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Conheça a autora do maior mural feito por artista indígena do mundo, em BH

Empena gigante assinada por Daiara Tukano em Belo Horizonte - Divulgação
Empena gigante assinada por Daiara Tukano em Belo Horizonte Imagem: Divulgação

Lígia Nogueira

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

07/10/2020 13h12

Quem passa pela Avenida Amazonas, no Centro de Belo Horizonte, tem a oportunidade de ver o maior mural de arte urbana feito por uma artista indígena no mundo. A obra recém-terminada, assinada por Daiara Tukano, 38 anos, ocupa uma empena de mais de 1.000 m² no Edifício Levy com a colorida imagem de uma mãe carregando o seu filho no colo. É praticamente impossível não se demorar sobre o desenho vibrante da artista, que é também mestre em direitos humanos com ênfase em direito à memória e à verdade dos povos indígenas pela Universidade de Brasília (UnB), comunicadora independente e coordenadora da rádio Yandê, primeira web-rádio indígena do Brasil.

"A arte também é um espaço de somar à resistência, à luta, aos sentimentos dos povos indígenas, e espero que cada vez mais tenham parentes indígenas ocupando todos os espaços, principalmente os espaços da arte, que sempre foram negados a nós", diz Daiara, em entrevista à coluna. "Esses espaços estão começando a se abrir e mais parentes estão circulando", diz ela, citando outros artistas indígenas selecionados para participar do festival CURA - Circuito de Arte Urbana, na capital mineira.

Ela cita Jaider Esbell, do povo Makuxi, de Roraima, autor de uma instalação no viaduto Santa Tereza, com duas cobras infláveis com cerca de 40 metros, Denilson Baniwa (AM) e Célia XaKriabá (MG), que assinam uma intervenção no antigo prédio de engenharia da UFMG com bandeiras gigantes. O evento contou também com a curadora indígena Arissana Pataxó. "São mulheres indígenas que estão unindo esforços para incluir outros indígenas na cena da arte contemporânea, ao lado de Naine Terena (Pinacoteca) e Sandra Benites (MASP), por exemplo", diz Daiara.

A arte é uma maneira de contribuir para a luta dos povos indígenas
Daiara Tukano, artista

A artista é descendente do povo Tukano, que vive no Alto Rio Negro, no Amazonas, na fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, mas nasceu em São Paulo, em meio à mobilização do movimento indígena nacional que estava concentrada na cidade durante o período da pré-Constituinte. "Nasci no meio do movimento e hoje vivo em Brasília junto com meus irmãos. Foi a cidade que meus pais escolheram para que a gente pudesse estudar e ter uma formação para poder colaborar com o nosso povo de alguma maneira."

Seu avô, seus tios e primos vivem na Aldeia Balaio, próxima ao município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. "Nossa família fica entre a aldeia e a cidade. Estamos sempre conectados com o nosso povo e com a nossa tradição, encontrando novas ferramentas, novos meios de manter a nossa cultura viva."

Leia a seguir trechos da entrevista com Daiara Tukano.

O que significa, para você, como mulher e indígena, assinar o maior mural de arte contemporânea do mundo?

Daiara Tukano - Para mim, enquanto mulher indígena e artista, me sinto privilegiada de ter sido convidada a fazer essa pintura em um prédio de Belo Horizonte, no circuito de arte urbana, que faz parte de um projeto maravilhoso. E ainda uma obra tão grande —tem 48 metros de altura por 28 metros de largura. É uma pintura que eu pensei especificamente para esse prédio nesse momento tão especial. Estamos passando por uma situação muito difícil enquanto povo indígena por causa da pandemia de Covid-19, eu mesma perdi muitas pessoas queridas. Mas resolvi atender esse chamado de participar do evento para poder trazer uma mensagem que eu acho necessária nesse momento, para todos nós, não apenas enquanto indígena.

Você já tinha feito outros murais desta dimensão antes?

Daiara Tukano - Para mim foi uma surpresa. Eu ainda não tinha me ligado na dimensão, no tamanho do que aquilo podia significar. Eu já tive oportunidade de pintar outros muros, mas para pintar uma parede é um investimento. Toda vez que me convidam eu aceito porque eu mesma não tenho condições de bancar uma coisa dessas. Eu trabalho normalmente formatos pequenos, sobre papel, e quando tem algum dinheiro faço algumas telas grandes. Pintar uma parede requer tanto esforço físico quanto material, e é difícil ter acesso a esse material. Agora está começando a cair a ficha de que essa é a maior obra de arte indígena contemporânea do mundo.

Lamentavelmente entre os povos indígenas ainda estamos em um processo de ter a nossa arte valorizada, reconhecida, inclusive na arte urbana. Fico honrada de poder trazer um pouco desses olhares, desse sentimento, para essa cena da arte urbana e principalmente para a paisagem de um lugar tão marcado historicamente por seus processos de colonização. Minas Gerais, como diz o nome, é um lugar muito marcado pela mineração, um lugar onde os nossos parentes indígenas têm a sua memória muito marcada por todo tipo de violência.

Como é a sua relação com a arte?

Daiara Tukano - Faço arte desde que me entendo por gente, mas tenho uma formação universitária, sou formada em artes visuais pela Universidade de Brasília (UnB), jpa fui professora de arte, e o grafite, quando a gente tem oportunidade de fazer a gente faz. Trabalho com várias técnicas, também gosto de fazer aquarelas, nanquim, sou desenhista.

Pintar o mural como este é uma maneira de trazer um sentimento de pertencimento
Daiara Tukano, artista

Você poderia falar mais sobre o desenho que escolheu?

Daiara Tukano - Esse desenho traz uma homenagem à resistência dos nossos parentes. Ele representa essa grande mãe, é uma mãe carregando o filho no colo, e essa mãe é a mãe natureza, a mãe selva, a mãe floresta, a mãe das matas, que carrega o seu filho, um rio menino, que só nasce onde tem mata, porque é ela que permite que a terra possa respirar, que a água possa circular, que o planeta possa estar vivo. Então é uma maneira de representar a soberania, porque a natureza é soberana, e trazer um sentimento de pertencimento, porque acredito que essa mãe natureza nos segura no colo, nos dá água para beber, ar para respirar, o melhor alimento. Essa nossa casa, a nossa mãe, é a única mãe que a gente tem. A gente não vai sair correndo daqui para outro planeta e a gente tem de aprender a honrar e a respeitar.