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"Mulher da floresta tem muito a aprender, mas também a ensinar", diz artesã

Participante de curso de empreendedorismo para mulheres da Amazônia - Divulgação
Participante de curso de empreendedorismo para mulheres da Amazônia Imagem: Divulgação

Carmen Lúcia

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro

29/10/2020 04h00

Discussões sobre desigualdade de gênero e direitos da mulher em comunidades ribeirinhas e indígenas são o foco de um projeto para a conservação e promoção do desenvolvimento sustentável da floresta amazônica. Com o lema de que educação e capacitação de qualidade têm o poder de impactar profundamente a vida de todos em uma comunidade, a Americanas e a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) - parceiras, desde 2018, ofereceram cursos sobre equidade de gênero para mulheres da Amazônia.

Com o objetivo de estimular o empreendedorismo entre mulheres amazônicas, teve início neste mês de outubro o curso Empoderamento Feminino com 30 mulheres, em idades variadas. As aulas do curso fomentam discussões sobre como visões rígidas e tradicionais do papel do homem e da mulher na sociedade podem afetar diretamente as escolhas, a saúde e a sexualidade das mulheres, além de auxiliar a criação de uma rede de cooperação entre as habitantes locais. Vale ressaltar que todas as turmas do curso respeitam as normas de segurança recomendadas pela Organização Mundial de Saúde.

"Ao final do ciclo de projeto, serão realizados 15 cursos, todos atendendo a demandas previamente identificadas com os comunitários, pois desta forma é possível garantir o impacto positivo. No geral, os cursos têm temáticas voltadas à geração de renda que vão desde Design de Serviços Turísticos até a Manutenção de Motores de Popa (muito utilizado em comunidades tradicionais ribeirinhas). Buscamos ampliar uma rede de cooperação entre mulheres locais através de diversas atividades que trabalhem autoestima e valorização, desmistificação do papel da mulher na sociedade, bem como oficinas sobre seus direitos, e atividades que promovem emancipação e geração de renda", explica Natália Bessa Ribeiro, líder e idealizadora do curso de empoderamento feminino da FAS.

Para Natália, o projeto pode fazer a diferença na vida das mulheres, a partir do momento que capacita e oferece contato com o conhecimento. "Acreditamos que, através do conhecimento e competências adquiridas ao longo dos cursos de empreendedorismo, cada participante terá o norte necessário para abrir seu próprio negócio, seja trabalhando com Turismo de Base Comunitária ou por meio do Empoderamento Feminino. Ele constrói uma rede de apoio entre as mulheres ribeirinhas, possibilitando a independência e valorização do seu trabalho, como as artesãs. Após entenderem sua força e possibilidade de ocupar todos os espaços, também conseguem se enxergar como empreendedoras".

Mulheres durante curso de empoderamento feminino em outubro - Divulgação - Divulgação
Mulheres durante o curso de empoderamento feminino em outubro
Imagem: Divulgação

O projeto evidencia o quão importante é começar a falar sobre empoderamento ainda na infância. "Quando falamos em empoderamento feminino em comunidades tradicionais, não estamos falando somente de dar espaço para mulheres, mas de encorajá-las desde meninas a serem o que quiserem, ensinando-as a terem autoestima e repassarem esse suporte a outras mulheres. Aqui, trazemos temas relevantes e atuais, como a conceituação do que é empoderamento, os tipos de poder, a identidade da mulher ribeirinha e, ainda, a diferenciação dos tipos de violências sofridos pela mulher: física, sexual e psicológica".

Para Neurilene Cruz da Silva, 36 anos, da etnia Kambeba, grupo indígena que habita o médio Rio Solimões, no estado do Amazonas, ter acesso aos cursos de turismo de base comunitária e de culinária a fez reconhecer o seu valor e buscar novas oportunidades de trabalho. Tanto que hoje, ela é a responsável pelo restaurante da comunidade. "Não é fácil ser mulher na minha etnia. Aqui, ainda acreditam que mulher tem que ser submissa aos seus maridos, aquela que vive na cozinha, lavando, passando, indo para a roça. Mas eu vi que poderia não ser assim, eu não nasci para ser dominada. Eu vi minha avó e minha mãe nessa situação e eu nunca quis ser essa pessoa. Quando chegou a Fundação Amazônia Sustentável, eu fui levada a querer trabalhar e querer o que é meu. Eu fiz vários cursos e isso me deixou mais segura para trabalhar. Tem sido muito importante a experiência de trabalhar com pessoas de fora do Amazonas, de todo Brasil e até do exterior. Isso me motivou a fazer o curso de turismo, eu já tinha feito o curso de culinária e vi que era importante me aprimorar ainda mais", lembra.

A profissional ainda explica como trabalhar com alimento tem gerado uma conexão maior com a sua cultura. "A comida indígena nos traz força para lutar. Através dela, já fomos premiados e reconhecidos várias vezes. Essas premiações servem de inspirações e me fortalecem, pois lembro da minha avó, da minha cultura, os meus costumes, tudo aquilo que a gente não pode esquecer jamais".

Professora e artesã da comunidade de Tumbira, no Amazonas, Izolena Garrido, de 40 anos, acredita que o contato com a Fundação lhe permitiu aprimorar suas relações humanas. "Me ajudou bastante na atuação como professora comunitária, a melhorar a minha conduta como ser humano e ver as necessidades do meu povo. Eu queria me potencializar e potencializar as mulheres que me cercavam, trabalhar com o meu povo, entender as suas necessidades e ter os mecanismos para ajudá-los".

Izolena afirma que cada mulher tem seu talento e só precisa de um estímulo para que ele aflore. "Antes de fazer o curso, muitas mulheres tinham insegurança daquilo que elas poderiam conseguir na vida delas. Sabiam muita coisa, faziam muita coisa, mas não tinham direcionamento. O curso mudou a vida dessas mulheres. Hoje, a minha missão é fortalecer as outras mulheres, para que elas possam reconhecer o seu potencial e desenvolver dentro delas os elementos necessários para crescer no mercado de trabalho. Acima de tudo, sou uma mulher que luta com as outras em busca do nosso respeito, da nossa dignidade e do nosso espaço social. A mulher da floresta tem muito a aprender, mas também tem muito a ensinar", finaliza.