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Projeto busca 'padrinhos' para garantir Enem de jovens negros e indígenas

Cristiano Ferraz, professor de Petrolina (PE), criou Movimento Amplia  - Divulgação
Cristiano Ferraz, professor de Petrolina (PE), criou Movimento Amplia Imagem: Divulgação

Isabella Garcia

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

06/06/2020 04h00

As campanhas para o adiamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) conseguiram retardar a data da prova, principal meio de acesso à universidade do país. No entanto, o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) não prorrogou o prazo das inscrições e, na última terça (2), comunicou que cerca de 300 mil inscritos estavam com o boleto em aberto. A data limite para o pagamento da taxa foi estendida até 10 de junho.

O alto número de estudantes que não quitaram a tarifa chamou a atenção de Cristiano Ferraz, um professor de inglês de 26 anos que dá aulas em uma escola da rede municipal de Petrolina, no sertão de Pernambuco, e no Ensina Brasil, um programa que estimula a liderança de jovens na educação.

"Veio à minha cabeça uma campanha que fizemos, estimulando os alunos da rede pública a realizar exames para ingressar em escolas federais de ensino médio. Muitos não realizaram o vestibulinho: as inscrições tinham custo e as famílias não tinham dinheiro", lembra Ferraz.

Em um período em que mortes como a do jovem João Pedro, no Rio, e de George Floyd, nos EUA, chamam a atenção para o racismo estrutural da sociedade, o professor sentiu que era o momento de agir. "Quando olhamos os indicadores de diferença social de renda, é fácil perceber quais são as populações mais vulneráveis e que vivem à margem dos seus direitos", diz.

Com uma rede de conexões grande e engajada, ele resolveu mobilizar doações para os jovens mais afetados pela dificuldade de pagamento da tarifa, enfocando negros e indígenas que não receberam a gratuidade do exame e não têm condições financeiras para pagar o valor de R$ 85. Abriu, para isso, um formulário online em que candidatos ao Enem — quem precisa de ajuda — e madrinhas ou padrinhos — quem pode ajudar — se inscrevem. E divulgou em suas redes sociais. Em menos de 48 horas, os compartilhamentos se multiplicaram.

Movimento Amplia quer garantir inscrição de jovens mais pobres do país no Enem - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Movimento Amplia quer ajudar jovens a não ficarem de fora do Enem por dinheiro
Imagem: Arquivo Pessoal
A ação, conta, foi além do propósito de pagar boleto. "Nós alcançamos uma base gigante de pessoas incríveis querendo ajudar. A última vez que consultei a planilha, tínhamos 45 mil inscritos, que não estavam ali apenas para ajudar financeiramente."

Muita gente se propôs a fazer outras atividades — como ser tutor do aluno, dar aulas ou doar um computador que está parado em sua casa

Cristiano Ferraz, professor

Para resolver as demandas surgidas, foi preciso contatar influenciadores, políticos, movimentos sociais, cursinhos populares e lideranças comunitárias. Dessa forma, o projeto consegue chegar a quem mais precisa: jovens que não têm acesso à internet ou familiaridade com o formulário do Google.

A iniciativa se transformou no Movimento Amplia que se descreve como uma rede de "entusiastas pela ampliação de oportunidades para juventude negra e indígena a partir da educação".

A ideia, agora, é extrapolar os limites do Enem e atuar nos vestibulares. Em menos de 24 horas, a página no Instagram já havia atingido mais de 7 mil seguidores.

"A nossa preocupação não acaba no pagamento do boleto, mas também passa por outras necessidades desse estudante na sua preparação para o exame. A universidade é um instrumento de extrema importância no combate às desigualdades sociais presentes no nosso país. Criar caminhos para que alunos e alunas menos favorecidos possam acesses espaços deve ser prioridade da sociedade como um todo", diz Ferraz.

Para o professor, apesar de estar longe do ideal, nos últimos anos o Brasil obteve muitas conquistas na educação básica e no ensino superior, graças ao sistema de cotas e ao financiamento estudantil — fazendo com que, aos poucos, a universidade pública mude de cara.