma loja do Carrefour, em Porto Alegre.

"A segurança é um serviço oferecido ao cliente, mas o serviço não é igual para brancos e negros. [Se] um homem branco, vestido de terno, faz piadinha com um funcionário negro; esse funcionário conseguiria chamar o segurança? Esse segurança espancaria o cliente até a morte por isso? Se esse é um exercício difícil de ser imaginado, nós podemos chamar de racismo institucional", aponta a psicóloga.

Seguindo a mesma linha, Lia citou as duas meninas que foram assassinadas durante uma operação da Polícia Militar em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, neste final de semana: "Imagina o escândalo que seria duas meninas serem assassinadas no quintal de casa no [bairro paulistano dos] Jardins?"

Não confunda competência profissional com privilégio

Outro ponto importante sobre a promoção da equidade racial nas empresas é sobre o que é exigido para as vagas. De acordo com uma pesquisa feita em 2019 pela British Council, apenas 5% dos brasileiros falam inglês, apesar de 91% dos executivos admitirem o idioma como essencial no mundo dos negócios.

Segundo Lia, exigir inglês para as vagas é "uma barreira" ao negro que busca se colocar profissionalmente. Ela também aponta a visão conturbada que o meio corporativo tem de termos como "meritocracia" - que ela chama de "supremacia branca à brasileira" - e resiliência.

"Estudar numa universidade de elite, ter inglês, não é competência, é oportunidade. Falam em resiliência para o cara que fez intercâmbio e se virou num país que não conhece ninguém. O cara da periferia, que trabalha no centro, que sustenta a família, trabalha de dia e estuda à noite, ele não é resiliente? A própria ideia de competência também distribui os benefícios entre nós mesmos", afirma a psicóloga, que completa:

"Essa distribuição [de oportunidades] é a forma como a branquitude se perpetua na nossa sociedade. Ser antirracista é quebrar esse pacto, essa distribuição".

+ do primeiro dia da Semana de Equidade Racial

Além da palestra de Lia Schucman, o primeiro dia da Semana de Equidade Racial também contou com a participação de quatro profissionais da WT que participaram do desenvolvimento do "Manual Agência Sem Racismo".

O material, disponível para download no site da agência, aborda como o privilégio branco é exercido dentro da área criativa e como é possível ser um aliado da causa antirracista na empresa em que se trabalha.

O fim da programação de ontem contou com a participação de Sauanne Bispo, empresária e fundadora do Go Diáspora, uma agência de viagens focada no continente africano. Em sua fala, Sauanne buscou quebrar alguns estereótipos sobre o desenvolvimento econômico, tecnológico e educacional da região.

A 4ª Semana de Equidade Racial continua hoje (8), a partir das 10h, com transmissão ao vivo em Ecoa, e vai até sexta-feira. Entre as convidadas do segundo dia estão Anielle Franco, diretora executiva do Instituto Marielle Franco, e a cantora Larissa Luz.