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Paraisópolis já sonha com esportes e oxigenação em parque para a favela

Vista da favela de Paraisópolis, na bairro do Morumbi, São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress
Vista da favela de Paraisópolis, na bairro do Morumbi, São Paulo Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Glória Maria

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

26/08/2020 04h00

Diariamente, a aposentada Margarida Maria sai às 8h de sua casa em Paraisópolis para fazer uma caminhada. Mas, para garantir o exercício matinal e escapar do sedentarismo, ela tem de se deslocar pela cidade, já que não consegue fazer isso no bairro em que mora.

"Aqui não tem calçada, tem trânsito de pessoas e tem muitas ladeiras. É impossível aqui dentro", diz Margarida, 62, sobre a falta de infraestrutura urbana que a impede de se exercitar ao ar livre dentro de sua comunidade.

Ele tem duas opções: ir até a região de "alto padrão" do Panamby ou fazer exercícios na avenida Hebe Camargo, próxima à favela de Paraisópolis e onde encontra alguns equipamentos de academia ao ar livre. Mas a resposta para as necessidades de Margarida e de seus vizinhos poderia estar muito mais próxima.

Há uma área verde preservada na divisa do Paraisópolis e Morumbi, beirando o condomínio Jardim Vitória Régia. Há mais dez anos os moradores da periferia sonham e torcem para que o espaço se torne um parque. A previsão atual da Prefeitura é que o projeto fique pronto em outubro de 2020.

Margarida Maria durante sua caminha matinal na avenida Hebe Camargo - Gloria Maria/UOL - Gloria Maria/UOL
Margarida Maria durante sua caminha matinal na avenida Hebe Camargo
Imagem: Gloria Maria/UOL

Margarida sente como os exercícios fazem muita diferença no dia a dia de seu corpo, e torce para que essa área verde saia do papel. "Nossa! Se a gente tiver um parque, vai ser maravilhoso. Espero que tenha bastante espaço e que tenha pista para caminhar. Aí, não vou precisar ir lá para o Panamby", conta.

Mas há um conflito entre favela e seu entorno afortunado. Moradores do Morumbi pediram permissão à Prefeitura para fazer um muro com altura de três metros entre o parque Paraisópolis e os condomínios. Além disso, exigiram somente uma entrada, pela comunidade. A Prefeitura negou.

A aposentada ouviu falar dessa proposta de muralha pela TV. "Eu conversei sobre o assunto com o meu filho, se eles podiam levantar esse muro e comentei que vejo muito preconceito vindo de lá", diz ela.

O espaço de lazer é aguardado por idosos, mães, pais, crianças, adolescentes e jovens. Um deles é Otávio Rodrigues, 16 anos, MC e skatista, que se aventura em algumas ruas dentro da comunidade, mesmo as estreitas e movimentadas.

Ele só evita as ladeiras. Na comunidade, há uma pequena pista de skate beirando a avenida Hebe Camargo, onde ele tira uma boa parte do seu lazer. "Eu já fiz alguns esportes nas instituições da comunidade. Hoje ando de skate, mas falta muito espaço."

O skatista Otávio Rodrigues sonha em poder andar de skate no Parque Paraisópolis - Gloria Maria/UOL - Gloria Maria/UOL
O skatista Otávio Rodrigues sonha em poder andar de skate no Parque Paraisópolis
Imagem: Gloria Maria/UOL

O jovem costuma ir ao Panamby e ao Morumbi para andar com os amigos, mas diz sentir desconforto ao sair da sua quebrada para ir a regiões vizinhas. "Saio bem largadão, uso tênis velho, rasgado, afinal estou indo andar de skate. Sinto e vejo os olhares de racismo e de preconceito de classe. Também já levei uns enquadros da polícia, quando estava tirando um lazer", relata.

Otávio imagina um parque com rampas bem bonitas e grandes para as manobra, uma quadra, e um parquinho para as crianças.

A falta de árvores na comunidade é uma das preocupações de Beatriz de Godoi, 24 anos e mãe de duas crianças - uma de 5 anos e outra de 1 ano e 6 meses. Crianças que estão cheias de energia para brincar, com estoque reforçado por conta da pandemia, das aulas canceladas e do isolamento social.

Beatriz diz que esses fatores trouxeram ansiedade para as crianças e se queixa da falta de espaço. "O quintal aqui de casa foi o que nos salvou nessa quarentena. É com este espaço que pensamos em formas de interação, como pintar ou montar cabana para acampar", conta.

Ela costuma frequentar o Parque Ibirapuera, mas relata que sempre havia muito estresse até chegar lá. "A distância, a passagem, o transporte público, com duas crianças é o que mais dificulta e sempre nos desanima, porque eu acabava chegando cansada", afirma.

Beatriz acha a ideia da separação entre o parque público e o bairro nobre é só mais um muro erguido dentro da população brasileira. "Foi muito ofensivo. Porque vem de um grupo que menospreza a nossa existência. Nós já temos muros sociais e raciais", diz ela.

As expectativas dela pensam o parque de Paraisópolis como um espaço rico de natureza. Para ela, será como uma saída do cotidiano corrido e cansativo da cidade grande. "Vejo como uma oportunidade para muitas pessoas iniciarem a prática de atividades físicas ou até mesmo ioga e meditação. Além das nossas crianças terem um espaço para poder respirar um ar mais puro, terem contato com a terra, com a natureza", finaliza.

Segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) o parque possui uma área de 68.150 metros quadrados e terá guarita, administração, área com pergolado, deck e parquinhos. O projeto, que terá recursos de R$ 2.403.442,55 do Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura (FMSAI), está em fase de construção. "O espaço foi limpo e estão sendo realizadas as fundações do edifício que será a sede administrativa", informou a pasta.

Croqui do Parque Paraisópolis, obre prometida para ser entregue em outubro de 2020 - Divulgação - Divulgação
Croqui do Parque Paraisópolis, obre prometida para ser entregue em outubro de 2020
Imagem: Divulgação

Para Gilson Rodrigues, presidente da Associação de Moradores de Paraisópolis, os moradores que pediram o muro deviam se unir e não criar mais barreiras. Ele vê o parque como uma oportunidade de integração e quebra de preconceitos. "Não podemos viver um Brasil que se divide. De um lado, um Brasil que tem acesso a tudo. Do outro, um Brasil que passa fome", opina. Paraisópolis tem como única área de lazer um campo de futebol para mais de 100 mil habitantes.

Para a socióloga Anabela Gonçalves, o Morumbi é um espaço de conflito por existirem duas formas de compreender a cidade dentro de um mesmo espaço territorial, em que a divisão se dá por raça, classe e gênero. "Há uma ideia preconceituosa de que todas as classes, que não sejam a classe alta, estão envolvidas com a criminalidade. É uma coisa que já coloca um muro invisível", afirma a especialista.

A socióloga diz que os espaços de lazer são essenciais para trazer a oxigenação da cidade. "O parque traz uma relação com meio ambiente, que é um dos valores mais importantes desse século. Temos que discutir ações com o meio ambiente urbano. É um espaço terapêutico, importante para a saúde social."

A prefeitura promete entregar o parque até outubro, um mês antes das eleições municipais, na qual o atual prefeito, Bruno Covas, busca a reeleição. A obra é de responsabilidade da Monteiro Engenharia e Arquitetura Ltda.