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Conversa de Portão #11: Andressa Reis fala sobre classe e criação com afeto

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

29/11/2020 04h00

Na base da pirâmide econômica, mulheres e meninas de todo o mundo, principalmente as que vivem em situação de pobreza e pertencem a grupos marginalizados, dedicam gratuitamente mais 12 bilhões de horas todos os dias ao trabalho de cuidado. Uma força de trabalho que, se fosse monetizada, seria o equivalente ao triplo de toda a indústria de tecnologia mundial.

Mas não é; e pior: a tarefa acumula-se a outras responsabilidades. Como o tamanho desse trabalho pode afetar a maneira com que as mães - as trabalhadoras do cuidado por excelência - criam seus filhos? E como os recortes de raça e classe impactam na realidade da maternidade?

Neste 11º episódio de Conversa de Portão, a apresentadora Mayara Penina fala com a criadora de conteúdo Andressa Reis sobre acolhimento materno, sobrecarga e afeto. "Não fiz nada o dia todo, apenas crio crianças incríveis" é o lema irônico dessa mulher preta, moradora da Baixada Fluminense, mãe da Maria e do Caetano, que usa as redes sociais para compartilhar informações e experiências da maternidade real e sem filtro.

"É notório que - quando se é preta, quando se é pobre - ou você conta com a sua família, ou você fica sobrecarregada", diz (a partir de 12:07 do arquivo acima). "E uma mulher sobrecarregada não consegue criar com afeto, essa é a verdade. Quando a gente fica sobrecarregada, o que a gente destinaria aos nossos filhos acaba se tornando uma tormenta. A gente não consegue acolher, e não consegue olhar para as demandas com carinho. Justamente porque a gente não tem um momento de acolhimento, não tem esse tempo".

Em seu trabalho, Andressa fala muito sobre contar com a rede de apoio, pedir ajuda, se permitir ser ajudada, para conseguir acolher o outro enquanto é acolhido também. E isso só é possível com uma divisão da carga de cuidados. Quem consegue atender com paciência e afeto aos filhos pequenos enquanto passa o pano no chão, lava o banheiro, faz o almoço, planeja o jantar e organiza a rotina da família toda? Segundo Andressa, ninguém. É preciso escolher e permitir-se "não dar conta de tudo" para, inclusive, poder colocar as crias em primeiro lugar.

"Muitas mulheres chegam para mim e dizem: eu gostaria muito de poder fazer dessa forma, mas não tenho apoio meu companheiro, ele acha exagero. E aí eu vejo que ainda há muita coisa a ser feita", afirma (aos 15:42 do arquivo acima). "Só que a mãe não consegue fazer essa transformação se as outras pessoas que convivem com ela não estão abertas a entender essa transformação, a participar dessa transformação".

Mas o movimento precisa partir de algum lugar. "O tempo que você tiver para descansar, descanse mesmo. Louça não morre. Bebê, criança, precisa de afeto, precisa de carinho. A louça precisa ser lavada. Se não for lavada, não vai morrer. Se você não fizer a cama, a cama não vai chorar. São pequenas coisas que a gente pode abrir mão de tentar resolver enquanto tá se dedicando ao filho", afirma (a partir de 24:52 do arquivo acima). "Tentar se libertar desses padrões aí de casa arrumada e se jogar no sofá, pegar um livro, lavar o cabelo, fazer uma hidratação, enfim. Qualquer coisa que dê prazer. Fugir de atividades que vão demandar mais tempo para além do tempo já é gasto criando um filho".

O conversa de portão é um podcast produzido pelo Nós, Mulheres da Periferia em parceria com UOL Plural. Novos episódios são publicados toda terça-feira. Este episódio teve produção de Carol Moreno, direção musical de Sabrina Teixeira Novaes, trilha sonora e edição de som por Sabrina e Camila Borges.

Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts e em todas as plataformas de distribuição. Você pode ouvir Conversa de Portão, por exemplo, no Youtube, no Spotify, no Google Podcasts e no Deezer.