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Qual o segredo de Goiás para liderar o melhor ensino público do país?

Estudantes participam de oficina e Goiás - Estúdio x+x/Estudio x+x
Estudantes participam de oficina e Goiás Imagem: Estúdio x+x/Estudio x+x

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

18/09/2020 04h00

Escolas em tempo integral, políticas mantidas mesmo com a troca de governo, mudanças na grade curricular e uma união entre estado e empresas privadas são alguns motivos para explicar como Goiás tornou-se o estado com os melhores índices de qualidade no ensino médio público do país.

Além de atingir as metas estaduais propostas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para 2019 no Ensino Fundamental, o Ensino Médio público goiano estadual obteve 4,7 pontos de qualidade, maior pontuação entre as unidades federativas — a média nacional foi de 4,2 pontos de acordo com o ranking divulgado nesta terça (15).

O resultado considera a pontuação média em provas de português e matemática, que vão de 0 a 10 cada, da prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), multiplicados pela média de taxa de aprovação de alunos, que vai até 100%.

São Paulo lidera o ranking nos primeiros anos do Ensino Fundamental (1ª a 5ª série), com 6,5 pontos contando todas as públicas (estaduais, municipais e federais), enquanto o Ceará tem o melhor resultado nacional no restante do Fundamental (6ª a 9ª série), com 5,2 pontos, empatado com São Paulo, mas acima da própria meta de 5,6. Goiás bateu as próprias metas impostas nos dois quesitos (com 6 e 5,1 pontos, respectivamente), mas ganhou destaque por ter a maior pontuação no Ensino Médio no país.

Educadores e especialistas analisam o Ensino Médio como uma etapa desafiadora para os estados, que concentram 97% dessa etapa do ensino. Com mais idade e independência social, estudantes abandonam o estudo para trabalhar de maneira informal.

A evasão preocupa por acontecer em um período de preparo para o Enem e outros vestibulares, o que gera um efeito cascata de menos profissionais qualificados com ensino superior no futuro e aumento da informalidade no mercado de trabalho.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), estima que a taxa de evasão no Ensino Médio foi de 9,1%, contra 4,3% no ensino fundamental entre 2016 e 2017.

Mas o que foi feito em Goiás para tentar driblar essa situação?

Mais aulas de português e matemática

Para a secretaria de educação Fátima Gaviolli, um dos motivos foi aumento no ensino de matemática e português na grade curricular. As duas disciplinas são utilizadas no Saeb, prova nacional de onde se extrai a pontuação dada à educação de cada estado.

Goiás conta com o chamado "Nivelamento", ou um reforço, no qual são acrescentados 15 aulas de português e 15 de matemática no início de cada ano para revisar o conteúdo do ano anterior. Participam alunos do 1º ao 3º ano do Ensino Médio e do 3º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Em dezembro de 2019, o atual governador Ronaldo Caiado (DEM) oficializou o acréscimo de uma hora a mais de aula para as duas disciplinas no Ensino Médio.

Os índices positivos não são exclusivos do novo governo. Além da tática de reforçar as duas disciplinas que caem na prova, Goiás adota uma política de escola em tempo integral desde 2006.

Atualmente, a secretária de educação afirma que no turno convencional são ministradas aulas do currículo convencional, enquanto o contraturno oferece atividades optativas, como de música. Desde 2007, o estado ultrapassa as metas estipuladas pelo indicador de qualidade. "Mais difícil do que se manter no Ideb, é ficar lá em cima", explica Fátima.

Outro elemento contra a evasão são programas educacionais exibidos pela TV, rádio e internet, com cursos preparatórios que direcionam a saída do estudante do Ensino Médio direto para o Enem.

Segundo a secretária, os professores e educadores também abraçaram o objetivo de manter a nota. Apesar disso, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego) anunciou uma falta de reajuste salarial nos últimos dois anos e atraso no pagamento de vale-transporte durante a pandemia do Covid-19.

A secretária afirma que nunca atrasou o pagamento de salários e nem cortou benefícios durante a pandemia. Acrescenta que em 2019 passou a pagar aos professores um novo piso salarial, incluindo pagamentos retroativos, após atrasos no pagamento entre o final de 2018 e começo de 2019.

Terceiro setor fortalecido

Não é incomum que um governador seja eleito e modifique parcerias ou cancele programas do governo anterior.

A manutenção desses laços com o terceiro setor firmados no passado também é vista como um fator que profissionalizou a gestão do ensino, com acréscimo de análises e ferramentas tecnológicas, deu mais agilidade para agir contra as notas baixas ao longo do ano e manteve os alunos em sala de aula.

Estão nos planos da secretária, por exemplo, um disparo de SMS para os pais de alunos que faltarem à escola produzido em parceria com uma ONG.

Outra iniciativa já em curso é o programa "Jovem de Futuro", do Instituto Unibanco, que atua desde 2012 nos colégios públicos em Goiás com uma metodologia chamada "Circuito de Gestão". Em 2020, mais de 180 mil estudantes foram atendidos pelo programa no estado.

A cada três meses, profissionais da educação recebem treinamentos, fazem rodas de conversa e analisam dados coletados nas provas dos alunos. A partir dos números é possível estabelecer metas para cada colégio; uma ferramenta mostra quais disciplinas e quais colégios precisam de mais atenção. Se algo não funcionou dentro de três meses, há uma discussão para decidir outra abordagem — como reforço ou treinamento do professor.

Os relatórios saem aluno por aluno, escola por escola. Assim, não se espera até o final do ano para saber a qualidade do ensino. Não há prêmios para as melhores escolas.

Estado mantém parceria com iniciativa privada; Ricardo é superintendente do Instituto Unibanco e oferece ferramentas para alunos e professores - Divulgação - Divulgação
Estado mantém parceria com iniciativa privada; Ricardo é superintendente do Instituto Unibanco e oferece ferramentas para alunos e professores
Imagem: Divulgação

O programa é feito em conjunto com a secretaria estadual e o objetivo é profissionalizar e melhorar a educação pública, como explica Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco. Segundo ele, a escola em ensino integral também ajuda a colocar o processo em prática.

"A maior virtude do ensino integral é, na verdade, um professor em tempo integral", pontua. "Escola não se resolve com pirotecnia, mas com rotinas bem estruturadas e profissionais".

Parcerias e colégios militares

Para Henriques, uma menor participação do Ministério da Educação está levando os estados a profissionalizar o investimento de recursos estaduais para encontrar novas soluções.

Uma das parcerias de Goiás são os colégios administrados pela Polícia Militar. São 45 escolas cívico-militares no estado. Os gestores são policiais da reserva com formação em educação indicados pela Secretaria de Segurança Pública.

Já a Secretaria de Educação nomeia coordenadores, professores e pode exonerar professoras ou diretoras — mesmo que sejam policiais militares. Segundo a secretária de educação, são seguidos os mesmos calendários, provas e matrizes curriculares do ensino convencional.

Colégios do tipo ajudaram a puxar o número positivo no estado para cima, mas das 15 melhores escolas estaduais avaliadas no Ideb em Goiânia no Ensino Médio, apenas 3 pertenciam à polícia. A maior nota da capital, porém, é de um colégio da corporação. Menos de um ponto atrás está uma escola de ensino integral.

Para educadores ouvidos pela reportagem, as boas notas dos colégios militares também são frutos dos "vestibulinhos" para filtrar quem são os alunos que entram. Por isso, tanto as famílias quanto os estudantes já têm uma qualificação maior antes mesmo de ingressar no colégio.

"O nosso maior desafio é garantir qualidade crescente para todos, independente de processo de seleção. Se há um processo de seleção, é evidente que as notas serão maiores. Nosso desafio de verdade é ter uma escola pública para inclusão de pessoas e aprendizado para todo mundo", pondera Henriques.