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No Jequitinhonha (MG), versos ajudam bordadeiras e chegam a Chico Buarque

Bordadeiras de Curtume, no Vale do Jequitinhonha (MG) - Érika Riani / Divulgação
Bordadeiras de Curtume, no Vale do Jequitinhonha (MG)
Imagem: Érika Riani / Divulgação

Lia Hama

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

02/07/2020 12h00

"Oi, Marli! Chico Buarque. Tô te mandando versinhos também. Beijo!". Moradora do Vale do Jequitinhonha, na região do semiárido de Minas Gerais, Marli de Jesus Costa foi surpreendida no início de maio com a mensagem de seu ídolo e os versinhos cantados por ele:

Durante a noite inteira
Escuto como quem sonha
A Marli bordadeira
Lá de Jequitinhonha

Era uma resposta aos versos que a bordadeira, costureira e lavradora de 41 anos havia enviado dias antes ao músico e compositor carioca:

A lua já vem saindo
De trás do pé de fulô
Não é lua não é nada
É o Chico puro amor
Joguei meu barquinho na água
Com carinho e amor
Chico você é tão lindo
Que nem sereno na flor

Marli é integrante do projeto Versinhos de Bem-Querer, que vende, por meio de uma plataforma digital, versinhos cantados por mulheres de comunidades rurais do Jequitinhonha. Helena, filha de Chico Buarque, havia encomendado um para uma amiga. Marli resolveu aproveitar a oportunidade e acrescentou, por conta própria, outro para seu ídolo. Por meio da filha Helena, o compositor o recebeu e retribuiu. "Chico é uma pessoa humilde. Se fosse outro, talvez nem ligasse, mas ele respondeu com um versinho tão bonito, tão suave. Gostei muito, fiquei muito feliz", conta a bordadeira, que ainda enviou uma tréplica ao músico.

O Versinhos de Bem-Querer foi lançado em março para divulgar a cultura do Vale do Jequitinhonha e, ao mesmo tempo, ajudar as comunidades da região a enfrentarem o impacto econômico da pandemia da Covid-19. "Ficamos pensando em como gerar uma renda rápida para essas pessoas, que ficaram isoladas em suas casas, sem poder trabalhar. Aí lembramos dos versinhos - uma tradição da cultura local, passada de geração em geração - e tivemos a ideia de personalizá-los", explica Viviane Fortes, coordenadora do projeto Mulheres do Jequitinhonha, da ONG Ajenai, e uma das idealizadoras da nova empreitada.

Marli de Jesus Costa é bordadeira, costureira e lavradora no Vale do Jequitinhonha (MG) - Érika Riani / Divulgação - Érika Riani / Divulgação
Marli de Jesus Costa é bordadeira, costureira e lavradora no Vale do Jequitinhonha (MG)
Imagem: Érika Riani / Divulgação

Nas épocas de plantio e colheita, os moradores do Vale se reúnem para cantar versos em rodas, em volta da fogueira. Já a versão digital é comercializada da seguinte forma: o interessado encomenda um verso por R$ 26 no site. Por e-mail, ele explica as características da pessoa que irá recebê-lo. Com base nessas informações, as mulheres do projeto gravam um verso cantado personalizado e misturam com outros tradicionais. Os áudios são enviados por WhatsApp a quem encomendou e este os encaminha para quem quiser.

Por meio da propaganda boca-a-boca e da divulgação em redes sociais, o negócio virou um sucesso e foi preciso suspender as encomendas por dez dias em junho por causa do excesso de demanda. "As pessoas compram os versinhos para ajudar e acabam se surpreendendo com a riqueza que recebem. Elas se emocionam", diz Viviane. "As mulheres do Vale têm uma conexão profunda com a natureza, uma alegria e uma sabedoria que transparecem nos versos que criam."

Desde o início do projeto, em 26 de março, mais de 2.500 versos foram enviados para pessoas de todo o Brasil e de países como Estados Unidos, Israel, Espanha, Alemanha, França, Portugal, Suécia, Suíça, Argentina, Chile e Uruguai. Parte do dinheiro arrecadado vai para as dez mulheres que cantam os versos e o restante, para um fundo solidário destinado a famílias de sete comunidades do Jequitinhonha: Tocoiós, São João de Baixo, Curtume, Ribeirão de Areia, Poções, Alves e São João dos Marques. A partir de julho, os recursos vão para a ONG Ajenai, que desenvolve projetos sociais na região.

Bordado feito por mulheres do Vale do Jequitinhonha (MG) - Érika Riani / Divulgação - Érika Riani / Divulgação
Trabalho de bordado feito por mulheres do Vale do Jequitinhonha (MG)
Imagem: Érika Riani / Divulgação

O pico da demanda ocorreu na época do Dia das Mães. "Cheguei a fazer quase cem cantigas num só dia", conta Marli, que aprendeu a jogar versos com o pai e a avó e incorporou a cantoria à sua rotina diária. "Levanto às 5h30 e canto bastante de manhã. A gente precisa estar inspirado para fazer uma cantiga bonita, que transmita alegria e bem-estar às pessoas. Aí paro, vou cuidar da casa e fazer o tingimento dos tecidos usados pelas bordadeiras. Tomo um banho, almoço e começo tudo de novo. Tem vezes que vou até tarde da noite cantando."

Cantar, segundo Marli, dá menos trabalho do que bordar, ofício que "exige muito tempo, muita delicadeza". São duas tradições que estão na família há cinco gerações. "Meu tataravô, Joaquim Teodoro da Costa, veio de Portugal para o Brasil e trouxe os tecidos, os bordados e as cantorias de lá. As cantorias dos brancos se juntaram com os cantos dos escravos e viraram uma marca da nossa região."

Entre os pedidos de versos que mais emocionaram Marli estão aqueles voltados para levar um pouco de conforto a pacientes internados com a Covid-19. "Precisa regular bem as palavras para não entristecer a pessoa. Tenho que levar ânimo para ela. Cantei para uma moça que estava no hospital por causa do coronavírus. Ela me agradeceu, chorando de emoção. Senti como ela ficou feliz. Fico satisfeita porque estou ajudando as pessoas e, ao mesmo tempo, esse dinheirinho me ajuda muito também."

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Imagem: Arte/UOL

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