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Mapeamento de ações de agroecologia quer chegar à agenda de novos prefeitos

Agroecologia: agricultura feita de forma sustentável - LEO DRUMOND / NITRO
Agroecologia: agricultura feita de forma sustentável Imagem: LEO DRUMOND / NITRO

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, de Maceió

03/10/2020 04h00

O ano de 2020 deve ser um marco para o incentivo às ações de âmbito municipal à agroecologia, termo usado para classificar a agricultura feita de forma sustentável. Para isso, uma rede de entidades, coordenadas pela ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), lançou ontem (2) uma campanha com uma série de propostas de políticas públicas de apoio à agricultura familiar e à agroecologia para serem entregues a candidatos à prefeitura de cidades pelo Brasil.

A ANA atua com 23 redes estaduais e regionais, que reúnem centenas de grupos, associações e organizações não governamentais em todo o país, além de 15 movimentos sociais de abrangência nacional. É por meio dessa rede que serão disseminadas as propostas para que boas ações sejam replicadas pelo país.

Mais de 500 cidades com iniciativas

Um levantamento, ao qual Ecoa teve acesso exclusivo e que ainda será divulgado na íntegra, mapeou todas as iniciativas de políticas municipais de apoio à agricultura familiar e à agroecologia. Foram contabilizados 520 municípios com vários tipos de ações.

"Essas iniciativas partem, em sua imensa maioria, dos agricultores e das agricultoras e suas organizações, com assessoria de ONGs", conta Denis Monteiro, agrônomo e secretário-executivo da ANA. "Mais recentemente, dos anos 2000 em diante, é que começou a haver políticas públicas federais de apoio. Mas houve cortes orçamentários drásticos desde 2015", completa.

Segundo ele, o número encontrado de iniciativas foi uma surpresa.

"Nos surpreendemos com a quantidade de iniciativas e com a diversidade de temas que encontramos em tão pouco tempo; nossa pesquisa se concentrou em um mês de trabalho. Fizemos a pesquisa para mostrar que boas ideias e iniciativas do poder público municipal não faltam e que os municípios podem fazer muito para apoiar o desenvolvimento da agroecologia"
Denis Monteiro, agrônomo e secretário-executivo da ANA

Agricultura familiar em Brejo da Madre de Deus - GENILSON ARAÚJO/FETAPE - GENILSON ARAÚJO/FETAPE
Agricultura familiar em Brejo da Madre de Deus
Imagem: GENILSON ARAÚJO/FETAPE

Experiências a serem replicadas

Existem hoje várias experiências exitosas e que não necessariamente dependem de orçamento federal, como a política de vale-feira para os servidores municipais. Eles podem ser utilizados nas feiras e mercados da agricultura familiar e nos demais empreendimentos de economia solidária da rede. "Já identificamos experiências interessantes. São poucas ainda, mas existem. Em Pinhão (PR), por exemplo, o vale-feira é um instrumento da Política de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos: a população urbana paga uma Taxa de Lixo, desde que cumpram as normas de separação do lixo reciclável, que é revertida em uma moeda local exclusiva para uso na feira livre do município. Cachoeiro de Itapemirim (ES) tem também experiência de vale-feira, assim como Paty do Alferes (RJ)", diz.

Outro bom exemplo citado por Denis é de Belo Horizonte voltado à área de segurança alimentar e nutricional. "Lá eles têm um conjunto de ações articuladas, desde restaurantes populares, apoio a pontos de comercialização e incentivo à agricultura urbana", conta.

Propostas a futuros prefeitos

No documento da campanha, a ANA traz várias propostas do movimento agroecológico e que podem ser implantadas pelos futuros prefeitos.
"Este documento será adaptado pelos coletivos e movimentos nos municípios onde há mobilização do movimento agroecológico e será apresentado às candidaturas. Além disso, estamos mapeando os candidatos e as candidatas que têm compromisso com a nossa agenda propositiva. Eles e elas certamente vão pautar esta agenda no debate eleitoral", diz.

Uma das propostas é a criação de uma política municipal de apoio às feiras da agricultura familiar e agroecológicas, mercados de venda direta, pontos de venda e demais equipamentos públicos de abastecimento alimentar e iniciativas de economia solidária.

Além disso, a cartilha cobra a efetivação da compra direta da agricultura familiar para a alimentação escolar, cumprindo o previsto no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) — que exige destinar no mínimo 30% dos recursos repassados pelo governo federal para compra da agricultura familiar.

O documento ainda defende a adesão dos municípios ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Denis cita que, no final de abril, foram destinados R$ 150 milhões do orçamento federal para estados e municípios. "Consideramos pouco, dado o tamanho do país, e defendemos que as prefeituras cobrem do governo federal a destinação de mais recursos para o programa", diz.

Capital agroecológica em PE

Agricultura familiar em Brejo da Madre de Deus - GENILSON ARAÚJO/FETAPE  - GENILSON ARAÚJO/FETAPE
Agricultura familiar em Brejo da Madre de Deus
Imagem: GENILSON ARAÚJO/FETAPE

Desde 2012, o município de Brejo da Madre de Deus, no agreste de Pernambuco, tem o título de "Capital da Agroecologia", outorgado pela Assembleia Legislativa. "De lá pra cá são inúmeras ações na cidade voltadas para esse pensamento de produzir agroecologicamente", conta a Ecoa o assessor da Fetap (Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Pernambuco), Elton de Melo, que atua no município.

Ao todo são seis entes —entre eles a prefeitura— que atuam junto a agricultores que produzem agroecologicamente. Hoje, a cidade possui até o mel de abelha produzido de forma agroecológica pelos agricultores familiares distribuído na merenda escolar.

"Na cidade também se realiza anualmente a feira do verde, que foi iniciada no ano de 2000 e tem caráter agroecológico, com intuito de promover esse modelo de cultivo e de sociedade. Além disso, ela dá visibilidade aos produtores locais", afirma.

Para Castro, não há dúvida que há benefícios a curto, médio e longo prazos para todos da cidade. "O modelo agroecológico de produzir e viver vai além da produção: são vantagens sociais, ambientais e na saúde da população em geral. É uma relação com a sociedade e com a terra e com os alimentos", acredita.

Meio ambiente em pauta

E não é apenas a agroecologia, mas o meio ambiente deve ganhar força na pauta das eleições deste ano. Segundo Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica, o tema entrará como uma "agenda forte" na disputa municipal.

"Isso ocorre principalmente por questões de mudanças climática e de recursos hídricos. A agenda da água, do saneamento, os compromissos do país frente aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Os municípios estão muito ligados nessa agenda, e isso é uma estratégia de retomada do desenvolvimento das atividades econômicas, pós-pandemia", avalia.

Para ela, o tema deve ser visto de forma interligada com a capacidade das cidades potencializarem o turismo, com maior visitação a parques e patrimônios naturais. "Então, é um momento importante para essa retomada da agenda ambiental. A SOS Mata Atlântica fez um manifesto aos candidatos e candidatas das eleições municipais propondo uma agenda de desenvolvimento que tenha o meio ambiente como premissa, com prioridade principalmente pros municípios da Mata Atlântica —que está presente em 17 estados do país", explica.

Nesse contexto, a entidade também vê um incentivo à agroecologia. "Com ela podemos ter uma produção de alimentos mais sustentável. É uma forma do município colocar no seu chão, no seu território, vários instrumentos para minimizar os impactos do clima, trazer segurança alimentar e fomentar o bem-estar e qualidade de vida na cidade", conclui.